A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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26 de dezembro de 2010

A Próxima Década no Campo da (In)segurança Pública


O que nos reservam os próximos dez anos? As principais tendências apontam para a nacionalização dos problemas, que deixam de ser exclusividade dos centros metropolitanos e se espalham pelo país. A epidemia das armas e, portanto, dos homicídios tem se deslocado para áreas de crescimento tardio mas acelerado, cujo desenvolvimento oferece oportunidades, ainda que o emprego para jovens continue exíguo. É o caso de cidades nordestinas e do Centro-Oeste ou do litoral fluminense, por exemplo. Se o petróleo deixou rastro de mudanças rápidas e desordenadas, aquecendo a violência (como em Macaé), o pré-sal pode intensificar esse fenômeno. As fronteiras tendem a ferver, sob a tensão dos tráficos, contrabandos e piratarias. Foz do Iguaçu é o caso emblemático. A questão do terrorismo se imporá por conta dos eventos internacionais e também porque a precariedade de nossos controles atrairá grupos que, pressionados em suas regiões de origem, busquem um recuo tático.

Enquanto o tráfico de drogas, envolvendo controle territorial e domínio de comunidades, tende ao declínio porque é anti-econômico, além de desnecessariamente arriscado, o negócio das drogas continuará prosperando, em um formato nômade, mais leve e menos perigoso, como ocorre nas democracias mais avançadas.

A insuficiência dos salários pagos aos policiais continuará a empurrá-los para o bico na segurança privada, o que, sendo ilegal, obrigará as autoridades a conviver com o ilícito, para evitar demanda salarial e colapso orçamentário. Essa tolerância, ao gerar uma área de sombra, manterá fora do campo de fiscalização os policiais que se aproveitarem disso para provocar insegurança e vender segurança, ou para formar grupos de extermínio, ou ainda para se organizar como milícias. Tais máfias tendem, portanto, a uma expansão viral, estendendo tentáculos políticos e se infiltrando em outras instituições públicas.

O sistema político-eleitoral, como se sabe, estimula a corrupção. Nesse ambiente, os crimes de colarinho branco tem prosperado e tendem a avançar, porque as barreiras às ilegalidades, progressivamente derrubadas, abrem espaço para novas conexões entre distintos tipos de crime organizado, produzindo configurações mais complexas e ameaçadoras.

A homofobia parece ganhar força, na exata medida em que novos direitos se afirmam, suscitando reações perversas em grupos culturalmente vulneráveis aos racismos e preconceitos --o mesmo valendo para a violência de gênero e a brutalidade contra crianças. A praga do crack somada à nossa hipócrita política de drogas tendem a acelerar a criminalização da pobreza, no contexto marcado pela seletividade das ações policiais e pela profunda desigualdade no acesso à Justiça. O aumento veloz da população carcerária incrementará a degradação ainda maior do sistema penitenciário e jogará na carreira criminal mais e mais jovens presos por pequenos delitos não-violentos. A corrupção policial e a brutalidade letal, bases de sustentação de tantos crimes (a começar pelo tráfico de drogas), crescerão se forem mantidas as atuais estruturas organizacionais das polícias, refratárias à gestão racional e ao controle externo. A desvalorização da perícia, comum em boa parte do país, continuará reduzindo prisões ao flagrante e inviabilizando investigações.

As boas experiências em alguns estados, como as UPPs, e em vários municípios tendem a não se generalizar nem aprofundar, porque se realizam apesar do modelo policial e da arquitetura institucional da segurança e não graças a eles.

O que fazer para prevenir esse cenário? Sabemos que há necessidade de políticas multi-setoriais, porque os dilemas se inscrevem em diferentes dimensões da vida social, do emprego à educação. Vou me concentrar na área mais específica, avaliando o passado recente.

Os oito anos de Lula na presidência foram antecedidos pela divulgação de um plano nacional de segurança pública, que o primeiro mandato ensaiou implementar, mas optou por abandonar, e o segundo retomou, parcialmente, esvaziando-o das propostas mais ambiciosas e potencialmente geradoras de conflitos. O plano firmava o compromisso de propor ao Congresso que alterasse o artigo 144 da Constituição, transformando, assim, a arquitetura institucional da segurança pública, que priva a União de maiores responsabilidades, exclui os municípios e condena as polícias estaduais à reatividade, à rivalidade, à repetição inercial de velhos padrões ineficazes e ilegais, ao voluntarismo espasmódico e ao descontrole. O modelo policial com duas meias polícias, a civil e a militar, impede a gestão racional, legalista e eficiente.

No segundo mandato, o ministro da Justiça, Tarso Genro, implementou o programa nacional de segurança com cidadania, destacando a prevenção e o papel dos municípios. Na secretaria nacional de segurança pública, Ricardo Balestreri criou a rede nacional de ensino em segurança pública, o mais bem sucedido esforço de qualificação dos profissionais da área. As reformas institucionais, entretanto, ficaram fora da agenda.

Impossível prever o que fará a presidente Dilma Roussef. Os governos federais –sem exceção-- têm se esquivado de enfrentar o desafio das reformas. Resta a pergunta: o Brasil, que já enfrenta tantos gargalos --infra-estrutura, educação, sistemas tributário e político--, suportaria o cenário prospectivo que expus? A próxima década parece começar sob o signo da falta de vontade política para dirigir e celebrar um pacto nacional supra-partidário em torno de transformações institucionais inadiáveis, na segurança. Por outro lado, a década promete avanços sociais e econômicos aos quais corresponderá a exigência de que as lideranças políticas (e a sociedade) encarem com mais coragem, lucidez e espírito público suas responsabilidades. A pressão do processo histórico contra os gargalos ou nos condena ao atraso e ao eterno retorno da violência ou nos força a encarar a sério nossas debilidades para corrigi-las. Digo isso com otimismo, confiando na potência criativa dessa contradição.
 
Por Luiz Eduardo Soares, Mestre em Antropologia, doutor em ciência política com pós-doutorado em filosofia política. Foi secretário nacional de segurança pública (2003).
 
Fonte: Revista Época de 27/12/2011.

25 de dezembro de 2010

Feliz Natal


“Estando eles ali, completaram-se os dias dela. E deu à luz seu filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o numa manjedoura; porque não havia lugar para eles na estalagem.”
(Lucas 2:6-7)

24 de dezembro de 2010

Aspirações



 

22 de dezembro de 2010

Recomeço



Final de ano é uma época de apostar no recomeço, na revitalização e em novas iniciativas. No calendário chinês, 2011 é o ano do coelho, que simboliza vitalidade. O filósofo Mário Sérgio Cortella (PUC/SP) ajuda a entender significado dos dias de final de ano.

Fonte: "Jornal das 10" de 21/12/2010 - Globonews (Canal 40 Sky)

21 de dezembro de 2010

Questão de linguagem


Dicionário Policial

Corneliu Porumboiu faz variante filosófica do gênero policial calcada na importância da palavra

Cena de Polícia, Adjetivo: abordagem linguística no cinema privilegia o verbo

Filmes e seriados de TV consagraram o gênero policial como um universo de ação física, geralmente provocada pelo confronto entre agentes da lei e os que a descumprem. Essa regra básica permite variações, como a explorada com habilidade linguística pela produção romena Polícia, Adjetivo, que recebeu o prêmio de melhor filme da sessão Um Certo Olhar do Festival de Cannes em 2009.

A história tem início segundo as convenções do gênero: um policial (Dragos Bucur) investiga um estudante suspeito de consumo de drogas. Depois de seguir o rapaz durante alguns dias, ele confirma a denúncia. Não lhe parece, contudo, que seja um caso de tráfico. Além disso, não ficou clara a motivação de quem transmitiu a informação para a polícia.

A partir dessa situação convencional, o diretor e roteirista Corneliu Porumboiu executa variante filosófica da fórmula. De acordo com a legislação romena, o rapaz deve ser preso em flagrante e condenado a alguns anos de detenção, mas o policial recusa-se a fazer isso, por acreditar que comprometerá a vida do jovem em nome de lei que talvez seja alterada em breve, como fizeram outros países.

Instala-se, então, um conflito de ordem moral, com o policial resistente de um lado e seus superiores, preocupados unicamente com o cumprimento da lei, de outro. Quem pode resolver a disputa? Um dicionário. O significado de palavras como "polícia", "justiça" e "consciência" orienta a discussão, pautada por uma ironia que se estende a quem "manda na língua" - na ambientação do filme, a Academia Romena de Letras.

Não é a primeira vez que Porumboiu, 35 anos, dá tamanha importância à palavra. Um dos representantes da "onda romena" que vem se destacando em festivais nos últimos anos, ele já havia dirigido o longa-metragem A Leste de Bucareste (2006), em que convidados de um programa de TV reconstituem o que teria ocorrido em sua cidade no dia em que o ditador Nicolae Ceausescu caiu, em 1989. Sem documentos, cada um defende a sua versão, usando como instrumento o verbo.

Ficha técnica:

POLÍCIA, ADJETIVO (Politist, Adjectiv) - Romênia, 2009, 115 min. Direção e roteiro: Corneliu Porumboiu. Com Dragos Bucur, Vlad Inanov, Irina Saulescu, Ion Stoica. Distribuição em DVD: Imovision. Clique aqui

Por Sérgio Rizzo, professor universitário, jornalista e crítico de cinema.

19 de dezembro de 2010

Legitimidade

Via Malvados

17 de dezembro de 2010

Esperança



“[...]Um dia, assim espero, com sofreguidão, as pessoas deixarão de se referir ao Poder Judiciário do Maranhão com menosprezo, com achincalhe, em face da má conduta de uns poucos descomprometidos.

Um dia o Poder Judiciário do Maranhão se afirmará, definitivamente, perante a opinião pública. Mas não dá mais para esperar. Temos que agir, temos que reagir, que enfrentar as nossas conhecidas mazelas, que enfrentar a inércia, que reconhecer os nossos erros, que expurgar os nossos pecados, que expungir dos nossos quadros os que comprometam a imagem da instituição[...]“.

Por José Luiz Oliveira de Almeida, Desembargador (TJ/MA).

16 de dezembro de 2010

Violação de Prerrogativa


O assento à direita do Poder Judiciário é prerrogativa do Ministério Público, segundo o ordenamento jurídico.

Não obstante isso, um juiz baixou portaria em clara violação à tal prerrogativa.

Sobre o tema, antes de se formar qualquer opinião, obrigatória é a leitura do texto "A concepção cênica da sala de audiência..." da lavra do Doutor Lênio Luiz Streck. Para tanto, clique aqui.

15 de dezembro de 2010

Reconhecendo o Óbvio Ululante


Clique aqui e leia a excelente decisão do decano do STF, o Ministro Celso de Mello, no HC 93.930 - 2a Turma (Votação Unânime), sobre o Poder de Investigação do Ministério Público. Muito esclarecedora! Sua excelência só faltou desenhar, mesmo em se tratando do óbvio ululante... Defender o contrário, só mediante o emprego de muito leguleio jurídico, e sob o manto de uma agenda (muito) oculta.

14 de dezembro de 2010

Dia do Ministério Público



Hoje, 14 de dezembro de 2010, conforme o artigo 82 da Lei n. 8.625/1993, comemora-se o Dia do Ministério Público no Brasil. Será que há o que efetivamente comemorar? Qual o papel que esta Instituição, já tão conhecida e cuja presença tem sido marcante em inúmeros embates de repercussão social, desempenha na sociedade brasileira?

Inegavelmente, o Ministério Público é uma Instituição jovem no Brasil, ao menos quando considerado o seu atual perfil, totalmente remodelado pela Constituição de 1988, que fez surgir, sem dúvida, um novo e inquieto Ministério Público, totalmente comprometido com a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF/88). Enfim, foi conferida a esta Instituição a missão de defesa da sociedade e dos bens jurídicos mais importantes para a vida e bem-estar dos cidadãos, como a saúde, a educação, a segurança pública, o meio ambiente, a probidade administrativa etc.

Assume o Ministério Público, nos dias de hoje, protagonismo sem precedentes na defesa dos direitos sociais, no combate à corrupção e à criminalidade organizada, inserindo-se como Instituição essencial à afirmação da República Federativa do Brasil na condição de verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Tem, portanto, o Ministério Público Brasileiro empunhado a bandeira da cidadania e, ungido por sua missão constitucional, travado lutas incessantes contra os que teimam em não se manter nos trilhos do Estado Constitucional e Democrático de Direito, como tem sido constantemente noticiado nos mais diversos veículos de comunicação do país.

Não há dúvida, portanto, que, em mais este aniversário, o Ministério Público Brasileiro tem efetivamente o que comemorar. Permanece como instituição altiva e cada vez mais respeitada, além de ter uma parcela importante de contribuição pelo fato de os temas de interesse social cada vez mais estarem sendo conhecidos e apropriados pelos cidadãos, que, juntam-se ao Ministério Público na luta do bom combate, promovendo, paulatinamente, as transformações sociais que o país precisa.

Se é possível comemorar algumas conquistas sociais e passos em direção à construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, também é preciso festejar as organizações afinadas com este ideário de responsabilidade e determinação e, desta feita, não se pode deixar de parabenizar o Ministério Público Brasileiro por sua existência e pelo árduo trabalho que oferece em prol da cidadania.

Por  Manoel Onofre de Souza Neto, Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Fonte: MPRN

13 de dezembro de 2010

Negativa de Autoria

11 de dezembro de 2010

Direito é produto cultural


Homem é condenado a ter olhos queimados por ácido no Irã

A suprema corte iraniana condenou um homem culpado de ter feito o marido de sua amante perder a visão a ter os olhos queimados com ácido, sob a lei de talião, informou neste sábado o jornal oficial iraniano.

A Suprema Corte confirmou a sentença proferida por um tribunal, ou seja, uma condenação à cegueira por ácido, em conformidade com a lei islâmica (Sharia), que permite aplicar a lei de talião quando se trata de crimes violentos.

Segundo o jornal "Irã", o homem identificado apenas como Mojtaba, de 25 anos, jogou ácido sobre Alireza, 25, e um motorista de táxi na cidade sagrada de Qom (centro), depois de uma "relação ilícita" com a mulher deste último, Mojedh, da mesma idade.

Ainda de acordo com o jornal, o promotor de Qom, Mostafa Barzegar Ganji, estimou que esta sanção foi aplicada porque a vítima insistia em obter "a pena Quisas", o termo islâmico para a noção de "olho por olho".

'Pedimos a especialistas de medicina legal que supervisem a operação destinada a deixar o condenado cego', informou o promotor.

Vários ataques com ácido foram registrados nos últimos anos.

Em fevereiro de 2009, Majid Movahedi foi condenado à cegueira total após ser declarado culpado de jogar ácido em uma colega de faculdade, Ameneh Bahrami, que havia rejeitado sua proposta de casamento.

Não foi informado se a pena foi executada.

10 de dezembro de 2010

Corrupção


No "Jornal das 10" do canal Globonews (40 Sky) de ontem, o filósofo Mário Sérgio Cortella (PUC-SP) afirmou que para combater a corrupção é preciso haver uma imprensa livre, publicidade e o fim da impunidade. Para ele, a punição tem que ser em alto estilo.

9 de dezembro de 2010

Crime e Saúde Mental

Especialistas discutem assistência aos portadores de transtornos mentais ou de personalidade que cometem crimes



Pelo sistema penal brasileiro, os doentes mentais e alguns portadores de transtornos de personalidade que cometem crimes são inimputáveis ou semi-imputáveis. Em caso de inimputabilidade não há condenação e a pessoa é submetida à medida de segurança. O semi-imputável responde pelo crime, com pena reduzida ou medida de segurança. O Código Penal Brasileiro prevê dois tipos de medida de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; e tratamento ambulatorial. Na falta de hospital de custódia, a medida pode ser cumprida em “outro estabelecimento adequado”. Do diagnóstico da doença ao tratamento previsto no código, faz-se necessária a atuação do psiquiatra em um dos setores mais problemáticos da sociedade brasileira, o sistema penal. Para debater esse assunto, o conselheiro e primeiro-secretário do Cremesp, Mauro Aranha, convidou três colegas de especialidade: os psiquiatras forenses Breno Montanari Ramos e Hilda Morana; e o professor Cláudio Cohen (veja currículos ao final do texto).

Mauro Aranha: Os jornais noticiaram, há alguns meses, o caso de um rapaz que entrou numa livraria com um taco de beisebol e agrediu outro jovem que folheava um livro, que faleceu após ficar meses em estado vegetativo. O agressor ficou no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros e, meses depois, decidiu-se que faria tratamento em casa de custódia, mas que ainda faltava fazer a perícia para verificar se ele havia cometido o ato de violência na vigência de sintomas de doença mental.

Causa estranheza a demora para avaliar essa pessoa. Provavelmente ele é portador de transtorno mental e ficou, desnecessariamente, em um ambiente nocivo. Este caso ilustra uma constatação: nosso Estado, e mesmo o Brasil, não dispõe de políticas públicas para prover, competentemente, cuidados aos portadores de transtornos mentais ou de personalidade que cometem crimes. Eventualmente surgem iniciativas em um ou outro governo, mas não há continuidade. Essa é apenas uma das diversas questões relacionadas ao tema que nos propusemos a debater.

Breno Montanari Ramos: Seria importante fazer um breve histórico sobre o sentido do crime inimputável no âmbito da medicina.

Cláudio Cohen: O crime em si não é um problema psiquiátrico, e sim, social. Seu conceito pode mudar, dependento da cultura ou situação. Matar alguém é crime em nossa sociedade, mas não em caso de legítima defesa. Matar em uma guerra não é crime. Então, matar alguém não é crime per si. O nosso Código Penal vem do direito romano, que há dois mil anos já considerava alguns criminosos doentes, mas estes deveriam ser responsabilizados por seus atos. A psiquiatria se agregou à questão no século 19, buscando entender os diversos tipos de crime e se aqueles que o praticam deveriam entrar em medida de segurança. No Brasil, o Código Penal de 1984 determinou que só eram perigosos os doentes mentais, porque apenas eles estavam sujeitos a medidas de segurança e à periculosidade. Essa medida, que é inconstitucional, estigmatizou o grupo que tem transtornos mentais ou de personalidade.

Breno: Que avaliação podemos fazer para entender o crime praticado por doente mental?

Hilda Morana: Ele precisa ser avaliado por um psiquiatra forense que, além da psicopatologia, analisará se a doença tem nexo causal com o crime. O doente mental acometido por delírios não pode ser responsabilizado porque não tem pleno entendimento do que fez. E não adiante largá-lo na cadeia porque ele não vai entender o que faz lá. Depois da prisão, volta para a rua e entra na "porta giratória" - da rua e para a cadeia e vice-versa. Mas não basta ser doente mental para ficar isento de responsabilidade.

Breno: Um esquizofrênico que bate carteira não parece ser motivado pelo mesmo nexo causal daquele que mata enquanto sofre um delírio.

Hilda: Conhecemos os tipos de crimes que o doente mental costuma cometer. Quando ele chega a agredir, ou matar, a vítima geralmente é alguém de seu entorno. A periculosidade ficou associada ao doente mental, mas, em geral, ele não é perigoso. Hoje, com a medicação antipsicótica, a pessoa bem tratada tem adequado convívio social, mas os governos não oferecem tratamento. Na Europa, se alguém comete um crime, na maioria das vezes é preso, logo a criminalidade é menor. Quando acontece uma barbaridade lá, geralmente tem relação com doentes mentais, por isso são considerados perigosos.

Breno: Isso porque os crimes cometidos por determinados doentes mentais são muito violentos.

Cohen: Temos de começar a pensar em nosso sistema e de que forma lidar com isso. É necessário analisar as consequências sociais da inimputabilidade ou semi-imputabilidade e o que é feito no Brasil e em outros países.

Hilda: No Canadá, quem comete um crime grave, seja maior ou menor de idade, é avaliado por uma comissão, composta por juiz, advogado, psicólogo, assistente social e psiquiatra forense. Eles avaliam as condições psicológicas, sociais e jurídicas do crime para determinar qual é a instituição mais adequada ao encaminhamento. Não sou eu, um psiquiatra forense, que vou assinar e ser responsável o resto da vida por reincidências dessa pessoa. Em algum momento, o Brasil vai perceber que precisamos de um sistema com instituições de máxima e média seguranças.

Breno: No Canadá, a periculosidade não está associada apenas à doença mental. Para ser liberada, a pessoa passa por uma comissão constituída por membros da comunidade, além de psiquiatras, que avaliam se a pessoa pode, ou não, retornar à sociedade.

Hilda: O conceito de periculosidade praticamente caiu no Canadá e foi substituído pelo de risco de reincidência. Caso a pessoa volte à sociedade e cometa outro crime, a responsabilidade será do Estado. Eles têm exames específicos, da Escala Hare, de risco de reincidência criminal, que é utilizada no mundo todo e também está validada no Brasil. Essa escala trata, basicamente, de risco de reincidência criminal.

Cohen: Mas isso vale para o Canadá, porque, no Brasil, a lei diz que a periculosidade está associada à doença mental.

Breno: No Brasil, a medida de segurança pode ser entendida como tratamento ou apenas como defesa social? Qual é a conexão da periculosidade com a psicopatologia? Como a medida de segurança divide-se em tratamento ambulatorial e internação?

Cohen: De acordo com a filosofia do Código Penal Brasileiro, pena não é somente condenação e deveria funcionar como tratamento. Mas o nosso sistema penal não oferece tratamento, apenas reclusão. Em relação à inimputabilidade ou semi-imputabilidade, o Código Penal é específico e antecede ao crime. Ele prevê a avaliação se, no momento do crime, o indivíduo era capaz ou não de entender o ato que cometeu. Em um segundo momento aparece penalização, que é a responsabilização pelo ato praticado. Quando o doente mental entra no conceito de inimputabilidade, espera-se que ele seja tratado. A questão que gera conflito é se o tratamento será da doença ou da periculosidade. O psiquiatra tratará da doença. A periculosidade não tem como ser tratada por ele.

Breno: Embora não exista expressão médica para a periculosidade, é possível tratar algumas características psicopatológicas associadas a ela como compulsividade, agressividade, transtorno de personalidade?

Cohen: A Classificação Internacional de Doenças não se ocupa da periculosidade. A lista reconhece os transtornos de personalidade, mas não diz que isso pode tornar a pessoa perigosa.

Hilda: Mas o doente mental que comete crime precisa de tratamento para remitir ou atenuar sua doença, podendo voltar ao convívio social. Porém, se melhorou dos transtornos, mas é irritado, impulsivo e isso faz parte de sua natureza, não há como abolir essas condições do perigo que podem representar. Essas características favorecem a reincidência criminal.

Breno: Como poderíamos responder a um juiz que nos perguntasse: “há alguma característica da doença mental que este senhor é portador que o torna perigoso”?

Hilda: Tratamos alguns sintomas do doente mental que comete crime. Não é possível curar essa condição, mas controlar. Uma vez que ele recebe o laudo de cessação de periculosidade e deixa o hospital de custódia, é fundamental que seja obrigado a passar periodicamente por ambulatório de psiquiatras forenses porque os traços são permanentes.

Cohen: Se esses medicamentos fossem bons para evitar a reincidência criminal, deveriam ser usados em todos os que estão na cadeia e são perigosos. Mas enquanto o indivíduo for perigoso devido à doença mental, trato o delírio e não a periculosidade.

Breno: Eu sei que a periculosidade é de outra esfera, a jurídica, mas podemos levantar alguns traços de determinadas doenças mentais e dizer ao juiz que estes podem conferir certa periculosidade ao seu portador? Se não pudermos fazer essa transposição, o exame de verificação clínica e de cessação de periculosidade não teria sentido, nem mesmo o tratamento.

Cohen: Se continuarmos com essa questão, os pedófilos também deveriam ser tratados em hospital de custódia, pois são portadores de transtorno de personalidade. Mas, no Brasil, o pedófilo é imputável e vai para a cadeia, não está vinculado à periculosidade e não é considerado portador de transtorno mental. Mas, deveria sê-lo porque está codificado na CID-10.

Hilda: Em transtorno de personalidade, ele tem noção do que está fazendo. Tanto que nossos legisladores inventaram a semi-imputabilidade para os psicopatas – porque “eles nasceram assim, não têm culpa e sua capacidade de discernimento está prejudicada” – e o juiz pode diminuir a sua pena em um ou dois terços. É um absurdo que ele receba esse benefício porque “não tem culpa de ser psicopata”. Mas a sociedade também não tem e ela não quer o psicopata nas ruas.

Cohen: O pior é colocar o psicopata numa penitenciária. Ele fará barbaridades ao ser inserido em um local no qual pode manipular os demais. As maiores rebeliões no sistema penitenciário são comandadas por psicopatas.

Hilda: O psicopata não se adapta ao hospital de custódia, porque não é louco; e nem à cadeia, porque vira líder. Nas cadeias há 20% de psicopatas e 80% de criminosos comuns. Esses 20% não permitem que os 80% se recuperem, porque passam a comandá-los. É por isso que em outros países existem três tipos de instituição: para doente mental, para psicopata e para criminoso comum.

Cohen: Concordo. Em nosso sistema penal, as leis são elaboradas somente por juristas, não há assessoramento de outras áreas. Ainda sobre o inimputável e semi-imputável, temos a situação do indivíduo com transtorno de personalidade que vai para o hospital de custódia com os outros doentes mentais e atrapalha a terapêutica dos demais.

Breno: O psicopata é considerado semi-imputável e a lei permite que o juiz utilize medida de segurança em seu caso. É perigoso colocar o psicopata junto com outros doentes mentais porque alguns são manipuláveis. Há algum tempo tentamos encaminhar todos os psicopatas para a Casa de Custódia de Taubaté, o que funcionou razoavelmente. Mas nosso sistema deixa muito a desejar.

Hilda: Depende do lugar. No Rio Grande do Sul funciona melhor. O problema é a falta de psiquiatras forenses. Em Belém, por exemplo, o hospital é bem aparelhado, mas só há uma psiquiatra forense.

Cohen: Devemos criar um espaço diferenciado ao portador de transtorno de personalidade.

Breno: É uma ideia importante que devemos levar adiante. Por outro lado, em meus exames de cessação de periculosidade, quando tenho uma pessoa esquizofrênica que toma antipsicótico e está bem, entendo que, naquelas condições e dentro daquele nexo causal, a periculosidade está cessada. Porém, muitas vezes, o juiz afirma que se ele continua esquizofrênico, ainda é perigoso. Ainda não temos cura para a esquizofrenia! Se o crime foi cometido na vigência de um delírio persecutório e esse sintoma é diminuído, ele não se sente mais perseguido. Então posso dizer que, dentro daquele nexo causal, a periculosidade está cessada.

Hilda: A psiquiatria forense é um campo da ciência com muitos estudos que podem auxiliar o sistema penal, mas é impossível prever o comportamento humano. Os estudos indicam que o esquizofrênico pode ser controlado com antipsicóticos, mas se ele tiver cometido mais de um crime violento, se for jovem e não tiver respaldo familiar, estatisticamente, as probabilidades de reincidir serão maiores. Podemos dizer isso ao juiz, mas prever seu comportamento futuro é impossível.

Cohen: Tenho dúvidas ao avaliar o passado da pessoa, porque o estudo dos crimes que ele cometeu indicará que continua potencialmente perigoso. Para considerar a cessação ou diminuição de periculosidade, devo analisar fatores do presente, o suporte familiar, a reinserção social etc.

Hilda: Há muitas pessoas sem respaldo familiar que ficam internadas nos hospitais de custódia pelo resto da vida. A custódia deveria ser residência terapêutica. Deveríamos ter ambulatórios com psiquiatras forenses para dar continuidade ao tratamento, mas isso não existe no Brasil. Nossa política é cadeia e hospital de alta rotatividade.

Breno: Gostaria de colocar em discussão a validade do exame criminológico , que foi determinado por lei. Houve a tentativa de criar uma comissão para sua execução no Brasil, nos moldes da existente no Canadá, mas não funcionou.

Hilda: No começo funcionava bem. Era o único instrumento que o promotor de execução criminal tinha para decidir se a pessoa poderia entrar na progressão de regime ou no benefício de sair no Natal ou Dia das Mães. Porém, pela falta de política dos governos e a existência de cadeias de alta rotatividade, o exame criminológico era mal feito em alguns lugares. As equipes nunca estavam completas e, muitas vezes, não havia psiquiatras. O promotor era obrigado a pedir o exame, mas não havia uma equipe adequada para fazê-lo, o que acabou gerando atrasos na saída de presos. Então, aplicou-se a velha filosofia do lixo – “se está incomodando, joga fora o cesto todo”.

Cohen: Os problemas de implementação não justificam o abandono do exame criminológico. Temos de atualizar o seu desenvolvimento científico.

Breno: Em 1990, criou-se a lei dos crimes hediondos, que foi considerada inconstitucional, e pela qual os criminosos, nessa situação, deveriam cumprir pena total e não poderiam progredir para regime semiaberto ou de liberdade condicional. Uma vez que a lei tornou-se inconstitucional, prevaleceu para o juiz a ideia de liberar – sem nenhum dado subjetivo, que seria o exame criminológico –, com um lapso temporal, pois quem cumpre um sexto da pena, seja hediondo ou não, vai para o regime semiaberto e, aquele que cumpre dois terços, pode alcançar a liberdade condicional. Em cima disso e até que a lei pudesse ser modificada, o Supremo Tribunal de Justiça criou uma súmula vinculante, permitindo a realização de exame criminológico, em caso de crime hediondo. Tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 70 para o retorno da obrigatoriedade do exame, mas não avança.

Hilda: O projeto está parado, mas sou favorável à volta do exame criminológico no momento em que a pessoa recebe esses benefícios, porque é o único respaldo do promotor da execução criminal. Mas, para isso, devemos capacitar equipes. O exame não pode garantir a não reincidência criminal, mas deve ser padronizado para definir suas probabilidades.

Aranha: Acho que não devemos condicionar a progressão de liberdade ao exame criminológico.

Hilda: Acredito que se deve condicionar. Não se pode liberar à sociedade ninguém que ficou institucionalizado alguns anos.

Aranha: Nesse caso, não estaríamos avaliando a periculosidade?

Hilda: Avalia-se o risco de reincidência criminal. Muitas vezes, o juiz pede avaliação para um psiquiatra que não é forense e nunca viu o indivíduo que ficou institucionalizado. Ele pergunta aos funcionários ou diretor se a pessoa teve bom comportamento. O psicopata é inteligente e pode fazer papel de bonzinho com as pessoas do ambiente para poder sair.

Cohen: Não é válida a alegação de que o nosso sistema penal está abarrotado e não comporta exames criminológicos. Temos de criar centros de observação criminológica.

Breno: Se houvesse exame criminológico, poderíamos procurar penas alternativas. A Secretaria de Administração Penitenciária tem utilizado a alternativa de fazer o exame por meio da Coordenadoria de Reintegração Social, onde trabalham psicólogos e assistentes sociais. Como o núcleo de observação criminológica não atua na unidade prisional, criou-se um viés para que os psicólogos e assistentes sociais façam a avaliação.

Cohen: Há um conflito de interesses nessa questão. Um profissional irá observar o paciente de forma clínica e, outro, pericial. Não poderia ser a mesma pessoa. Os peritos devem ser especializados, psiquiatras ou psicólogos forenses, desde que tenham habilidade para fazer perícia.

Mauro: Um centro de observação criminológica poderia ser opção para diminuir os riscos de avaliação por psiquiatra que nunca viu a pessoa ou por um profissional não apto ao exame?

Hilda: Não existem psiquiatras suficientes para atender a demanda de exames criminológicos. Mas os psicólogos forenses não estão treinados para isso. Deixando de lado a briga corporativa, a questão é treinamento adequado. Em relação ao centro de observação criminológica, este deveria ser de excelência, onde estariam os psiquiatras forenses mais experientes.

Breno: O Conselho Federal de Psicologia não é favorável à realização de exame criminológico por psicólogo e vem tentando normatizar essa posição. Então, estamos tentando criar uma equipe itinerante de psiquiatras, com critérios que pudessem dar uniformidades aos exames.

Cohen: É necessário aprimorar as pessoas que vão trabalhar nessa equipe, que deve ser composta também por advogado, para analisar as questões jurídicas.

Breno: A equipe conta com psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, diretores de área presidiária e advogados.

Cohen: A evolução da psiquiatria passou por três momentos: primeiro, de grupo de custódia; segundo, de tratamento; e, terceiro, de saúde mental. Na área da criminologia, ainda estamos no período de custódia. Temos de passar para o de saúde mental, de reabilitação e socialização do doente que infringiu a lei..

Mauro: Penso que temos grandes desafios nessa área e que este debate com os senhores contribuiu para pontuá-los e esclarecê-los. Agradeço a colaboração de todos.

Breno Montanari Ramos, psiquiatra forense, membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo e da Câmara Técnica de Saúde Mental do Cremesp.

Claudio Cohen, livre docente em Ética Médica e professor associado da FMUSP, coordenador do Núcleo de Estudos de Bioética da FMUSP e do Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual, um dos autores do livro Saúde Mental, Crime e Justiça.

Hilda Morana, doutora em psiquiatria forense pela FMUSP e coordenadora do Departamento de Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Mauro Aranha, psiquiatra, mestre em Psiquiatria pela FMUSP, e em Filosofia, pela Faculdade de São Bento e presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas.

Fonte: Revista “Ser Médico", nº 53, Ano XIII. Out/Nov/Dez.2010”, do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

Obs.: Dica do amigo Fernando Zaupa (blogue Considerando Bem...)

8 de dezembro de 2010

Discurso Apocalíptico



Tom Jobim e Newton Mendonça, num dos pontos altos da Bossa Nova, compuseram a música Samba de uma nota só: “Eis aqui este sambinha / Feito numa nota só / Outras notas vão entrar / Mas a base é uma só…”

Nos últimos anos, a temática do encontro estadual do Ministério Público de Mato Grosso tem sido o samba de uma nota só. O discurso apocalíptico: “O MP é isso; o MP é aquilo; O MP tem feito isso; o MP não tem feito aquilo; O MP sofre de crise disso; o MP está moribundo…”

É técnica nazista a de imputar seus crimes ou defeitos aos inimigos para, assim, neutralizá-los.

É isso que vem ocorrendo neste país no que toca aos ataques contra a instituição do Ministério Público. Após o advento da Carta Magna, vieram as derrocadas do Executivo (v.g. impeachment de Fernando Collor), do Legislativo (v.g. máfia dos anões do orçamento) e do Judiciário (v.g. “operação Themis”). Naturalmente, agora, a bola da vez é o Ministério Público, um dos poucos refúgios institucionais da reserva moral neste país.

É fato que a Constituição Federal outorgou uma “carta branca” para o Ministério Público defender a sociedade, com olhos voltados à concretude do ordenamento juíridico e em busca de justiça social. É fato, outrossim, que essa instituição tem feito muito nesses vinte anos da nova ordem constitucional em prol da sociedade, cumprindo a contento com seus poderes-deveres. Vale dizer, o Ministério Público vem atuando incansavelmente na defesa da sociedade. Todavia, é fato também que a tarefa dessa instituição é infindável, uma espécie de unendliche Aufgabe, propagada por Kant, já que aqui no Brasil vigora o descaso, a omissão e a desídia do Estado para com os direitos da sociedade.

Mas uma coisa é certa: enquanto membros do Ministério Público tinham como alvo de suas ações a Senzala (“três pês”), não havia reclamações ou choromingos, mas depois que tal se distendeu, açambarcando a Casa Grande (“colarinho branco”), toda sorte de impropérios tem sido lançada contra a instituição.

Como toda instituição formada por seres humanos, o Ministério Público apresenta falhas, obviamente. Aliás, se até entre os apóstolos, escolhidos por Jesus, houve a maçã podre (Judas), seria muito pretensioso almejar uma instituição composta por santos. Assim, há falhas que devem ser corrigidas o quanto antes.

O que não se pode admitir é a generalização. Ao contrário do que pregam alguns, no oceano Ministério Público brasileiro, sem dúvida, não há ilhas de excelência senão de mediocridade. Ou seja, a excelência é a regra e a mediocridade é exceção. Não é recomendável julgar o todo pelas partes. Bem por isso, Aristóteles ensinou que a generalização é o primeiro caminho para a injustiça.

No entanto, o mais preocupante desse discurso apocalíptico é que ele passou do exterior para o interior, isto é, o “discurso nazista” foi acolhido por alguns setores do Ministério Público (v.g. CNMP e CONAMP), que não tiveram qualquer resistência em divulgá-lo como se epidemia fosse. A teoria do labelling approach, surgida na década de 60 do século passado nos Estados Unidos, mutatis mutandis, parece ter se concretizado no âmbito do Ministério Público, pois alguns membros têm aceito esse etiquetamento de instituição ineficaz, fadada ao fracasso e que está com os dias contados.

É momento de mudança do discurso. É momento do resgate da ideia de Ministério Público como “cobrador” dos direitos da sociedade, doa a quem doer, e que os excessos eventualmente cometidos por alguns de seus membros sejam tolhidos, exemplarmente, por quem de direito.

Com efeito, deve-se abandonar esse discurso apocalíptico e fatalista de uma nota só, uma vez que o Ministério Público é forte e deve assim ser mantido para que seja utilizado no que tiver que ser feito com toda a sua força, nessa luta hercúlea de transformar, com justiça, a realidade social brasileira.

Afinal, parafraseando o poeta amazonenese Thiago de Mello, o Ministério Público não é melhor nem pior que as outras instituições, mas igual; todavia, melhor é a sua causa: a defesa da sociedade.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça em Mato Grosso e editor do blogue http://www.promotordejustica.blogspot.com/

7 de dezembro de 2010

Homem Light


Aproveito de uma expressão de Arthur Kaufmann para se referir à nossa época: estamos na “fase da existência”, que é a fase da crise, onde o homem adentra fraturado em seu espírito, absolutamente em crise, já não sabendo o que e a quem seguir, dando azo aquilo que tenho chamado com Enrique Rojas, o surgimento do “homem light”: como nós temos a manteiga sem gordura, a cerveja sem álcool e o cigarro sem nicotina, nós temos um homem sem compromisso, sem conteúdo, sem projetar o amanhã, sem pensar no amanhã, vazio de considerações, oco de constatações, sem bandeiras a seguir, sem projetos a lançar. Caiu o muro de Berlim e com ele caíram grandes convicções. O “homem-light” prefere o aplauso fácil à crítica sincera, o elogio vazio ao aplauso convicto; um homem desprovido do ser, um homem absolutamente transparente, porque inócuo, o seu conteúdo não existe, é apenas um vazio existencial emoldurado pelo continente físico. É por isso que buscamos a significação de nossa existência e a formação de um homem ideal e superiormente comprometido com os valores humanísticos e sociais, absolutamente cônscios que nós poderemos criar um melhor sistema jurídico no mundo, sabendo, contrariamente ao filósofo conservador, que este “não é o melhor dos mundos possíveis”. É preciso, pois, avançar; pois nós jamais conseguiremos implementar uma página de justiça se aquele que for manobrar com este sistema não for um homem na acepção imensa da palavra.

(BONFIM, Edilson Mougenot. O Ministério Público e a Criminalidade Contemporânea - Conferência de Abertura ao Congresso Mundial do Ministério Público. São Paulo, 2000, Revista Justitia, SP, 2000, p. 723)

5 de dezembro de 2010

Crime de Bagatela (Insignificância - Requisitos)


Requisitos para o reconhecimento do princípio da insignificância
(STF e STJ)

(...)


1. Mínima ofensividade da conduta do agente;

2. Nenhuma periculosidade social da ação;

3. Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e

4. Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Veja o aresto:

STF - 2a TURMA
RHC 103552 / DF - DISTRITO FEDERAL

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 01/06/2010

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO CONSUMADO E TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. 2. A conduta reiterada do paciente não pode ser considerada como expressiva de mínima ofensividade. Seu comportamento também não pode ser tido como de reduzida reprovabilidade. Recurso não provido.


3 de dezembro de 2010

Palestra - Luis Roberto Barroso

* * *

Em maio deste ano, aconteceu o IX Congresso de Direito Constitucional da Academia Brasileira de Direito Constitucional, em Curitiba/PR. O evento foi um sucesso, com cerca de 2.500 participantes. O apíce do congresso foi a palestra Os Riscos da Hegemonia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, ministrada pelo jurista Luis Roberto Barroso. Clique aqui para assisti-la.

1 de dezembro de 2010

Atuação no Júri


Otimização da Atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri

Apresento abaixo 10 medidas que reputo serem importantes para a otimização da atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri:

1. Efetivo controle externo do inquérito policial, cujo objeto é o crime doloso contra a vida. Exemplo: requisição de diligências probatórias: prova técnica (laudo perinecroscópico, laudo de balística, laudo residuográfico, laudo toxicológico, laudo de lesões corporais, laudo complementar de lesões coporais, laudo de necropsia (registrando-se a compleição física, vestes, lesões de defesa), laudo de exumação, et al), prova oral (vítima, familiares da vítima, interrogatório do acusado, familiares do acusado, testemunhas, acareação, esclarecimento do períto, delação premiada) - se possível captada por meio de recurso audiovisual, reprodução simulada do fato etc.;

2. Apresentação de Denúncia objetiva. Considerando que a Denúncia é restrospectiva quanto aos fatos e prospectiva quanto às provas, deve o seu conteúdo ser objetivo, com a individualização da conduta, evitando-se a narrativa de minúcias. Estas devem ser exploradas oportunamente - debates e peças recursais;

3. Participação ativa e proeminente na instrução criminal, com formulação por escrito dos questionamentos previamente à audiência de instrução e não apenas ex improviso;

4. Efetiva filtragem da acusação na fase das alegações finais. Deve-se esquivar da “cultura da pronúncia” (escorada no famigerado in dubio pro societate). Logo, é imprescindível a presença de indícios suficientes de autoria (participação). Com efeito, processos com provas raquíticas reclamam uma postura do Ministério Público como de um filtro selecionador de julgamentos, em que buscará a pronúncia nos casos em que hajam provas suficientes (sérias e confiáveis) da materialidade e da autoria (participação). Impõe destacar que a impronúncia é um poderoso instrumento a serviço do Ministério Público e da sociedade, pois, surgindo prova nova, poderá ser reiniciada a persecução penal (art. 414 CPP). Prejudicial à ordem social é submeter processo anêmico a julgamento pelo Júri e ser cúmplice de um erro judiciário positivo, impossibilitando-se a punição do culpado, já que, nessa hipótese haverá óbice para a inauguração de um novo processo criminal;

5. "Vestir o processo", pois o que não está nos autos pode ainda estar no mundo. O membro do Ministério Público, com supedâneo nos artigos 422 e 479 do CPP, deve fomentar o conjunto probatório, requerendo diligências, arrolando testemunhas e juntando fotos e documentos, inclusive, com o escopo de delinear a biografia da pessoa vitimada;

6. Fiscalizar o cumprimento do disposto no parágrafo único do artigo 472 do CPP. Inclusive, na fase do artigo 422 do CPP, é recomendável requerer que o expediente a que se refere aquele artigo seja instruído também com os laudos, depoimentos e outras peças que entender serem importantes;

7. Depois de cumprido referido dispositivo, na forma do inciso VII do artigo 497 do CPP, deve ser requerido ao juiz-presidente que suspenda a sessão pelo período mínimo de uma hora para que os jurados analisem e obtenham ciência do conteúdo dos autos, pois, na condição de juízes, poderão amealhar dados processuais para fins de indagação durante a instrução em plenário, da compreensão da argumentação das partes e da votação dos quesitos (julgamento);

8. Exposição oral articulada e didática, observando-se o binômio razão-emoção. Peça oratória dividida em exórdio (saudação), enunciado (apresentação do fato sem detalhes), exposição (detalhamento do fato e análise das provas), refutação (demonstração da inconsistência da tese defensiva), confirmação (reafirmação da tese exposta, rebustecendo os argumentos com outros) e peroração (explicação dos quesitos e finalização marcante). Utilizar, como regra, a réplica;

9. Utilização de recursos audiovisuais. É conveniente o uso de data showpower point e/ou lousa para a apresentação de dispositivos legais, jurisprudência, doutrina, conteúdo processual e fotos;

10. Encerrados os debates e lidos os quesitos em plenário, requerer ao juiz-presidente, quando da submissão dos mesmos aos jurados, que se limite a informar-lhes que o monossílado (sim ou não) escolhido estará agasalhando a tese do Ministério Público e/ou da defesa.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso e editor do blogue http://www.promotordejustica.blogspot.com/

Atuação

Atuação

Você sabia?

Você sabia?

Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)