A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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14 de outubro de 2024

SÍNDROME DO TRIBUNO DE CHOCOLATE

O julgamento pelo Tribunal do Júri é um ambiente agreste e tenso, onde a pressão e a carga emocional alcançam níveis elevados. Nesse palco, o confronto não é apenas de teses jurídicas, mas também de habilidades retóricas (estratégicas e emocionais) e caráter do tribuno (ethos). Para atuar com excelência nesse espaço, não basta conhecer os detalhes do caso ou dominar as normas jurídicas aplicáveis; é necessário ter inteligência emocional, resiliência e integridade para lidar com situações inesperadas, confrontos diretos e a responsabilidade de falar diante dos jurados, cujas percepções são determinantes para o resultado do julgamento. A integridade do tribuno é testada a todo momento, exigindo não apenas preparo técnico, mas também equilíbrio emocional e ética consolidada para se manter firme diante da adversidade.

A Síndrome do Tribuno de Chocolate é uma expressão que descreve o profissional que atua no Tribunal do Júri, mas se mostra incapaz de lidar com a pressão e a intensidade das disputas forenses. Assim como um soldado de chocolate “derrete” diante do calor da batalha, o tribuno com essa síndrome tende a desmoronar ou se tornar incapaz quando confrontado com situações de estresse, momentos decisivos ou confrontos mais intensos durante o julgamento.

Essa síndrome representa a falta de resiliência, preparo emocional ou firmeza de caráter para enfrentar os desafios inerentes ao Tribunal do Júri, onde a oratória, a estratégia e a habilidade de argumentar sob pressão são essenciais. Profissionais que apresentam essa condição tendem a enfrentar dificuldades em sustentar uma linha de argumentação consistente, reagir de forma assertiva a objeções, indeferimentos de pedidos, questões de ordem, apartes ou situações inesperadas. Além disso, podem ter problemas em manter a confiança diante da pressão exercida pela parte adversária, pelos jurados, pelo juiz presidente e pelo próprio ambiente exigente do julgamento.

A Síndrome do Tribuno de Chocolate manifesta-se de forma evidente em situações como o abandono do plenário, uma tática frequentemente utilizada pela defesa, ou ainda na estratégia de destituição do defensor técnico pelo acusado durante o julgamento, diante da alta probabilidade de condenação, visando forçar a dissolução do Conselho de Sentença pelo juiz presidente. Para tumultuar o julgamento, são criados factoides por meio de questões de ordem previamente planejadas, extemporâneas e improcedentes, com o intuito de justificar o abandono premeditado do plenário.

Quando um defensor abandona o Tribunal do Júri no decorrer de um julgamento, ele expõe não apenas sua incapacidade de lidar com a pressão do momento, mas também revela uma fragilidade emocional e técnica que compromete gravemente sua atuação. Essa prática, além de refletir os sintomas da referida síndrome, representa um desrespeito profundo aos jurados, à prestação jurisdicional, à sociedade e ao próprio Tribunal do Júri.

Esse tipo de conduta interrompe deliberadamente o processo e impede a realização da justiça popular, evidenciando uma falta de compromisso com a Instituição do Júri e todos os seus componentes. Demonstra também uma quebra dos princípios de ética, educação e justiça, que devem prevalecer nesse ambiente. Em um contexto que exige respeito, compostura e retidão profissional, comportamentos dessa natureza não apenas enfraquecem o rito processual, mas atentam contra a integridade da própria justiça.

A expressão sugere a importância de desenvolver não apenas o conhecimento jurídico, mas também a capacidade emocional e psicológica de atuar no Júri, onde a tensão é elevada e o domínio das emoções pode ser tão crucial quanto o domínio das leis. Ela alerta para a necessidade de preparação integral, que inclua o fortalecimento da resiliência e da habilidade de manter a compostura, para que o tribuno possa desempenhar seu papel com coragem e eficácia diante dos jurados.

Em conclusão, o Tribunal do Júri não é lugar para os fracos de espírito, tíbios de caráter, para aqueles que desmoronam diante da pressão ou são adeptos de chicanas jurídicas. Cada palavra dita pode selar um veredicto, e cada ação ou omissão reflete a coragem, covardia, compostura ou descompostura do tribuno. A Síndrome do Tribuno de Chocolate não apenas revela a fragilidade de quem não suporta o peso da beca, mas também trai a confiança da sociedade que espera justiça, dos jurados que buscam a verdade e da vítima que clama pelo respeito a sua memória. É preciso honrar o dever de atuar com firmeza, ética e preparo, encarando o desafio com a fibra daqueles que não recuam, mesmo diante das circunstâncias mais adversas. No julgamento pelo povo, apenas os que resistem ao calor da batalha emergem vitoriosos, e a atuação digna só se alcança com coragem, resiliência, integridade e um compromisso inabalável com a Instituição do Tribunal do Júri. 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

11 de outubro de 2024

TRIBUNAL DO JÚRI: DA GARANTIA DO ACUSADO À PROTEÇÃO JUDICIAL DA VIDA


 TRIBUNAL DO JÚRI: DA GARANTIA ADO ACUSADO À PROTEÇÃO JUDICIAL DA VIDA

A evolução dos direitos fundamentais pode ser analisada a partir da classificação em gerações apresentada por Karel Vasak em conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo, na França em 1979. Ele se inspirou no lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, correlacionando as três gerações dos direitos com os valores simbolizados na bandeira francesa: o azul para a liberdade (primeira geração), o branco para a igualdade (segunda geração) e o vermelho para a fraternidade (terceira geração). Cada geração surge para atender a demandas históricas e sociais específicas, sem deixar de complementar e fortalecer as anteriores.

No clássico A Era dos Direitos, Norberto Bobbio ensina que os Direitos Humanos são construções históricas que evoluem e se modificam ao longo do tempo, adaptando-se às necessidades dos povos e das épocas. Eles não surgiram de uma vez, mas foram moldados por circunstâncias históricas e podem ser continuamente ampliados e ressignificados. 

Se bem examinado, percebe-se que o Tribunal do Júri, por sua vez, reflete essa evolução, abrangendo a proteção individual do acusado, a participação democrática da sociedade na justiça e a garantia do direito à vida, alinhando-se com os princípios que permeiam essas três gerações de direitos fundamentais.

Na primeira geração, o Tribunal do Júri representa uma garantia individual do acusado. O direito de ser julgado por seus pares remonta à Carta Magna de 1215, que consagrou o princípio do julgamento justo e o devido processo legal, assegurando que as decisões sobre a liberdade individual fossem tomadas por cidadãos comuns. Esse direito reflete a ideia de liberdade, permitindo que o acusado tenha um julgamento justo e equilibrado, livre de arbitrariedades. O Júri, nesse contexto, funciona como um importante escudo contra abusos do poder estatal, resguardando a liberdade individual e garantindo que a própria sociedade delibere sobre a condenação ou inocência do réu.

A segunda geração dos direitos fundamentais, focada na igualdade, encontra sua expressão no Tribunal do Júri por meio da participação do povo na administração da justiça. A figura dos jurados, cidadãos escolhidos para atuar como juízes de fato, representa a democratização do sistema de justiça, onde todos têm o direito de participar, refletindo o princípio de igualdade. Essa dimensão social do Júri legitima o processo, promovendo a inclusão e a cidadania ativa, ao permitir que o povo exerça diretamente o papel de garantidor do direito, participando do julgamento e da decisão sobre os fatos. O Tribunal do Júri, assim, vai além de uma proteção individual, promovendo a justiça como um valor compartilhado e um exercício democrático.

A terceira geração dos direitos, associada à fraternidade e aos direitos de solidariedade, é refletida no Tribunal do Júri através da proteção do bem jurídico mais precioso: a vida. Como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, o Júri se torna essencial para a defesa da paz social e a promoção da justiça, garantindo que aqueles que atentam contra a vida sejam responsabilizados. Nessa dimensão, a instituição não apenas previne a violência, mas também atua como um catalisador para a resolução de conflitos e a manutenção da coesão social. O Tribunal do Júri se consolida, assim, como uma instituição de tutela jurisdicional penal da vida, garantindo que as decisões sejam proferidas com base no compromisso com a proteção do ser humano.

A Constituição Federal brasileira reflete essa tríplice dimensão de garantias inerentes ao Tribunal do Júri. De forma clara, consagra três pilares fundamentais: 1) o direito do acusado de ser julgado por seus pares, reafirmando o princípio da liberdade e do devido processo legal; 2) a participação democrática da sociedade na administração da justiça, por meio dos jurados, reforçando a igualdade e a inclusão; e 3) a garantia do direito à vida, já que o Tribunal do Júri é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, responsável pela tutela jurisdicional penal da vida humana. Dessa forma, a Constituição consagra o Tribunal do Júri como um mecanismo essencial para a proteção dos direitos fundamentais, equilibrando a defesa do indivíduo, o exercício democrático e a preservação do bem jurídico mais valioso.

Portanto, o Tribunal do Júri percorre as três gerações dos direitos fundamentais, adaptando-se às mudanças históricas e sociais para desempenhar um papel essencial na tutela dos direitos humanos. Essa evolução evidencia sua função não apenas na proteção individual, mas também na promoção de uma justiça democrática e na defesa judicial da vida, consolidando-se como um pilar indispensável para uma sociedade mais justa e solidária.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

10 de outubro de 2024

LEI 14.994/2024: UM MARCO NA DEFESA E PROTEÇÃO DA VIDA DA MULHER E O CLAMOR PELA REVISÃO DAS PENAS DE HOMICÍDIO

 

LEI 14.994/2024: UM MARCO NA DEFESA E PROTEÇÃO DA VIDA DA MULHER E O CLAMOR PELA REVISÃO DAS PENAS DE HOMICÍDIO 

A promulgação da Lei 14.994/2024 representa um grito de justiça para todas as mulheres que, por séculos, enfrentaram a violência brutal e desumana apenas por serem quem são. Ao transformar o feminicídio em crime autônomo, com penas que agora variam de 20 a 40 anos, o legislador não apenas reconhece a gravidade de cada vida perdida, mas também reafirma o compromisso do Estado com a tutela jurídica penal da vida da mulher. Esse avanço marca uma ruptura necessária com o passado de impunidade, impondo uma resposta penal rigorosa aos atos que atentam contra a dignidade e a existência feminina. 

A proteção integral da vida ganha novos contornos com essa legislação, que traz consigo medidas severas para garantir a segurança das vítimas e punir de forma implacável os agressores. A classificação do feminicídio como crime hediondo é um ato de justiça: um sinal claro de que o sofrimento e o sangue das mulheres não serão tratados com indiferença. Ao exigir que os condenados cumpram ao menos 55% da pena para a progressão de regime e ao vedar a liberdade condicional, a lei erige um novo patamar de seriedade no enfrentamento à violência de gênero. O Estado finalmente reconhece que a vida de cada mulher importa e deve ser protegida com todo o rigor que a justiça pode oferecer. 

Contudo, as mudanças também revelam uma dolorosa contradição. O homicídio comum, com sua pena mínima de apenas seis anos, permanece um símbolo de uma justiça que, em certos momentos, se mostra insensível à gravidade do ato de tirar uma vida humana. Como aceitar que o assassinato de homem possa ser punido com tamanha leniência? A mensagem que se transmite é a de que a vida humana masculina, em sua essência, carece de valor adequado na balança penal. Majorar as penas para o feminicídio é um passo fundamental, mas não podemos parar por aí. O Código Penal precisa ser revisado com urgência, para que as respostas da justiça sejam proporcionais à gravidade do crime e para que o princípio da igualdade não seja apenas uma promessa vazia. 

Além disso, os altos índices de homicídios no Brasil exigem uma resposta mais firme e efetiva do sistema de justiça. O país tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo, com milhares de vidas ceifadas anualmente. Esse cenário de violência endêmica revela uma estrutura de impunidade que precisa ser rompida. Para isso, é essencial que as penas sejam revisadas e tornadas mais severas, como uma forma de desincentivar a prática criminosa e promover a valorização da vida humana. Não se pode admitir que o assassinato, ato de maior gravidade contra a existência humana, continue a ser tratado com penas que não correspondem à sua natureza devastadora. 

Se queremos realmente honrar a proteção integral da vida, não podemos aceitar que o homicídio, sob qualquer circunstância, seja tratado de forma branda. O princípio da igualdade exige que todas as vidas, sem exceção, sejam tratadas com o mesmo respeito e consideração. Ao aumentar a pena para o feminicídio, fazemos justiça à luta de tantas mulheres, mas ao deixar inalterada a pena do homicídio comum, perpetuamos a desvalorização de vidas ceifadas por atos sanguinários. 

Vale dizer, a consolidação de um sistema punitivo mais rigoroso e direcionado à violência de gênero é um passo histórico. No entanto, não podemos esquecer que a justiça não se faz apenas para um grupo ou uma circunstância específica; ela deve refletir um compromisso com a dignidade de todas as vidas. A revisão das penas do homicídio é uma necessidade urgente para garantir que o sistema penal esteja à altura do seu propósito de proteger, de forma integral e equilibrada, cada pessoa humana. 

Portanto, enquanto a Lei 14.994/2024 avança de forma contundente na defesa das mulheres, a revisão das penas do homicídio surge como um imperativo moral e jurídico. O Estado deve responder ao clamor por justiça, ajustando o Código Penal para que a vida de todos seja tratada com igual zelo e reverência. É o momento de reescrever a história da justiça no Brasil, para que nunca mais uma vida perdida seja apenas um número na estatística, mas sim uma lembrança honrada pela firmeza das leis e pela força de nossa indignação. 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

8 de outubro de 2024

PUNIÇÃO COMO PILAR CIVILIZATÓRIO

 

PUNIÇÃO COMO PILAR CIVILIZATÓRIO

 

Punir é ação afirmativa de direitos humanos e fundamentais. Daí porque uma das funções mais essenciais de qualquer Sistema Jurídico é garantir a ordem e a paz social como base para a construção de uma sociedade justa. E como isso é feito? Através da responsabilização. A punição não é apenas uma ferramenta funcional, é um direito humano fundamental. Pois, sem ela, a estrutura social desmorona, e o caos impera.

 

Quando falamos de punição, muitos acusam os atores do Sistema de Justiça, sobretudo os membros do Ministério Público, de “punitivistas”. O Ministério Público é, antes de tudo, o guardião incansável da legalidade, o vigia que assegura que as leis sejam aplicadas de forma justa e equitativa, para que todo aquele que viola as normas de convivência responda por seus atos. É o fiscal da ordem jurídica. O que é o ordenamento jurídico, senão o instrumento da ordem e da paz social? E como essas garantias são efetivadas? Pela responsabilização e, sim, pela punição provocada pelo Ministério Público. Não há civilidade, não há sociedade coesa sem a punição daqueles que ferem as regras mais básicas.

 

É curioso observar a antipatia que alguns nutrem contra o Ministério Público. Mas, afinal, quem realmente se sente incomodado com a atuação vigilante de Promotores de Justiça? A resposta é clara e objetiva: aqueles que temem a força da lei, que se sentem acuados diante da iminência de serem responsabilizados por seus atos. Quem critica o agente ministerial de maneira indiscriminada, na verdade, sustenta, consciente ou não, uma lógica questionável. Sob o manto de discursos pseudo garantistas, oculta-se o real interesse pela impunidade.

 

Mas o que significa, de fato, o termo “punitivismo”, tão usado de forma pejorativa? Punitivismo, como tentam fazer parecer, seria uma obsessão por punir, por encarcerar, por tirar as liberdades de forma ilegal e injusta. Mas, na verdade, o que se critica não é o excesso, mas a própria ideia de que quem comete crimes deve ser punido. Como se a punição fosse um mal em si mesma, um ato desumano, e não um mecanismo fundamental para proteger as pessoas das maldades das outras e garantir a ordem social.

 

Ora, a punição, longe de ser um mal, é imperativo decorrente de direitos humanos. Punir é uma das formas mais básicas de assegurar que os direitos de todos os cidadãos sejam respeitados. Quando um criminoso é responsabilizado por seus atos, o que está em jogo não é a sua mera privação de liberdade, mas sim a proteção da sociedade como um todo. Há a restrição da liberdade do criminoso como garantia da liberdade das pessoas ordeiras. Uma sociedade que não pune os delinquentes abre mão de sua capacidade de se autoproteger e acaba, inevitavelmente, caminhando rumo à barbárie.

 

Nelson Hungria já dizia que o castigo imposto ao criminoso não pode ser visto como uma vingança, mas como uma necessidade para a preservação da ordem e da justiça. Ele ensinou que aquele que opta por delinquir deve estar ciente de dois perigos inevitáveis: o da defesa privada e o da reação penal do Estado[1]. Ou seja, a punição é não só uma resposta legítima do Estado, mas um reflexo da própria proteção social. Retirar esse pilar de proteção significa permitir que o caos e a violência prevaleçam. Significa fomentar a vingança privada e pavimentar o caminho do regresso à guerra de todos contra todos.

 

Aqueles que criticam a punição parecem se esquecer que, sem ela, não há justiça para a vítima e seus familiares. Quando o foco se desvia completamente para os direitos do criminoso, negligencia-se a necessidade de justiça para quem foi lesado. A punição, portanto, não é sobre vingança ou retaliação, mas sobre justiça para a vítima, para a sociedade e até para o próprio infrator, que precisa entender que suas escolhas e seus atos têm consequências.

 

Alguns defensores de teses pseudo garantistas dirão que o objetivo do Sistema Penal deve ser a reabilitação do infrator, e não sua punição. Mas essa visão romântica ignora uma realidade essencial: a sociedade não pode se dar ao luxo de esperar que todos os criminosos se reabilitem enquanto vivem em liberdade. Alguns atos são tão graves que a única resposta adequada e proporcional é a privação da liberdade. Reabilitação e punição não são excludentes; ao contrário, a punição é muitas vezes o primeiro passo para a reflexão e eventual reabilitação do infrator. Mas, mais importante ainda, a punição garante que outros potenciais infratores saibam que seus atos não ficarão impunes. Trata-se da dupla penal tão cantada e decantada: retribuição-prevenção.

 

Uma sociedade que não pune seus criminosos está, em essência, regredindo aos tempos do homem primitivo, do homem das cavernas, onde não havia justiça ou segurança. Era a lei do mais forte, em que os indivíduos viviam à mercê da violência e do medo. O sistema penal moderno, ao garantir que os infratores sejam punidos de forma justa e proporcional, é o que nos distingue de tempos de barbárie.

 

Vale destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos também reconhece a necessidade de punição como um dos elementos da proteção efetiva dos direitos humanos. A Corte estabelece que os Estados possuem obrigações processuais positivas, o que significa que têm o dever de investigar, processar e punir adequadamente aqueles que violam direitos humanos. O não cumprimento dessa obrigação implica em uma falha no dever de proteção por parte do Estado, gerando impunidade e, consequentemente, a erosão do Estado de Direito. Assim, a punição justa não só atende às expectativas da vítima e da sociedade, mas é uma exigência para que os Estados cumpram suas obrigações internacionais de proteção aos direitos humanos.

 

Isso significa dizer que punir é ato civilizatório. É ação de proteção social. Quem defende a punição adequada não está sendo “punitivista”, mas realista, responsável e justo, reconhecendo que uma sociedade civilizada é aquela em que as ações têm consequências, e que aqueles que violam as normas mais básicas da convivência social precisam ser responsabilizados por isso.

 

Portanto, longe de ser um mal necessário, a punição é um pilar civilizatório. E é somente através da aplicação correta e justa das penas que podemos garantir que a sociedade permaneça civilizada, que os direitos das vítimas sejam respeitados e que a ordem e a paz social prevaleçam.

 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.



[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. I, t. II, p. 289.

Atuação

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)