
Isso, dentre outras hipóteses, é bem visto no processamento do habeas corpus: há um verdadeiro vale-tudo pro reo: pedido da defesa; juntada de peças pela defesa; ausência de contraditório (o promotor, muitas vezes, nem tem ciência de sua impetração); o juiz presta informações relatando apenas as fases do processo; o procurador, em regra, não busca informações sobre as peculiaridades do processo-crime com o promotor etc.
* * *
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR-RELATOR DA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO
Habeas Corpus n.º XXXX
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por seu Promotor de Justiça Criminal de Chapada dos Guimarães/MT, que subscreve a presente, nos autos de Habeas Corpus, manejado pelo impetrante X em favor do paciente Y, feito em epígrafe, com supedâneo no artigo 5º, incisos XXXIV (direito de petição) e LV (princípio do contraditório), da Constituição Federal e nos artigos 257, inciso II (fiscal da lei), 231 c.c. artigo 3º (manifestação em qualquer fase da lide penal judicial), e 563 (princípio do pas de nullité sans grief) do Código de Processo Penal, vem, mui respeitosamente perante esse r. Colegiado expor e requerer o que segue:
1. Relatório:
Cuida-se de Habeas Corpus impetrado por X em favor de Y contra ato supostamente coator oriundo do r. Juízo da 1ª Vara da Comarca de Chapada dos Guimarães/MT.
Alega o impetrante que o paciente está sendo processado pela prática de homicídio duplamente qualificado e que durante a marcha processual houve ofensa ao princípio da ampla defesa, uma vez que, não sendo oportunizado ao mesmo o direito de escolher seu defensor, foi-lhe nomeado para patrocinar a sua defesa a instituição da Defensoria Pública, o que, em seu ver, denota cerceamento de defesa.
Essa r. relatoria, entendendo estarem presentes os requisitos autorizadores, (data venia) infelizmente, concedeu medida liminar pleiteada, suspendendo, por conseguinte, a realização de julgamento pelo Tribunal do Jurado que se encontrava designado para a presente data (dia 25 de março de 2010, às 08h00m).
É o relato do essencial.
2. Mérito – Ausência de Coação Ilegal ou Cerceamento de Defesa:
Compulsando os autos de processo criminal em que se encontra posta a causae poenale, e certamente juntado pelo impetrante, nota-se que não há que se falar em nulidade processual, muito menos em cerceamento de defesa. Ou seja, todo o processado ocorreu sob a batuta da cláusula do devido processo legal.
O paciente, tirante o momento de seu interrogatório, em que indicou pessoa não habilitada para atuar como advogado, o que levou o togado planicial a nomear a Defensoria Pública para exercer sua defesa técnica, em momento algum demonstrou interesse em constituir defensor (o que implica dizer ter havido aceitação implícita à referida nomeação). No mais, só veio a constituir defensor (na pessoa do impetrante) a partir da fase recursal.
Nesse diapasão, impende destacar isto: O paciente havia indicado pessoa inabilitada como advogado para patrocinar sua defesa e o juízo de primeiro grau, zelando pelo devido processo legal, nomeou a douta Defensora Pública para tal mister, que, diga-se de passagem, é uma causídica qualificada (leia-se: advogada + plus), já que, obviamente, além de aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, foi aprovada no dificílimo concurso de ingresso na carreira da Defensoria Pública.
Nota-se que a douta Defensoria Pública atuou como denodo e esmero no múnus que lhe foi atribuído, fazendo-o com absoluta qualidade defensória: assistindo-o no interrogatório (fls. 76/80), apresentando Defesa Prévia (fls. 88), arrolando testemunhas (fls. 89), insistindo na oitiva de testemunhas (fls. 121 e 141) e apresentando substanciosas Alegações Finais (fls. 166/168).
Daí que não há que se falar em ocorrência de prejuízo (cerceamento) defensivo, já que existiu defesa efetiva por parte da Defensoria Pública em prol do paciente (princípio do pas de nullité sans grief).
É preciso repetir e bater cem vezes: Não há espaço, nem argumentos aptos a darem guarida à alegação de prejuízo defensório (cerceamento de defesa).
No mais, é bom deixar grafado que, em momento algum, o juízo monocrático impediu a constituição de novel defensor. Caso o fizesse, estaríamos aqui defendendo o cerceamento de defesa.
Não se pode perder de vista que cercear significa impedir. É o que diz o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss (Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 149):
- cer.ce.ar: impedir.
Em corolário, data venia, não há fundamento plausível para reconhecimento de deficiência defensiva - muito menos de cerceamento (impedimento) de defesa - nos autos, tornando-se de rigor o arrostamento da nulidade ansiada pelo paciente (impetrante).
Não bastasse isso, cumpre salientar que o impetrante, enquanto defensor técnico constituído pelo paciente, apesar de ser o subscritor da peça recursal (fls. 188/192), que questionou a decisão de pronúncia (fls. 171/174), e da peça a que se refere o artigo 422 do CPP (fls. 247), omitiu-se e nada falou sobre a (só agora) alegada nulidade processual.
Assim, tratando-se de nulidade RELATIVA (comprovação – e não simples alegação – de prejuízo), eventual arguição restou acobertada pelo engenho jurídico da PRECLUSÃO (artigo 571 do CPP).
Bem entendido: É inapelável a assertiva de que a ausência (ou impedimento de nomeação) de defensor constitui nulidade absoluta, mas a realização da defesa por advogado – aqui, a Defensoria Pública - nomeado judicialmente constitui apenas nulidade relativa, cujo reconhecimento depende de alegação oportuna e da demonstração do prejuízo.
Nesse palmilhar, com o máximo respeito, pouco esforço é preciso para se concluir que o remédio heróico em exame, assim como o recurso em sentido estrito, já improvido por esse E. Tribunal, albergam propósito claro: procrastinar a prestação jurisdicional e estender por mais um longo período a impunidade do paciente que, não obstante ter cometido crime de homicídio duplamente qualificado, encontra-se em pleno gozo do direito de ambulação, ao passo que a vítima, seguramente e literalmente, a esta altura, já voltou ao pó.
Por outras palavras, o presente writ, concessa venia, cristaliza um lamentável ABUSO DE DIREITO DEFENSÓRIO (e deslealdade processual), o que colide frontalmente com ordenamento jurídico e com o direito da comunidade chapadense, mato-grossense e brasileira em ver punido aquele que violou o contrato social e atacou o alfa e o omega de todos os direito humanos: a vida!
4. Resumo: Habeas Vita!
Repita-se à exaustão: Verificando tratar-se de nulidade RELATIVA (comprovação – e não simples alegação – de prejuízo), eventual arguição restou acobertada pelo engenho jurídico da PRECLUSÃO (artigo 571 do CPP).
Isso significa dizer que o reconhecimento da referida nulidade depende do binômio alegação oportuna-demonstração do prejuízo. Binômio este flagrantemente ignorado pelo paciente (impetrante).
Assim e por fim, vê-se que, ao contrário do quer o paciente (impetrante), o itinerário processual reclama a concessão de um habeas vita e não - não! - de habeas corpus. Afigura-se, de conseguinte, que o mesmo deva ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri o quanto antes...
5. Pedido:
Por isso, mas não só por isso[1], se bem que muito por isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer seja DENEGADA a ordem de habeas corpus, mantendo-se incólume os atos e fatos processuais, determinando-se a imediata retomada da marcha processual.
Termos em que, pede deferimento.
Chapada dos Guimarães/MT, 25 de março de 2010.
César Danilo Ribeiro de Novais - Promotor de Justiça
[1] Por outros fatos e fundamentos que podem ser complementados pelo eminente Procurador de Justiça e pelos Desembargadores dessa Egrégia Câmara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário