A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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31 de março de 2010

Cartilha do Jurado


CARTILHA DO JURADO

César Danilo Ribeiro de Novais
Promotor de Justiça



“Felizes os que têm fome e sede de Justiça” (Jesus).


Palavra Inicial

Os índices de violência deixam claro o quanto a vida está banalizada. Neste país, ocorrem cerca de 50 mil assassinatos por ano. Há aproximadamente um homicídio a cada 31 minutos, um estupro a cada 6 minutos e um roubo a cada 1 minuto. É o triste quadro brasileiro. Dizem os filósofos que a decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si próprio “o que vai acontecer?” em vez de inquirir “o que eu posso fazer?”. Portanto, o imperativo ético da ação deve substituir a acomodação.

Esta cartilha tem por finalidade transmitir ao jurado ideias básicas sobre o Tribunal do Júri, para que possa julgar com consciência e justiça.


Júri

O Tribunal do Júri está arrolado entre os direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, inciso XXXVIII, da CF) e é regido pelos seguintes princípios: a plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida (homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto).


Valores do Júri

O Júri lida com os três maiores valores da humanidade: a vida (da vítima), a liberdade (do acusado) e a justiça (da sociedade).


Júri, Vida e Homicídio

O Júri é um dos instrumentos que a sociedade dispõe para proteger o direito à vida. Afinal, “a vida é a motivação de tudo o que a humanidade produz. Motor das atividades, razão última das cogitações. Sem ela nada faz sentido. Na esfera do direito, significativa a expressão bens da vida. O direito existe para quem desfruta desse milagre de existência. Sem o fluxo vital, não interessam regras” (José Renato Nalini). Na maioria dos casos, o homicídio é o crime julgado pelo Júri. Vale dizer, homicídio é a morte de uma pessoa ocasionada, voluntariamente, por outra. Veja este conceito clássico: “O homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinqüência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primeiras, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada” (Nelson Hungria).


Vida e Interpretação da Lei

O fato de a vida humana ser inviolável faz com que o respeito de uma pessoa à existência de outra seja norma obrigatória, figurando como fonte do mandamento imposto a todos: não matarás. Daí que a vida, como o bem mais caro do ser humano, merece a máxima proteção da sociedade. Assim, o jurado, como um dos responsáveis pela ordem social, deve observar este princípio: não aceitar a flexibilização da proteção da vida, defendendo-a de forma intransigente, salvo nos casos em que esteja plenamente preenchidos os requisitos que afastam a incidência de pena ou do próprio crime para aquele que tirou a vida de um semelhante (ex.: legítima defesa).


Sentido do Júri

O Júri tem por sentido democratizar a justiça criminal. O jurado, em nome da sociedade, julga pessoa acusada de ter atacado a vida de seu semelhante, norteado pela intima convicção e os ditames da Justiça.


Responsabilidade do Júri

Enquanto participantes do contrato social, os jurados têm responsabilidade moral para com o destino e os problemas da sociedade. Têm a responsabilidade de escolherem em que tipo de sociedade querem conviver. Ou seja, optam por duas espécies de vida social: a que reverencia a vida e a paz ou a que é complacente com a morte e o crime.


Valor Pedagógico do Júri

No Júri, além de sua profissão, cada jurado também é professor. Como tal, através de seu veredicto, ensina aos demais componentes da sociedade, além da democracia, qual o modelo de conduta a ser seguido.


Jurado

O jurado é o eleitor, maior de 18 anos, dotado de notória idoneidade, convocado pelo Poder Judiciário para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em outras palavras, “jurado é o cidadão incumbido pela sociedade de declarar se os acusados submetidos a julgamento são culpados ou inocentes” (F. Whitaker).


Direitos do Jurado

Nenhum desconto será efetuado nos vencimentos ou salário do jurado sorteado que comparecer à sessão do Júri (artigo 441 do CPP). Além disso, o exercício efetivo da função de jurado constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral, assegura prisão especial, em caso de crime comum, e concede preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (artigos 436, 439 e 440 do CPP).


Compromisso do Jurado

O compromisso do jurado, tomado pelo juiz, consiste em examinar a causa com imparcialidade e a proferir a decisão de acordo com a consciência e os ditames da justiça (artigo 472 do CPP). Ainda deverá se manter incomunicável sobre o fato em julgamento, ou seja, não tecer comentário com qualquer pessoa sobre suas impressões acerca do caso em julgamento.


Justiça

Qual o conceito de Justiça? Dizem os filósofos que Justiça não se define mas se sente. “O sentimento do justo e do injusto é um elemento permanente da natureza humana. Encontra-se em todas as épocas e em todos os graus da civilização, na alma de todos os homens, nos mais sábios como nos mais ignorantes” (Leon Duguit). “A justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe é devido” (Ulpiano). “Como, em regra, o dever de dar a cada um o que é seu vem imposto por norma jurídica, pode-se afirmar que o justo é o que exige o direito. Daí ser a Justiça o próprio ordenamento jurídico e o ideal a que deve tender o direito” (Maria Helena Diniz).


Dolo e Culpa

O crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; e é culposo quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção ou diligência a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que podia evitá-lo. Ou seja, no dolo, o agente quer o resultado, ao passo que, na culpa, o resultado ocorre por um descuido, por um acidente (causado por imprudência, negligência ou imperícia).


Animus necandi (vontade de matar) e animus laedendi (vontade de ferir)

Como apurar a existência de vontade de matar, já que, ao tempo do crime, estava ela armazenada na cabeça do acusado? Para o reconhecimento do homicídio, na forma consumada ou tentada, é indispensável que se demonstre o dolo de matar do acusado por meio de elementos objetivos, podendo ser representado pela potencialidade lesiva e letal do instrumento empregado na ação, número de golpes ou tiros, e o local do corpo da vítima atingido (zonas nobres e vitais). Em conseqüência disso, o sujeito que, livremente e conscientemente, desfere golpe de arma branca (ex.: faca) ou desfecha disparo de arma de fogo (ex.: revólver) no abdome, tórax, dorso ou crânio da vítima, demonstra vontade de tirar a vida da vítima e não apenas de feri-la.


Fases do Crime (Crime Tentado ou Consumado)

A consumação do delito é precedida de várias etapas. É o que se denomina iter criminis ou “caminho do crime”, qual seja: a) cogitação (idéia do cometimento do delito); b) decisão (opção pelo cometimento do delito); c) preparação (planejamento dos atos necessários para o início da execução do delito); d) execução (início de realização da conduta; agressão ao bem jurídico); e e) consumação (realização de todos os elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo penal). De forma ilustrativa: o acusado imagina tirar a vida do semelhante; decide pelo seu extermínio; adquire arma de fogo; efetua disparo contra a vítima; e atinge o resultado-morte em razão das lesões corporais causadas pelo projétil. Caso seja iniciada a execução do crime, porém, sem ocorrência do resultado (evento morte), por razões alheias ao ânimo do acusado, haverá tentativa.


Prova Criminal

Prova é um elemento que demonstra a ocorrência de um fato ou que convence o entendimento humano. No passado, ensinava-se que a confissão era a rainha e que a testemunha era a prostituta das provas. Hoje, impera a afirmação de que a melhor das provas é a lógica humana: “Nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão” (René Descartes).


Juiz

O Júri é composto de 21 jurados e 1 juiz de direito. O conselho de sentença, que julga a causa, é formado de 7 jurados, sorteados dentre os 21. Em síntese, o juiz de direito é a autoridade responsável em presidir a sessão do julgamento e que, observando rigorosamente a decisão dos jurados, prolata a sentença (absolutória, condenatória ou desclassificatória).


Ministério Público

A Constituição Federal contemplou em seu segundo artigo a regra da tripartição dos poderes da República. De forma louvável, excluiu o Ministério Público dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A razão é simples: ao lado de tais poderes, que representam o Estado, existe uma instituição, com todas as características de poder, que representa a sociedade, que bate às portas de tais poderes e cobra respeito aos direitos de crianças, adolescentes, idosos, mulheres, consumidores, deficientes físicos, índios, meio ambiente, bem como combate o crime e a improbidade administrativa. Simplificando: é razoável dizer que o Ministério Público, em sua atual formatação constitucional, é a voz da sociedade, muitas das vezes, a voz dos que já não têm mais voz.


Promotor de Justiça

O Promotor de Justiça é agente do Ministério Público que, em nome da sociedade, promove a aplicação da justiça no caso em julgamento. Assim, atendendo o que diz a lei e o conteúdo do processo-crime, com absoluta independência, postula tanto a absolvição do inocente como a condenação do culpado.


Defensor

No Júri, vigora o princípio da plenitude da defesa. Isso implica dizer que o acusado terá direito à autodefesa (interrogatório) e à defesa técnica (advogado ou defensor público), podendo valer-se de argumentos jurídicos (ex.: legítima defesa) e extrajurídicos (ex.: piedade). O defensor, portanto, é o responsável pela defesa técnica do acusado. Caso a defesa seja deficiente, o juiz deverá dissolver o conselho de sentença e julgar o acusado indefeso, nomeando-lhe outro defensor para atuar em novo julgamento.


Réu ou Acusado

É a pessoa que está sendo processada por ter cometido um crime. Para ser julgado pelo Tribunal do Júri, é necessário que, no processo, haja prova da existência de crime doloso contra a vida e que haja indícios suficientes de autoria ou participação (artigo 413 do CPP).


Vítima ou Ofendido

É a pessoa titular do direito violado pelo acusado.


Testemunha

Pessoa desinteressada, obrigada a dizer a verdade do que souber ou lhe for perguntado sobre o fato em julgamento.


Perito

Profissional responsável e imparcial pelo estudo técnico materializado em um laudo.


Quesitos e Votação

Encerrado os debates entre as partes (promotor de justiça e defesa), o juiz, em sala reservada, submeterá o caso a julgamento pelos jurados. Para tanto, os jurados responderão “sim” ou “não” às perguntas afirmativas, dentre outras, sobre a materialidade do fato, a autoria e a participação e se o acusado deve ser absolvido. As respostas aos quesitos formarão o veredicto do Júri. A votação é guiada pelo princípio do sigilo, significando que, primeiro, só o jurado terá ciência de seu voto e, segundo, a apuração da votação será encerrada quando ocorrerem quatro votos no mesmo sentido.


Sentença

A sentença é a declaração pelo juiz do veredicto do Júri, absolvendo ou condenando o acusado ou desclassificando o crime para outro que não seja doloso contra a vida (ex.: lesões corporais ou homicídio culposo).


Pena

“São de duas ordens os fins da pena: retribuir o mal causado pelo infrator e servir de instrumento de prevenção de futura delinqüência” (Nelson Hungria). O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de pena criminal (regimes fechado, semi-aberto e aberto). Isso significa dizer que o acusado, se condenado, cumprirá apenas parte da pena no regime fechado (sem contato com o “mundo exterior”).


Palavra Final

A sociedade não pode ser complacente com a criminalidade e a impunidade. Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos, fez, diante de um problema social, duas perguntas: "Se não nós, quem? Se não agora, quando?". Temos um bom combate a lutar, e o nosso desafio é este: combater a violência e a impunidade com veemência, ainda que seja como as formigas, cada uma fazendo a sua pequena parte para que a sociedade avance. Por isso, espera-se que o jurado cumpra o seu papel: absolvendo o inocente ou condenando o culpado, em nome da vida e da coesão social.

5 comentários:

Pola disse...

Tenho orgulho de ter feito parte dessas formiguinhas, e espero que tenho cumprido o meu papel, sempre me lembro de suas palavras doutor:"chegar em casa, e poder encarar duas coisas, o espelho e o travesseiro". e todas as vezes consegui olha no espelho e dormir tranquila, de que contribui de certa forma com a justiça. Aprendi muito com a sua sabedoria, que por sinal repassada de forma sutil e enriquecida. pena que foi só uma...Parabens pela sua conduta, que se destaca dentre muitas...quando crescer quero ser igual a você...rsrsrs, vasta sabedoria e desenvoltura primordial para a clareza e correta "transmissao da mensagem", elementos tb essencias ao exercicio da função, deixando perceptivel a postura do verdadeiro presentante da sociedade...quem sabe seremos colegas...Parabens pelo ótimo trabalho.

Danilo Trombetta Neves disse...

Parabéns Danilo. É uma alegria enorme acompanhar este brilhante trabalho, que em muito contribui com a disseminação do conhecimento jurídico e concretização da justiça.

Millen Castro disse...

Cesar, meu amigo, distribui essa tua cartilha em nosso grupo de discussao estadual. Para ficar melhor, so se estivesse em ordem alfabetica hehehe. Brincadeira! Abracao.

João Conrado Blum Júnior disse...

Caro colega César:

Sou Promotor de Justiça no Estado do Paraná e considerei o conteúdo do seu blog realmente muito interessante.
Parabéns.

Anônimo disse...

Dr. Cézar, parabéns pelo valoroso trabalho. No entanto, gostaria de respeitosamente discordar com a seguinte definição contida no corpo da obra: Réu ou acusado "É a pessoa que está sendo processada por ter cometido um crime".A definição é grave, porquanto é tendenciosa, já que fere de morte a presunção de inocência. Ouso sugerir o seguinte: Réu ou acusado é a pessoa que contra a qual existe uma acusação pautada em provas de materialidade e indícios de autoria. Pessoa que está sendo processada por ter cometido um crime resulta em inadmissível abreviação de sentença condenatória.

marcos_aurelioadvogado@hotmail.com

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)