A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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7 de setembro de 2007

O país do faz-de-conta


Entre seus magníficos juízes, o Brasil tem um cujas manifestações - corajosas e polêmicas - vez por outra atraem as atenções da sociedade. Refiro-me ao ministro Marco Aurélio, do STF, que tem dito que o Brasil "é o país do faz-de-conta". Há um Brasil real e há um Brasil fantasioso. A tirada do insigne ministro vem a pelo quando se examina o Brasil legal.

A obediência às leis é canônica. Dobrar-se perante a lei é questão impositiva e isso é dever maior quando se trata dos agentes do poder público, porque estes cuidam (ou deveriam cuidar) da "res", que pertence a todos e que deve ser objeto de zelo e honestidade.

Os agentes públicos vinculam-se, nesse dever, à ação por delegação. Na vida prática, por exemplo, se o filho menor subtrai o carro do pai e causa dano à terceiro, a autoridade paterna deverá arcar com a responsabilidade civil ou penal; se o médico contratado por hospital age com desleixo ou imperícia, o paciente tem ação contra o hospital ou contra o médico, solidariamente. É a ação por delegação e o rol é inesgotável.

No entanto, a mais cabal responsabilidade por delegação é cometida aos chefes de governo, porque representam, por mandato de confiança, a incumbência de administrar os superiores interesses da nacionalidade, com dedicação e amor à causa pública. Investidos de igual poder, o governante escolhe e nomeia seus assessores ou comissionados que, em verdade, são emanações de sua própria autoridade.

Se os delegatários pisam na bola, prevaricam, furtam ou simplesmente faturam pessoalmente às custas de obras e compras superfaturadas, atos que comprometem a moralidade pública, quem responderá por isso deve ser o comitente, isto é, quem, arvorado em poder de chefia, delega a quem falseia sua confiança e comete crime contra a probidade pública. É o pai que dorme enquanto o filho menor sai a matar com a terrível arma motorizada.

Mas no Brasil "do faz-de-conta", todos fechamos os olhos ante a irresponsabilidade dos governantes, que assumem a aura de "coitadinhos" ou de vítimas porque de nada sabiam, nada ouviram, nada viram. Coitados, foram ludibriados em sua boa-fé, e fica por isso mesmo. E a delegação do poder acaba nesse instante. Nada importa que as falcatruas hajam sido perpetradas na tênue cortina que separa a sede do poder de sua ante-sala e muito menos importa quem escolheu o tesoureiro ou o chefe de gabinete civil. E eis garantida a incolumidade do santarrão, olhos desviados no instante preciso em que o dinheiro troca de bolso!

Nada importa o clássico conceito: "delegação" é atribuição que se dá a alguém para agir em nome de outrem, quer em caráter particular, como vimos, quer como representante quando se cuida de mandato. Nesse segmento ocorre a delegação de competência - medida de descentralização administrativa que tem por objetivo transferir a uma autoridade delegada a competência para a execução de atribuições específicas (Plácido e Silva, in Vocabulário jurídico). A autoridade que agiu omissivamente, cuja conduta se compara à intenção ou comissão (art.37, par. 6, CF), pecou na indicação errônea e tem responsabilidade objetiva, pois assume as conseqüências.

Mas isso, leitores, "no país do faz-de-conta". No Brasil verdadeiro, manda quem pode e obedece quem precisa. O regime é imperial, herança de antanho, ou seja, tudo como dantes, no quartel de Abrantes.

Por Sérgio Couto, advogado, JB - 07/09/07.

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