A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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10 de novembro de 2025

O Poder da Pausa

 


Claude Debussy (1862–1918), compositor francês e expoente do impressionismo musical, dizia que a música não está nas notas, mas no silêncio entre elas. Essa percepção revela algo profundo sobre a natureza da comunicação humana: o poder da pausa. Em Clair de Lune, o que emociona não é apenas o som, mas o espaço entre os acordes, onde o espírito respira e a alma compreende.

No Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça é o maestro da palavra em defesa da vida, da verdade e da justiça. Como Debussy, ele precisa entender que a força do discurso não está apenas no verbo, mas no intervalo que o sustenta. Entre um argumento e outro, o silêncio é o instante em que o jurado sente o peso da prova, o valor da vida e a gravidade da decisão que irá tomar.

O tribuno do júri não fala para preencher o tempo, mas para fazer o tempo falar. Sua oratória é sinfonia de consciência: feita de ritmo, cadência e coragem moral. Cada pausa é um convite à reflexão, cada retomada, um chamado à responsabilidade.

Assim como o pianista molda o som com o silêncio, o membro do Ministério Público molda o verbo e o pensamento com a pausa. Quando domina o tempo e o espaço entre as palavras, transforma o julgamento em algo maior: um concerto de consciências em torno da defesa da vida.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri” (4a edição - 2025).

23 de junho de 2025

SÍNDROME DE ESTOCOLMO NO FEMINICÍDIO

 

SÍNDROME DE ESTOCOLMO NO FEMINICÍDIO

Não são raros, infelizmente, os casos em que, durante o julgamento por feminicídio[1], a própria vítima, fragilizada, emocionalmente devastada ou ainda sob domínio psicológico do agressor, tenta atenuar sua responsabilidade criminal. À primeira vista, soa contraditório. Na essência, é a face mais cruel da dinâmica de dominação que estrutura os relacionamentos abusivos.

Nessas situações, cabe ao Ministério Público, na defesa da vida e dignidade da mulher, alertar os jurados de que, por vezes, é preciso salvar a vítima de si mesma. É nesse exato contexto que se revela a Síndrome de Estocolmo, fenômeno amplamente reconhecido pela criminologia e psicologia, em que a vítima desenvolve mecanismos inconscientes de defesa em favor de quem a violenta. Proteger quem lhe causou dor não reflete autonomia, mas o colapso emocional produzido por período de violência, que destrói sua autoestima e sua percepção da própria dignidade. A mulher, embora viva, pode já estar psicologicamente desfeita.

Noutras palavras, essa condição retrata o quadro mental de quem foi submetida a ciclos sucessivos de violência doméstica, marcado por medo crônico, impotência aprendida e extrema dificuldade de romper com o agressor. Fenômeno que escancara os efeitos devastadores da violência prolongada sobre sua saúde física, psíquica e social. Não se trata de consentimento ou fraqueza moral, mas de um mecanismo de sobrevivência, como ensina Dee L. R. Graham[2].

Diante de um cenário de opressão, medo e dependência, a mulher, para suportar, desenvolve laços afetivos distorcidos com quem lhe ameaça, controla e subjuga. Não é retratação consciente, mas efeito trágico da opressão estrutural que adoece e anula. E essa circunstância não absolve: condena. Escancara um relacionamento pautado pela opressão, pela violência, pela manipulação e pelo controle emocional. Mostra que o agressor não destruiu apenas o corpo, mas a identidade, o amor-próprio e a liberdade moral da vítima, mergulhando-a numa prisão psíquica que sabota sua capacidade de reação.

Por consequência, nesses casos, defender o direito ao silêncio da vítima a pretexto de evitar a reevitimização, como fazem alguns, não é proteger, mas sim perpetuar a violência. O cala-boca já morreu! Silenciar, aqui, é consentir com a opressão que a mantém cativa no ciclo de dor, cooperando com a impunidade do ofensor. O que se exige do Poder Judiciário e do Ministério Público não é conivência com um silêncio adoecido, mas a oferta de apoio psicossocial capaz de fortalecer a vítima, romper amarras emocionais e permitir que o Estado e a sociedade cumpram seu dever de enfrentamento firme e efetivo da violência contra a mulher.

É aqui que se impõe o espírito da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que convoca o Estado e a sociedade a enfrentarem a violência doméstica de forma intransigente. Quando a vítima, em plenário, tenta proteger seu agressor, cabe ao Tribunal do Júri assumir esta missão de suma importância: ser instrumento de ruptura desse ciclo de dor, ainda que contra a vontade aparente da ofendida. A omissão, nesse contexto, não é prudência: é cumplicidade.

É fundamental compreender que o Tribunal do Júri julga sob dois prismas: um interno, que resolve o caso concreto; e outro externo, que comunica à sociedade quais valores são intangíveis e quais condutas são intoleráveis. Condenar o feminicida, mesmo quando a vítima não se reconhece como tal, é reafirmar que a vida da mulher é inviolável, mesmo que ela, já dilacerada, não consiga mais defendê-la. E se, no plenário, a mulher tenta proteger quem a destruiu, isso não apaga o crime. Ao contrário: ela própria se torna a mais contundente prova do ciclo de opressão que sofreu. Sua submissão não é escolha livre, mas efeito devastador de uma relação marcada pela violência, pela ameaça e pelo temor.

Em conclusão, justamente quando a vítima se mostra incapaz de reconhecer sua dor e seu valor, é que o Tribunal do Júri deve se agigantar como instrumento de resgate da dignidade perdida, reafirmando o compromisso da sociedade, representada pelos jurados, com a tutela da vida e a proteção integral da mulher violentada. Vale dizer: condenar é proteger. Absolver ou mitigar a responsabilidade do agressor é perpetuar a violência e, nesse gesto, fazer-se cúmplice dela.

✒️ César Novais, Promotor de Justiça do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.



[1] “O feminicídio é o crime mais grave que existe. Consiste em dupla violação: (1) viola a fonte de todos os interesses, direitos e deveres humanos, qual seja, o direito à vida; e (2) viola a fonte geradora da vida, a mulher”. (NOVAIS, César. A defesa da vida no tribunal do júri. 4ª ed. Cuiabá: Editora Anacon, 2025, p. 92)

[2] GRAHAM, Dee L. R. Amar para sobreviver: mulheres e a síndrome de Estocolmo social. Tradução de Mariana Coimbra. São Paulo: Editora Cassandra, 2021.

19 de maio de 2025

A DEFESA DA VIDA NO TRIBUNAL DO JÚRI - 4ª EDIÇÃO (2025)


 

LANÇAMENTO - 4ª EDIÇÃO (2025)

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7 de novembro de 2024

Teleologia do Tribunal do Júri

 

Teleologia do Tribunal do Júri 

O Tribunal do Júri ocupa um lugar singular no Sistema de Justiça, especialmente em sua relação com a vida humana, que é teleológica, ou seja, orientada por uma finalidade intrínseca de proteção e valorização desse bem jurídico supremo. Essa teleologia — esse fim último — norteia a própria razão de ser do Júri, concebido constitucionalmente como o juiz natural dos “crimes de morte” (art. 5º, XXXVIII, “d”, CF) e a instituição responsável pela tutela jurisdicional penal da vida humana. Vale dizer, trata-se de mandado constitucional expresso de jurisdição popular no caso de conduta dolosa contra o direito de viver.

O que caracteriza essa relação é o reconhecimento da vida como um valor intangível, cuja proteção demanda a máxima expressão da jurisdição penal. A proteção integral da vida humana é imperativo moral e constitucional. A teleologia do Tribunal do Júri não está apenas em julgar o ato em si, mas em reafirmar o valor da vida como fundamento da ordem jurídica e da própria sociedade, em um Estado Civilizado. É uma resposta social, articulada na figura de um Corpo de Jurados, aos ataques que atentam contra a existência de um ser humano, dando voz, vez e poder ao cidadão comum no papel de guardião da vida.

Ao atribuir ao Tribunal do Júri a competência para julgar tais crimes, o ordenamento jurídico confirma a ideia de que a vida humana é o bem mais precioso, e sua violação exige um julgamento especial, onde a soberania dos veredictos dos jurados simboliza o próprio peso e a responsabilidade que a sociedade atribui à questão. A teleologia do Júri, assim, vai além da mera aplicação da lei; ela busca restaurar, por meio do julgamento, o valor que foi violado, reforçando que a vida é um direito que deve ser preservado com absoluta prioridade e que a norma “não matarás” está plenamente vigente.

Além disso, o Tribunal do Júri atua com função pedagógica e preventiva, transmitindo à sociedade uma mensagem clara: crimes contra a vida humana não serão tolerados e merecem uma resposta firme e decidida, reafirmando o pacto civilizatório de respeito à vida. Em sua missão teleológica, o Júri encarna a defesa e a reverência pela vida, estabelecendo-se não apenas como uma instância de julgamento, mas como um símbolo de compromisso com a dignidade humana e com o direito de cada indivíduo a existir.

Em última análise, o Tribunal do Júri não é apenas uma instância de julgamento e direito individual do acusado; ele é a voz da sociedade em seu compromisso mais profundo e intransigente com a vida humana. Repita-se: consiste em instituição responsável pela tutela jurisdicional penal da vida. Ao entregar a decisão final ao cidadão comum, ele resgata a ideia de que a vida é um valor absoluto, cuja violação exige uma resposta popular, solene e soberana. No Tribunal do Júri, não é apenas o acusado que está em julgamento, mas a própria essência de nossa humanidade. Cada veredicto proferido pelos jurados é um ato de resistência da sociedade contra a barbárie, que reafirma, com soberania e clareza, que a vida é inviolável e sua defesa e proteção devem ser prioridade absoluta em um Estado minimamente civilizado. 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)