
A Súmula 455 do Superior Tribunal de Justiça, editada no fim de agosto de 2010, representa um verdadeiro presente de grego à sociedade brasileira. É o seu teor: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.
Ao exigir fundamentação concreta, excluindo-se a alegação do decurso de tempo, para que seja autorizada a antecipação da prova oral, o “Tribunal da Cidadania” patrocina uma lamentável fomentação da impunidade, num verdadeiro desserviço à sociedade. Esse tribunal ignora veementemente as conseqüências do tempo e a ordem natural das coisas.
O filme francês Irreversível (2003), dirigido por Gaspar Noé, é aberto e fechado com uma frase: “O tempo destrói todas as coisas”. Como é fato notório, o tempo, na sua marcha inexorável, faz perecer tudo. É o que pregavam Ovídio e Virgílio, respectivamente, tempus rerum edax (o tempo tudo devora) e omnia fert aetas (o tempo leva tudo embora).
Ora, o principal, o lógico, o ideal, o natural e o jurídico fundamento autorizador da produção da prova oral antecipada, por ser flagrantemente notório, não é outro senão o mero decurso de tempo.
O testemunho é constituído pelos elementos atenção, percepção e impressão da testemunha. Não há dúvida que, com o passar do tempo, tal se enfraqueça ou até mesmo se perca nos desvãos da erosão do tempo.
Enrico Altavilla, na obra Psicologia Judiciária, citando Tanzi, anotou o seguinte: É evidente que, quanto mais o tempo passar, maior se torna a desagregação das imagens, a simplificação das recordações: isto faz com que o individuo, para reconstituir aquilo que se esquematizou na sua memória, seja constrangido a intervir com uma atividade sempre crescente, o que sempre é prejudicial à exatidão de um testemunho.
Isso é fato mais que notório, é lei da natureza (est lex non scripta, sed nata lex), que, por força do artigo 334 do Código de Processo Civil, observado o artigo 3º do Código de Processo Penal, independe de prova.
Como é sabido, uma vez violada qualquer cláusula do Contrato Social Penal, nasce para o Estado o direito de punir o transgressor. Não sendo este localizado para ser pessoalmente citado na ação penal e incidindo os dispostos nos artigos 361 e 366 do Código de Processo Penal, torna-se de rigor a produção da prova oral antecipada. Isso em nada fere os direitos do acusado, pois, se um dia for retomada a marcha processual, poderá ele protestar ao juízo pela reinquirição das testemunhas. O que é inadmissível é o Estado ficar refém da fuga do réu do distrito da culpa, concorrendo para a concretização da impunidade.
Resulta, então, fatal a conclusão de que a malfadada súmula, envernizada de pseudogarantismo, é uma espécie de Cavalo de Tróia infiltrada na comuna brasileira, em que assassinos, traficantes, estupradores, assaltantes e criminosos em geral se ocultam para continuarem as suas obras funestas, em prejuízo da família, da sociedade e do Estado.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça (MT) e Editor do Blog http://www.promotordejustica.blogspot.com/
2 comentários:
Prezado Danilo,
Tomamos a liberdade de publicar o texto em nosso blogue (com os devidos créditos). Bom trabalho.
Juarez
Vive-se hoje um "clima de garantismo" em que os interesses sociais são subordinados aos individuais. Penso que deve prevalecer o interesse da coletividade em ver os criminosos julgados e devidamente punidos. Lamentavelmente, o Superior Tribunal de Justiça, data venia, andou mal ao estabelecer a necessidade de outros fundamentos para justificar a cautelar de produção antecipada de provas. O tempo se encarrega de rapidamente apagar da memória os fatos e, certamente, colhida a prova oral desde logo e, posteriormente, efetivada a reinquirição esta seria muito mais proveitosa, já que a testemunha ao tomar conhecimento de seu depoimento anterior se lembraria facilmente do evento. O Direito Penal antes de se prestar a defesa do criminoso, se destina à proteção da sociedade e deve ter no processo penal a garantia de que o infrator será sancionado proporcionalmente. A este deve se deferir todos o meios legais a realização de sua Defesa, evitando-se injustiças. Afinal, se inocente for, a antecipação probatória em nada lhe prejudicará, mormente ante a possibilidade de as testemunhas poderem ser ouvidas novamente.
Um grande abraço e parabéns pelo excelente artigo, com o qual concordo integralmente.
David C. Baracho
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