
O eleitor não tinha escolha, já que, naqueles tempos, o voto não era secreto. Daí que era fiscalizado e patrulhado por capangas para que votasse no candidato do coronel, sob pena de severa e grave repreensão. Um jogo de cartas marcadas.
Sacudida a poeira da história e transcorridos tantos anos, ainda hoje em que comemoramos duas décadas de Estado Democrático de Direito, vivemos a vigência, mormente nos rincões do Brasil, do odioso voto de cabresto, porém, em versão revista e atualizada.
Nos dias que correm, malgrado ser o voto secreto, este é vilipendiado, diuturnamente, pelo poder político e/ou econômico e pela utilização da máquina pública. Prática esta ainda mais visível em decorrência do instituto da reeleição, em que o prefeito-candidato e o vereador-candidato são mantidos no poder durante o processo eleitoral. Seria cômico se não fosse, flagrantemente, trágico, uma vez que o sistema foi plantado com claro objetivo: manter os poderosos no poder em prejuízo lógico da cidadania e da res publica.
A situação é agravada pela falta de cidadania de grande parte da população brasileira. Educação é o que falta. É a Educação que liberta o ser humano da ignorância e do descaso de temas ligados ao exercício da cidadania. A paidéia de que falavam os gregos: é o que precisamos.
Em outras palavras, não existe cidadania sem Educação. Povo sem estudo é massa de manobra política, é presa fácil daqueles que têm por modo de vida a corrupção. Vale, aqui, o clichê: “pensar em Educação é pensar na próxima geração e não na próxima eleição”. Infelizmente, tudo indica que a fauna política de nosso país pensa e repensa somente na próxima eleição.
O povo não fica atrás. O raciocínio de significativo número de eleitores parece ser este: “esquecido quatro anos, agora, é hora de tirar o atraso”. É o eleitor não-cidadão, eleitor-pedinte ou eleitor-prostituído, filhos da falta de Educação. E aí os coronéis modernos deitam e rolam. Não vêem pessoas, seres humanos, senão apenas mercadorias, produtos, como se objetos fossem, compráveis por qualquer tostão ou cargo em comissão. É o fácil e lamentável caminho que o corrupto percorre para “zelar” pelo interesse público e pela coisa pública.
Zapeando a televisão, folheando os jornais ou navegando pela internet, vemos que os valentes, idealistas e incansáveis Promotores (de Justiça) Eleitorais passam de bairro em bairro de diversas cidades, do Oiapoque ao Chuí, alertando, em palestras e reuniões, os eleitores sobre a importância do voto para os destinos da cidade e de suas próprias vidas. Mas, a verdade é que parecem estar pregando no deserto, despidos de ouvintes ou cujo público alvo é surdo. É, enfim, o Promotor (de Justiça) Eleitoral aquele beija-flor que tenta apagar o incêndio na floresta, transportando água em seu minúsculo bico.
Frente a esse quadro perverso e terrível, ainda assim, restam aos cidadãos não esmorecer, pena de contribuírem para a mantença desse estado de coisas deprimente e deplorável.
A propósito, Denis de Rougemont, escritor suíço, disse que “a decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si próprio: ‘O que irá acontecer?’, em vez de indagar: ‘O que eu posso fazer?’”
E aí: o que você, leitor-eleitor, pode fazer?
Tudo, com absoluta certeza, começa com o espancamento, a tortura e o assassinato sem piedade do abominável voto de cabresto, para, assim e enfim, vermos nascer o voto consciente e comprometido não com a cosa nostra mas com a res publica
A batalha está apenas começando. Mãos à obra, então!
Um comentário:
Um texto que traz lembranças que não deveriam estar esquecidas. O voto de cabresto que um dia foi o triste cenário do Brasil passado, hoje retorna de forma mais sutil. Não é mais o cabresto do coronel com seus capangas armados, mas o da ignorância, cultivada com cuidado por nossa corrupta classe política, que a partir de 1985 elegeu a educação como prioridade. A educação teria toda a prioridade para ser destruída. Seria melhor destruir a educação para tornar o eleitor cada vez mais incapaz de discernir e decidir pelo voto mais correto. Melhor do que usar a força para fazer alguém votar em seus protegidos. Custa pouco organizar uma eleição a cada 4 anos em comparação com o que rende a essa classe política corrupta, de vereadores a governadores, sempre a desviar recursos da educação para proveito próprio. Ao mesmo tempo em que lucram financeiramente, formam verdadeiras manadas de eleitores, que nem mesmo precisam de um cabresto. Como uma boiada mansa, são tocados na direção desejada por seus condutores. O eleitor não é culpado disso. Ao longo desses 20 anos em que foi enfiado nessa máquina de imbecilização, tornou-se, sem nunca querer, o maior ajudante e ao mesmo tempo, a maior vítima dessa classe política.
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