A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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2 de junho de 2007

A necessidade de uma hermenêutica penal da sociedade*


Os recentes crimes ocorridos em nosso país apontam, ainda que timidamente, para a democratização do Direito Penal, que, até pouco tempo, tinha por principais destinatários os apodados por pés descalços, quais sejam: negros, prostitutas e pobres. Agora, o braço repressor do Estado ataca alguns membros das classes dominantes, isto é, parlamentares, ministros, magistrados, grandes empresários etc.

Todavia, importante atentarmos para a postura do Poder Judiciário frente a tais criminosos, eis que, amiúde, com admirável rapidez, expede liminarmente ordem de habeas corpus em favor dos mesmos, sob o argumento de haver violação aos direitos fundamentais – basicamente, a liberdade e a presunção de inocência -.

Em muitos casos, ousamos afirmar que há interpretação equivocada do ordenamento jurídico pátrio em grande e expressiva parte do Poder Judiciário, pois não podemos admitir academicismos estrangeiros, divorciados do real contexto social brasileiro, para colocar nas ruas, em liberdade, pessoas que matam, estupram, seqüestram, roubam, comercializam drogas, bem como os que se organizam em verdadeiras sociedades criminosas com o escopo de solapar o dinheiro público e atentar contra as estruturas do Estado, incorrendo em verdadeiros atos terroristas, deixando, em corolário, milhões de pessoas órfãs dos mais comezinhos direitos fundamentais.

Urge, pois, diante desse quadro, levantar a seguinte indagação: até que ponto essa espécie de hermenêutica jurídica tem contribuído para a efetivação da função social do Direito Penal e Processual Penal?

Respeitando-se a dialeticidade do Direito e o que se denomina, filosoficamente, desacordo moral razoável, ressurte irrefragável a resposta negativa.

Pois bem. É arquissabido que, pragmaticamente, o Direito Penal tem por finalidade elementar disciplinar os comportamentos dos membros da sociedade e proteger determinados interesses. Como ocorre em todos os ramos da Ciência Jurídica, a norma jurídica fixa um conjunto de expectativas.

Nessa vertente, o crime figura como ameaça à integridade e estabilidade da sociedade, exprimindo uma falta de fidelidade à mesma.

Em outras palavras, as normas jurídicas garantem um alto grau de estabilidade e funcionamento das expectativas sociais.

Nesse claro contexto, o Direito Penal, como todos os sistemas de controle social, está a serviço da sociedade, e todas as suas instituições devem objetivar o alcance desta finalidade.

Respeitar os direitos do delinqüente, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos de uma sociedade que vive enjaulada e massacrada pela criminalidade, constitui uma espécie de quadratura do círculo de difícil solução.

Sob à ótica de um Direito Penal da Sociedade, é crível que o dilema enunciado deva ser resolvido em favor da prevenção geral, porque o interesse social deve se sobrepor ao interesse individual. Pensar diferente é vulnerar a sociedade e fomentar, ainda mais, a criminalidade.

Nesse diapasão, o Poder Judiciário, se representado por uma magistratura prudente e comprometida com os anseios da sociedade, frente à ocorrência de grave crime abalador da ordem pública – clamor público -, deve, imediatamente, se valer dos instrumentos processuais penais de emergência – Prisões Provisórias -, com o desiderato de acautelar o meio social, e implementar sine intervalo a resposta estatal ao violador da norma penal, prestigiando, por conseguinte, as expectativas sociais.

De bom alvitre registrar que o professor José Ingenieros (1877-1925) há muito ensinou que "a sociedade precisa defender-se. As doutrinas modernas não devem ser exploradas em beneficio dos criminosos, arrebatados da Justiça para continuar a sua obra funesta no seio da sociedade".

Em outras palavras, quando se trata de proteger a sociedade, a interpretação das leis não deve ser fria e descompromissada, antes de tudo, deve ser real e socialmente útil. É dizer, deve o magistrado optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum.

O que não se pode admitir, pois foge por completo de todo o razoável, é que membros do Poder Judiciário - ministros, desembargadores e juízes -, presos às teorias penais hipergarantistas, originadas do estrangeiro – contexto social totalmente distinto do brasileiro - portanto, desconectadas da realidade social, interprete a norma em favor daquele que a violou, dilacerando a ordem e o tecido social, pois, o homem da rua, o homem comum – homem e mulher de bem -, por desconfiar da eficácia do sistema penal vigente, potencialmente, preferirá fazer justiça com as próprias mãos. Aí nasce a função odiosa e descaracterizada do Poder Judiciário, qual seja: como estimulador da impunidade, do crime, enfim, da desordem social.

Portanto, diante da atual conjuntura de nosso país, é forçoso reconhecer que incumbem aos membros do Poder Judiciário refletir acerca de suas funções frente ao corpo social no que se referem à contenção de crimes e à proteção de bens jurídicos, tendo por norte a concretização do lema cravado em nossa bandeira nacional - ordem e progresso – e dos direitos fundamentais da sociedade - tríade vida-segurança-propriedade.

(*) César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso.

5 comentários:

Anônimo disse...

Crime é, sobretudo, objeto de estudo da Criminologia, e não do Direito isoladamente. Existem vários direitos fundamentais não concretizados no país, inclusive os de proteção ao acusado. Deve-se amenizar o desiquilíbrio social harmonizando os direitos fundamentais de um modo amplo, e não supremindo alguns em detrimento de outros. O discurso jurídico sozinho é orfão, Sr. César! A questão da criminalidade transcende a esterelidade arrogante jurídica, doutor!

Sebastiao UCHOA disse...

Até se torna possível entender tecnicamente ou a forma objetiva realizada pelo autor do artigo no que tange a uma possível forma indireta de se ver uma defesa quiçá equivocada do senso comum, no que tange a um suposto estímulo do Judiciário brasileiro ao ser garantista e desigual a determinados segmentos criminais com inúmeras decisões nesse estilo vindo à tona nesses últimos anos.
Contudo, divorciar o fenônemo criminal baseado em conceitos analíticos do crime e sua manifestação em nome de uma pseuda paz social, é esquecer a lei dos contrários tão presente no imaginário social oriunda de diversas ausencias estatais e até mesmo da sociedade que de maneira discriminatória e abjeta não quer ou não consegue encarar o crime como fenômeno precípuo de fato social por excelência. Que digam as teorias macrossociológicas à espécie do "Conflito Social", para asseverarem essa assertiva em detrimento das tidas como "consensuais" a que mais me parece a posição do promotor em questão em sua abordagem travestida de uma crítica à hermêutica efetuada pelo Judiciário nacional, quando na verdade, esconde uma real ou concreta permanência de uma discriminação social oriunda da visão unilateral conformista e passiva dos problemas sociais por que vive o país, mesmo diante de uma certa estabilidade financeira.
Prefiro abordagens mais social sobre o fenômeno criminal e as repostas necessárias a ele, a uma repetição de conceito ou preconceito do problema tão sério que aflige a todos nós, sobretudo por uma completa ausência de uma visão sistêmica do problema em si mesmo, embora o esforço do produtor do texto em sua participação na produção do texto em apreço.
Sebastiao Uchoa - uchoa39@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Luiz Antônio Mattoso Ventura do Espirito Santo. Texto limpo e maravilhoso. Parabédns! Lutei quando estudande universitário pela redemocratização do país. Hoje vemos ideais de liberdade, de justiça, paz social,etc completamente, bastante deturpados. Enaquanto uns filosofam em salas refrigeradas e de tapete felpudo, fingindo não ver a realidade social, divagam em filosofias supostamente humanistas, que auxiliam a desumanização de muitos seres humanos.

Aderlane Caires disse...

O que realmente faz com que não se diga o Direito de forma correta, eficaz e clara, é a falta de consciência jurídica da nossa sociedade.É a omissão do Estado diante da nossa ignorãncia jurídica.
Maravilhoso o texto, parabéns

Anônimo disse...

Parabéns. Ótimo texto, um dos melhores que já li. A clareza de idéias compostas refletem na íntegra os anseios da sociedade.

Ademir Antonio Panatta
Chapecó/SC

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)