
Se eu faço perguntas, sou invasivo. Se não faço, indiferente eu sou.
Se eu reclamo das coisas, sou enfadonho. Se não reclamo, acomodado eu sou.
Se eu telefono com frequência, não tenho mais o que fazer. Se não telefono, que belo amigo eu sou!
Se eu ajudo os outros, sou um carente disfarçado. Se não ajudo, inveterado egoísta eu sou.
Se eu publico muitos livros, sou arrivista. Se não publico, improdutivo eu sou.
Se eu não entro em briga, sou covarde. Se eu entro, implicante é o que sou.
Se eu perdôo fácil, sou bobalhão. Se não perdoo de cara, cruel, muito cruel eu sou.
Se eu mudo de opinião, sou inconstante. Se eu a mantenho custe o que custar, doa a quem doer, cabeça-dura eu sou.
Se eu entro no grupo, sou influenciável. Se não entro, anti-social eu sou.
Se eu estou rindo à toa, sou idiota. Se me mantenho sério, também idiota eu sou.
Se eu digo que vou, e no final não vou, sou preguiçoso ou sem palavra. Se eu digo que não vou, mas depois eu vou, além de não ter palavra maluco eu sou.
Se eu quero tudo verificado, catalogado, arquivado, sou obsessivo. Se tanto faz, sou relaxado.
E assim as coisas se desenrolam e me enrolam. Minha decisão te machuca e minha abstenção te aborrece; meu aperto de mão ou é frouxo à beça ou violento demais; quando chego atrasado é terrível, se chego com antecedência, é mania de perfeição... e se me torno pontual, não fiz mais do que a minha obrigação.
Voltado para o futuro, sou um sonhador. Voltado para o passado, um nostálgico incorrigível. Preso ao presente, superficial eu sou. Resta-me sair do tempo, e então serei o perfeito alienado!
Os juízes estão atentos ao menor gesto, à palavra que deixo escapar, à que não deixo, ao movimento do olhar, ao tremor das mãos. Sou punido por ser e por não ser.
Eterno réu, não mereço o céu, o inferno me despreza, o purgatório já me expulsou.
Preciso, com este texto, denunciar os meus juízes. O que fará de mim um infrator contumaz.
Por Gabriel Perissé, doutor em Educação pela USP e escritor.
Um comentário:
Parabéns pelas palavras Dr. Gabriel. Embora do Judiciário, não me aconchego na idéia de que o juiz julga porque tem esse poder naturalmente e para todas as coisas da vida. Na realidade, julgar é, além de labuta, um exercício complicado de não ser imparcial para nenhum lado da balança, ou melhor, do dizer o que ou quem alguém é, como no seu texto, tentando ser rude o menos possível para quem quer que seja. Infelizmente, nem sempre é possível. Mesmo assim, parabéns, e continue denunciando dessa forma.
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