A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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20 de junho de 2011

Cidadania concreta


O Brasil é um dos países que mais arrecada impostos no mundo, ostentando uma hiperbólica carga tributária. Todavia, conforme estamos fartos de saber, os serviços de saúde, segurança e educação são calamitosos. Falta gerência e sobeja corrupção. A sociedade, por conseguinte, carcomida pelos impostos, tem que conviver com a falta ou a deficiência dos serviços públicos mais básicos, já que milhões de reais, cotidianamente, nos âmbitos municipal, estadual e federal, são desviados de sua finalidade: o correto emprego da verba pública em beneficio da população.

Mesmo diante dessa situação caótica, é raro vermos qualquer grupo social organizando-se através de marchas, passeatas ou congêneres, no sentido de mobilizar a sociedade civil e o poder público para o enfrentamento de tais problemas. Faltam, então, as marchas contra a corrupção, contra a violência, contra as drogas, contra a pedofilia, contra o desmatamento etc.

Paradoxalmente, o que temos visto são pessoas marchando pelas drogas, pelo sexo ou pela vadiagem, com a guarida da mais alta instância judicial do país, em nome do direito de liberdade – talvez o vocábulo libertinagem seja mais adequado.

Inclusive, vale dizer, por ironia do destino, às vésperas da Semana Nacional de Prevenção ao uso Indevido de Drogas (19 a 26 de junho), que tem por mote conscientizar e mobilizar a sociedade sobre os problemas e as atividades de redução da demanda e oferta das substâncias entorpecentes, o Supremo Tribunal Federal legalizou a marcha da maconha.

Logicamente que a decisão é juridicamente defensável. Afinal, como qualquer lidador da arena jurídica sabe, no Direito há teses e decisões para todos os gostos, um verdadeiro cardápio doutrinário e jurisprudencial, a depender do ponto de vista e interesse do intérprete ou do freguês (clique aqui).

Todavia, até a pedras sabem que as drogas constituem um gravíssimo problema humanitário, pois assolam a todos, desde a pessoa-usuária, passando por sua família e pelo Estado, até a sociedade, que vive aterrorizada pelas ações criminosas, movidas em torno do tráfico: furta-se, rouba-se e mata-se por sua causa.

É o triste quadro. Dizem os filósofos que a decadência de uma sociedade começa quando a pessoa pergunta a si própria “o que vai acontecer?” em vez de inquirir “o que eu posso fazer?”.

Logo, o imperativo ético da ação deve substituir a resignação.

Como solução para essa crise não enxergamos outro caminho senão o da aproximação da sociedade com o poder público, a união de forças. A irresignação e a cobrança pelo respeito de seus direitos. Não há mais lugar para a omissão e o silêncio cúmplice.

Daí que já não basta dizer basta. É preciso mais. É imprescindível sair da zona de conforto, abandonar a lei do umbigo, arregaçar as mangas e adentrar na luta para fazer bastar. Mas como?, alguém indagará.

A título exemplificativo: pela participação nas reuniões da escola dos filhos e da comunidade em geral; pela participação dos diversos conselhos municipais; pelo reclame de formulação de políticas públicas exequíveis com o condão de concretizar a ampla gama dos direitos da sociedade; através de marchas e outros atos panfletários contra as drogas, contra a corrupção, contra a violência etc.; por meio da cobrança rígida e inflexível das autoridades constituídas para que cumpram com zelo e eficiência seus deveres para com a sociedade; e por meio da fiscalização contínua do cumprimento das atividades dos detentores de cargos ou funções públicas e, constatado qualquer desvio ético ou legal, que haja a cobrança para o órgão competente no sentido de adotar as providências cabíveis de correção e punição.

Isso tudo é um bom começo.

Aliás, Tancredo Neves deixou-nos esta lição: "a cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente, em favor da comunidade".

Portanto, é tempo de hastearmos a bandeira do exercício concreto da cidadania no seio da sociedade. Corresponsabilidade é a palavra de ordem. Sejamos, então, todos corresponsáveis pela solução dos problemas sociais.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça (MT) e Editor do blogue www.promotordejustica.blogspot.com

Um comentário:

Vellker disse...

Caro Promotor César

Sem dúvida que seu texto exprime um idealismo que falta hoje em dia em boa parte dos membros dos poderes judiciário e legislativo. Lamentavelmente, em boa parte dos casos nem falta, o pensamento é o oposto do que o texto apresenta.

Também é necessário que a sociedade se organize para exprimir sua insatisfação, eu diria surda revolta com tudo o que está aí. De expressão de insatisfação, passaremos a revolta mesmo. Mas estamos por enquanto na situação de perguntarmos a nós mesmos o que vai acontecer. Estamos como passageiros dentro de um avião em começo de queda. Podemos apenas perguntar o que vai acontecer.

Mesmo que a sociedade se organize para uma cobrança bem feita das responsabilidades e correta direção das autoridades e da coisa pública, nada vai acontecer. É só olhar o retrospecto dos últimos 20 anos. A corrupção se tornou o verdadeiro programa de todos os partidos, a única ideologia é de ganhar o máximo às custas da nação.

Com um congresso onde mais de um terço dos parlamentares responde a processos na justiça, com as já habituais quadrilhas descobertas todo mês nas administrações e secretárias de Estado pelo Brasil afora, vê-se que a criminalidade já se instalou em definitivo no sistema político do Brasil.

Um Brasil com um sistema político e judiciário justo só existirá com a completa eliminação dessas quadrilhas. Daí podermos concluir claramente que nenhuma manifestação política dará resultados.

De mais a mais, desde 1995, época em que o Brasil começou a ser entregue a estrangeiros, todo o sistema político se empenhou ao máximo para favorecer o uso de drogas, criando uma legião de incapazes, enquanto que ao mesmo tempo penalizava e proibia com todo rigor a posse e porte de armas e também na prática proibia a auto-defesa, direito do cidadão decente que não se rende ao crime, seja ele comum ou institucional.

Que melhor tipo de sociedade para atacar e espoliar do que essa, drogada e caída na sarjeta em total decadência, enquanto que os poucos que restaram lúcidos e capazes ficam desarmados e indefesos, igualmente reféns do crime institucionalizado?

Esse é o triste estado de coisas que vivemos nos dias de hoje. Vai ser necessário mais do que um simples protesto contra isso.

Legítima defesa também é o direito de um povo.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)