A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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29 de julho de 2011

Defensoria Pública: Prazo em Dobro

2.1 Exigência de intimação pessoal do Ministério Público e da defensoria pública e prazo em dobro para a última para a prática de atos processuais

O art. 370, § 4.º, do CPP dispõe que “a intimação do Ministério Público e do defensor[1] nomeado será pessoal”.[2] No que se refere ao Ministério Público, é de salientar que a referida regra é complementada pelo disposto no art. 41, IV, da Lei 8.625/93 e no art. 18, II, h, da Lei Complementar 75/93, respectivamente Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e Lei Orgânica do Ministério Público Federal, regras que asseguram ao membro do parquet o direito de que as referidas intimações sejam realizadas com vista dos autos.
Alguns autores, porém, criticam a regra que prevê a intimação pessoal do Ministério Público, chegando a asseverar que se trata de previsão absurda e imoral.[3] Trata-se, contudo, de posição equivocada, que não merece prosperar, pois nada há de injusto ou imoral na citada previsão, não havendo falar, por outro lado, em violação do princípio da igualdade.
Com efeito, o que faz a regra comentada é tão-somente equilibrar a balança, igualando situações desiguais, a exemplo do que ocorre com a mesma previsão para os defensores públicos.
A diferença de tratamento é plenamente razoável, pois é inquestionável a distinção existente entre o Ministério Público e a advocacia particular, pois enquanto o último pode selecionar as causas que quer patrocinar, conhecendo dessa forma todos os processos que estão sob sua responsabilidade, podendo inclusive recusar causas ante a falta de disponibilidade, o Ministério Público, por ser o titular da ação penal pública, atua obrigatoriamente em todas as causas cuja ação seja de iniciativa pública, tendo, por isso, uma imensa carga de serviços que lhe são afetos, mormente quando se sabe que também deve atuar, agora como custos iuris, nas ações penais de iniciativa privada. Portanto, não há procedimento criminal no qual não atue o Ministério Público, seja como órgão agente, seja como órgão interveniente.[4] Logo, não há como igualar situações tão desiguais.
Contudo, consoante destaca com acerto Nelson Nery Jr.,[5] “o motivo determinante para encaminhar-se a solução dessa desigualdade é outro. Como o Ministério Público sempre atua em virtude de existência de interesse público, quer seja parte quer fiscal da lei, quer no processo civil quer no penal, consulta ao interesse público o exercício de sua atividade da mais ampla e melhor maneira possível”.
Aliás, é justamente em face dessa constatação que é fácil compreender – e aceitar a plena compatibilidade com o princípio da igualdade – a diferença de tratamento conferida também para a defensoria pública,[6] que de igual forma deve ser intimada pessoalmente, conforme observado acima.
O que não se justifica, porém, é conferir tratamento diferenciado entre o Ministério Público e a defensoria pública, pois como destaca, com razão, Rogério Schietti Machado da Cruz,[7] ambos “têm a mesma importância política e ocupam, no plano constitucional, status jurídico-funcional similar”.
Daí por que não concordamos com a previsão, por exemplo, do prazo em dobro conferido apenas à defensoria pública para a prática de atos processuais,[8] quando o mesmo tratamento não é previsto na seara processual penal para o Ministério Público. O mesmo se diga da questão da intimação com vista dos autos para o Ministério Público, que não é previsto para a defensoria pública. Note-se que não se está a dizer que a previsão de prazo em dobro para os defensores públicos – o que não vale para os defensores dativos[9] – não seja compatível com a Constituição Federal,[10] pois o que se advoga é que a mesma prerrogativa seja estendida ao Ministério Público.
Assim, havendo diferença de tratamento entre os dois órgãos, entendemos violado o princípio da igualdade, pois uma das conseqüências de tal princípio, consoante ensina Álvaro Orlando Pérez Pinzón,[11] é a justamente a proibição de “estabelecer o consagrar discriminaciones cuando se trate de personas, hechos, situaciones o circunstancias semejantes”.


[1] No que se refere aos defensores públicos, a regra é repetida no art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária).
[2] Porém, segundo o STF, ressalva deve ser feita em relação aos Juizados Especiais Criminais: “É dispensável, no âmbito dos juizados especiais, a intimação pessoal das partes, inclusive do representante do Ministério Público e defensores nomeados, bastando que a mesma se faça pela imprensa oficial. Afasta-se, dessa forma, o § 4.º do art. 370 do CPP, para a aplicação, com base no princípio da especialidade, do § 4.º do art. 82 da Lei 9.099/95 (‘As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa’). Com esse entendimento, fixado pelo Pleno do STF no julgamento do HC 76915/RS (DJU 27.04.2001), a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de acórdão proferido por Turma Recursal, em face da ausência de intimação pessoal de defensor público da data da sessão de julgamento de recurso de apelação. Salientou-se, ainda, que, não sendo a sustentação oral ato essencial à defesa, mas uma faculdade concedida às partes, e tendo sido a Defensoria Pública devidamente intimada, nos termos da Lei 9.099/95, não haveria que se falar em nulidade do julgamento. Precedentes citados: HC 71642/AP (DJU 21.10.1994); HC 81281/MS (DJU 22.3.2002); HC 81446/RJ (DJU 10.5.2002)” (HC 84277/MS, rel. Min. Carlos Velloso, j. 21.09.2004). Não concordamos com o referido entendimento, pois a justificativa para a intimação pessoal do Ministério Público e da Defensoria Pública é o princípio da igualdade, atendendo-se às peculiaridades de tais órgãos, sendo forma que garante um processo mais justo, tanto no que tange aos interesses da coletividade quanto do acusado.
[3] Assim pensam, por exemplo, Paulo Sérgio Leite Fernandes e Geórgia Bajer Fernandes (Nulidades no processo penal, p. 244. Aliás, é importante destacar que o § 4.º chegou a ser objeto de ADIn, porém, conforme observa Rogério Schietti Machado da Cruz (Garantias processuais nos recursos criminais, p. 116), “no julgamento da ADIn 1036-1/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB em face da Lei 8.701/93, que acrescentou parágrafo ao art. 370 do Código de Processo Penal, dando tratamento diferenciado entre Ministério Público e advocacia particular na intimação dos atos processuais, a Corte Suprema não vislumbrou a presença do periculum in mora necessário para a suspensão da eficácia da norma hostilizada, inobstante tenham os Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso enfatizado a desigualdade do tratamento gerado pelo dispositivo em apreço (Tribunal Pleno, j. 03.03.1994, rel. Min. Francisco Rezek, DJU 30.06.1995). Prevaleceu a opinião de que não há, na hipótese regulada pelo texto impugnado, ‘um tratamento diferenciado entre acusação e defesa (...), mas um tratamento diferenciado entre Justiça Pública e advocacia particular’” (excerto do voto do relator, Min. Francisco Resek).
[4] Valendo-se da mesma argumentação, embora voltada para justificar a diferença de tratamento entre o Ministério Público e A advocacia particular no processo civil, confira Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil na Constituição Federal, 5. ed., p. 46.
[5] Idem, p. 46.
[6] Inclusive a 1.ª Turma do STF já entendeu que a ausência de intimação pessoal do defensor público para a pauta de julgamento acarreta nulidade absoluta, como se pode observar pelo Informativo 384: “A ausência de intimação pessoal do defensor público da pauta de julgamento acarreta nulidade absoluta do julgamento, não havendo que se falar em preclusão ou em necessidade de demonstração de prejuízo. Com base nesse entendimento, a Turma, mantendo a prisão decretada na sentença de pronúncia, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negava provimento a recurso em sentido estrito do paciente, representado pela Procuradoria de Assistência Judiciária daquele Estado, a qual não fora intimada para a sessão de julgamento do referido recurso. Precedentes citados: RHC 83770/SP (DJU 12.03.2004); HC 77359/DF (DJU 23.10.1998)” (RHC 85443/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.04.2005).
[7] Garantias processuais nos recursos criminais, p. 117.
[8] O que é previsto no art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/50 e no art. 44, I, da LC 80/94. Nesse ponto, há divergência entre os autores da presente obra. Bedê entende que não há motivo para estender ao Ministério Público o prazo em dobro existente para a defensoria e que a diferença de tratamento é constitucional pela peculiaridade da defensoria pública.
[9] “Agravo regimental no agravo de instrumento – Processo penal – Tempestividade do agravo de instrumento – Prazo – Defensor dativo – Recurso improvido. 1. Intempestivo o agravo de instrumento interposto por defensor dativo. 2. O defensor dativo não possui o benefício do prazo em dobro previsto na Lei 1.060/50, que regula a assistência judiciária gratuita. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no AG 637432/SP; AgRg no AgIn 2004/0143232-2, 6.ª Turma, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 15.05.2005, p. 434). Correto o entendimento, pois uma coisa é a nomeação de advogado para assistência judiciária, outra é o exercício de cargo de defensor público ou de cargo equivalente. Somente estes últimos têm o direito ao prazo em dobro e à intimação pessoal.
[10] Aliás, o STJ, por meio de sua 5.ª Turma, já reconheceu a vigência da regra prevista no art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/50, como se pode perceber pelo seguinte julgado: “Processual penal – Embargos de declaração em recurso especial – Defensor público – Prazo em dobro para recorrer. Nos termos do § 5.º do art. 5.º da Lei 1.060/50, com redação dada pela Lei 7.871/89, a Defensoria Pública possui prazo em dobro para recorrer. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso). Embargos acolhidos, sem efeitos infringentes” (5.ª T., EDcl no REsp 623386/RS; EDcl no REsp 2004/0012326-5, rel. Min. Felix Fischer, DJ 30.05.2005, p. 404).
[11] Los principios generales del proceso penal, p. 90.

Fonte: MIRANDA, Gustavo Senna; BEDE, Américo. Princípios do processo penal: entre o garantismo penal e a efetividade da sanção. São Paulo: RT, 2009.

2 comentários:

Alberto disse...

O argumento de que, pelo fato da defensoria pública ter prazo em dobro, deveria ter o MP, é fraco e sem fundamento. Veja-se, os prazos em processo criminal, quando se trata de acusação, já são do Ministério Público, titular da ação penal. Seria suficiente, apenas, que se aumentem tais prazos, eis que já privativos para o MP - o legislador ao disciplinar esses prazos já pensava no MP, já que ação privada é minoria e exceção. Por essa razão, a fragilidade do argumento. Além disso, o MP tem prazos diferenciados no processo civil, pois lá os prazos são indistintos e há razão para um prazo diferenciado.

Danilo disse...

Não entendo o MP sequer cogitar em querer dobro de prazo. Quanto mais parado, mais tempo prescrional corre. Como o dobro de prazo para maioria dos atos não é causa interruptiva da prescrição, é dar tiro no próprio pé.

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