A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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28 de março de 2014

O Julgador, a Lei e a Moral

 
 
Os juízes penais, em particular, não estão livres de orientarem-se em suas decisões segundo as suas pessoais convicções morais, mas devem, ao contrário, sujeitar-se às leis mesmo se em contraste com tais convicções. Ao menos em princípio, a ética formalista é precisamente a sua ética profissional, que os impede de antepor ou subrepor ao direito a sua moralidade substancial e subjetiva, enquanto esta, exteriorizando-se no exercício de um poder, equivale para quem a ele se submete, ao arbítrio e ao abuso (...). O formalismo ético nas posturas práticas dos juízes diante das leis segue o modelo cognitivo e garantista da jurisdição e da separação do direito da moral: a estrita legalidade, como se viu amplamente neste livro, exige moral e politicamente dos juízes que eles julguem apenas de forma jurídica e não também moral e politicamente, e apenas os fatos e não os seus autores. 
 
(FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 741)

24 de março de 2014

Estelionato Legislativo

 
Praticado o crime, o direito de punir do Estado torna-se concreto. A persecução penal estatal ocorre em duas fases, quais sejam: extrajudicial, em regra, pela via de inquérito policial no âmbito da Polícia Civil; e judicial, em sede de processo criminal na esfera do Poder Judiciário.
 
Em ambas as instâncias de apuração do crime, há reunião de elementos com a finalidade de demonstrar a materialidade, a autoria e a participação delitivas, com a reconstrução histórica do fato criminoso, para, assim, aplicar o direito.
 
Em corolário, o ordenamento jurídico não faz qualquer distinção do falso testemunho praticado na fase extrajudicial daquele havido na fase judicial. Ainda, a atenuante da confissão tem incidência mesmo que ocorrida apenas na primeira fase da persecução criminal. Logo, não é difícil concluir que o Estado zela pela idoneidade da colheita da prova em todas as fases de apuração do delito. 
 
Edmond Locard ensinou que “o tempo que passa é a verdade que foge”. Por isso, no que concerne à valoração das provas, avulta com destacada importância o “depoimento em bruto”, que é aquele colhido logo após o crime, no calor dos acontecimentos, em que as testemunhas demonstram o que de fato viram, ouviram e sentiram.
 
A experiência confirma que, com o passar do tempo, surgem, entre outras coisas, esquecimento, coação psicológica ou física, sugestão de terceiras pessoas, autossugestão, doença, temor ou morte, que podem anuviar a verdade fática.
 
Não por outra razão que é comum presenciar, quando da colheita da prova oral no âmbito do Poder Judiciário, a mudança de depoimento, que, paradoxalmente, na fase de investigação criminal, fora prestado com riqueza de detalhes e, por isso, dotado de grande carga de verossimilhança e credibilidade. 
 
Daí a importância também dos elementos probatórios reunidos na primeira fase da persecução penal estatal para a busca da verdade real. É fora de dúvida que o convencimento acerca da culpa criminal depende da análise do conjunto de provas colhido em ambas as fases persecutórias.
 
Todavia, o Anteprojeto do Código de Processo Penal, já aprovado no Senado Federal e agora em trâmite na Câmara dos Deputados, consubstanciado no PL 8045/2010, dentre outras vedações, proíbe, no Tribunal do Júri, que as partes façam menção às provas colhidas na fase de investigação criminal.
 
É o que diz o artigo 391: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – Aos fundamentos das decisões de pronúncia ou das decisões posteriores que jugaram admissível a acusação e aos motivos determinantes do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo; III – aos depoimentos prestados na fase de investigação criminal, ressalvada a prova antecipada.
 
Essa proibição dá um xeque-mate na verdade. Pode fazer do círculo um quadrado. É flagrantemente inconstitucional. 
 
Ora, qualquer um que lida no foro criminal sabe muito bem que, não raro, testemunhas escamoteiam em juízo a verdade dita na fase de investigação criminal. 
 
No Tribunal do Júri, espaço em que impera a democracia no Poder Judiciário, é inadmissível que estabeleçam vedações legislativas ao direito de argumentar das partes e impeçam que o Conselho de Sentença tenha acesso à investigação criminal e ao conteúdo processual.
 
Esse artigo 391 do PL 8045/2010 protege os assassinos, amarra as mãos da verdade, aniquila o bom senso e sequestra a justiça.
 
Basta ler esse dispositivo para perceber imediatamente que ele agirá contra a razão, a lógica, o bom senso, a paz social e ao direito fundamental à vida, em detrimento da proteção da sociedade.
 
É de vital importância pôr às claras que a consequência de sua aprovação mais que previsível é esta: a impunidade!
 
Por outras palavras, é seguro dizer que diante de uma prova coesa e verossímil residente na investigação criminal, basta que as testemunhas se retratem em juízo, mudem de endereço para local incerto ou - numa visão pessimista, mas plenamente possível, frente à atuação de organizações criminosas - que haja suas execuções antes do depoimento judicial para que o assassino alcance, tranquilamente, a impunidade.
 
Salta à vista que, na verdade, essa pretensa inovação jurídica é um perfeito estelionato legislativo, cujos principais lobistas são os especialistas em defender culpados no Tribunal do Júri.
 
Eliminar a possibilidade de exposição dos elementos probatórios colhidos na fase de investigação criminal pelas partes - principalmente, pelo Ministério Público - em plenário do Tribunal do Júri é dar força a quem não deve tê-la - o assassino, subtraindo-se da proteção quem dela necessita - a sociedade. 
 
Resta, pois, evidenciado que não é difícil reconhecer que essa vedação conduz à hipertrofia do braço do crime, ao passo que a sociedade, já prostrada e sem defesa, mais enfraquecida ficará.
 
Assim postas as coisas, isso conduz inexoravelmente a seguinte conclusão: o artigo 391 deve ser banido o quanto antes, ainda em seu nascedouro, do Anteprojeto do Código de Processo Penal, em homenagem à verdade real, à democracia, à liberdade de expressão e, principalmente, em proteção da vida e da sociedade.
 
Se assim não for, haverá, sem qualquer fiapo de dúvida, o recrudescimento do crime e da impunidade, em prejuízo da própria coesão social.
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso, Presidente da Confraria do Júri (Associação dos Promotores do Júri) e Editor do blogue Promotor de Justiça.

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18 de março de 2014

Cartilha do Jurado

https://www.mpmt.mp.br/conteudo_les.php?sid=441&cid=063903
 
Clique na imagem para abrir a Cartilha. Depois de aberta, clique na parte inferior direita para folhear.
 
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14 de março de 2014

Entrevista


Presidente da Confraria demonstra preocupação com rumos da reforma processual e defende Semana Nacional do Júri

Confraria do Júri – Antônio Lemos Augusto

O mês de março de 2014 fará história no Judiciário Brasileiro, com o julgamento, em todo país, de aproximadamente três mil processos de crimes dolosos contra a vida. A iniciativa, envolvendo os conselhos nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP), é um duro golpe na impunidade. São cerca de três mil crimes, que se relacionam a milhares de vítimas e seus familiares. Em Mato Grosso, serão 68 julgamentos. No Ceará, a previsão é de mais de 300 sessões (clique aqui e veja previsão do CNJ).
 
O presidente da Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri), César Danilo Ribeiro de Novais, é um dos entusiastas do mutirão. Promotor de Justiça na comarca de Chapada dos Guimarães (MT), participou de 174 sessões do Júri em dez anos de Ministério Público, em nove comarcas diversas de Mato Grosso, incluindo a capital. Nesta entrevista, César Danilo defende rigorosamente o Tribunal do Júri e manifesta preocupação com o rumo que a reforma do processo penal está tomando no Congresso Nacional.
 
A Semana Nacional do Júri pode ser considerada como reconhecimento, pelo CNJ e CNMP, de que existe um gargalo na quantidade de julgamentos de crimes dolosos contra a vida no país?
 
Sem sombra de dúvida, a resposta é um absoluto sim. Como todos sabemos, a solução das lides no Judiciário é muito lenta. Com o processo afeto ao Tribunal do Júri ainda mais, por contemplar um procedimento bifásico e um julgamento solene. Além disso, em regra, a defesa dispõe de uma miríade de recursos para procrastinar a realização do julgamento, até como estratégia, em busca de um possível esquecimento do crime pela sociedade. Isso é elevado à décima potência quando o réu responde ao processo em liberdade. Tudo isso coopera para a prestação de uma justiça tardia.
 
Existe a crítica de que a morosidade na tramitação do processo de crime doloso contra a vida se relaciona, também, à necessidade da composição do júri. É verdadeira a interpretação de que o julgamento pelo juiz togado agilizaria a tramitação processual?
 
Podemos afirmar com tranquilidade que o processo afeto ao Tribunal do Júri é guiado pelo procedimento mais solene da seara Processual Penal e que lida com valores de alta hierarquia da humanidade (vida, liberdade e justiça), o que reclama uma instrução probatória séria e completa, bem como um estudo acurado do processo pelas partes, para que, assim, haja um julgamento justo, com a absolvição do inocente ou condenação do culpado. Em tese, o julgamento pelo juiz togado poderia agilizar o trâmite processual e adiantar a prestação jurisdicional. Vale ressaltar, porém, que os executivos de penas são decididos pelo juízo monocrático, porém, vemos o caos instalado nas varas de execuções penais de todo o país. Portanto, a premissa não procede.
 
A legislação processual penal recebeu profundas alterações nos últimos anos no que tange ao Júri. A jurisprudência formada após 2008 pode ser considerada como favorável à sociedade no que tange aos julgamentos de crimes dolosos contra a vida?
 
Em geral, a Lei n.º 11.689/2008, que reformou o procedimento dos crimes dolosos contra a vida, atendeu mais aos anseios da advocacia criminal do que aos interesses da sociedade. Quase não se ouviu os membros do Ministério Público no processo legislativo. Cito, por exemplo, duas novidades trazidas por essa lei que atendeu claramente aos interesses dos criminalistas em detrimento da defesa da vida e da sociedade, quais sejam: o quesito obrigatório “o jurado absolve o acusado?” e as vedações trazidas pelo artigo 478.
 
A primeira já causou muita injustiça e impunidade em centenas de julgamentos no Brasil. Vale dizer, mesmo que a tese única da defesa tenha sido a negativa de autoria ou participação, é dever submeter ao Conselho de Sentença o referido quesito. E não é incomum vermos o Conselho de Sentença, mesmo reconhecendo a autoria, paradoxalmente, absolver o assassino, por puro erro de entendimento sobre a indagação, quando da votação do quesito obrigatório. É a porta larga da impunidade em forma de novidade legislativa.
 
A segunda inovação teve endereçamento certo: o Ministério Público. Impediu-se o Promotor de Justiça de informar a verdade, os fatos processuais, aos juízes da causa. No Júri, deve imperar o debate democrático de ideias e, principalmente, o direito à liberdade de expressão. Cada argumento tem seu contra-argumento; cada prova tem sua contraprova; cada tese tem sua antítese. Incumbem, pois, às partes anotá-las e contraditá-las, com olhos voltados ao convencimento dos jurados. Afinal, como ensina a retórica, há argumentos para toda e qualquer tese. Basta elegê-los. No entanto, o legislador lançou mão desse artifício com o escopo de manietar e amordaçar o membro do Ministério Público, em prejuízo da verdade real, da democracia, da liberdade de expressão e, principalmente, da justiça.
 
Toda mudança legislativa deve produzir efeitos benéficos para a sociedade. Única razão de ser dela. E isso não se viu nessa lei. Infelizmente, a jurisprudência, desprezando o exercício da filtragem constitucional, tem ratificado esse absurdo legal. Portanto, tem faltado prudência no julgar, como era de se prever, já que os arestos têm enfraquecido a proteção do corpo social.
 
E o quadro vai piorar ainda mais se o anteprojeto do Código de Processo Penal, já aprovado no Senado, for aprovado como está na Câmara (PL 8045/2010). Isso porque seu artigo 391 repete a atual redação do 478, com um acréscimo deletério: fica proibido que as partes façam referência aos depoimentos prestados na fase de investigação criminal. A experiência demonstra que, no calor dos fatos, as testemunhas tendem a declararem o que realmente presenciou. Com o passar do tempo, vem o esquecimento, a mudança de endereço para local incerto, a (auto)sugestão e a influência dos envolvidos (acusado, vítima, familiares e advogados). Ora, o depoimento deve ser sopesado pela verossimilhança e não pela fase da persecução penal do Estado em que fora colhido. O novo dispositivo, se aprovado, será mais uma porta larga para impunidade. Em outras palavras, diante de uma prova coesa, verossímil e bem colhida na fase de investigação, basta que as testemunhas se retratem em juízo, mudem de endereço para local incerto ou - numa visão pessimista, mas possível, mormente no que diz respeito às organizações criminosas - que haja seus assassinatos antes do depoimento judicial para que o acusado alcance a impunidade.
 
O que seria necessário alterar na legislação processual penal em relação ao Júri?
 
São necessários alguns ajustes. Mencionarei alguns.
 
Primeiro, eliminar essas excrescências citadas.
 
Segundo concretizar o princípio da soberania dos veredictos, resguardando-se a imutabilidade do julgamento pelas instâncias superiores. Veja, pois, um contrassenso: apelação contra sentença do Júri - obviamente descoberta da coisa julgada - não admite que o tribunal absolva aquele que foi condenado, mas, estranha e contraditoriamente, isso é permitido em sede de Revisão Criminal que – detalhe – ataca a coisa julgada material. Quer isso dizer que a sentença condenatória do Júri acobertada pela coisa julgada vale menos que aquela despida de cláusula de imutabilidade.
 
Terceiro, dar cabo a esse simulacro de justiça em que o réu é condenado pela sociedade (democracia direta) e sai caminhando livre, leve e solto, saindo pela mesma porta que jurados e familiares da vítima, gozando de deu direito de apelar em liberdade.
 
Quarto, ao receber a denúncia e, depois de apresentada a defesa preliminar, deveria a lei prever que o juiz decidisse pela absolvição sumária, impronúncia ou pronúncia do acusado. Em regra, é contraproducente ouvir testemunhas por duas vezes em juízo.
 
Você é favorável à ampliação da competência do Tribunal do Júri para outros crimes, como latrocínio e lesão corporal seguida de morte?
 
Sem dúvida. A leitura de crime doloso contra a vida não pode seguir o método formal, mas o substancial. Cabe, mutatis mutantis, aplicar o critério diferenciador entre tipicidade formal e tipicidade material. Assim, nos delitos complexos, em que há ofensa ao direito à vida, é de rigor que sejam submetidos ao julgamento pelo Júri. E mais: penso que isso não reclama alteração legislativa, basta uma revisão de hermenêutica jurídica.
 
Você é favorável à transmissão do Júri ao vivo por meios de comunicação?
 
Alguém já disse, muito bem, que o Júri é o julgamento do povo, pelo povo e para o povo. O Tribunal Popular tem por sentido democratizar a justiça criminal. É a invasão da democracia no Judiciário em busca de justiça popular. Logo, a transmissão do Júri ao vivo iria ao encontro dessa finalidade, massificando esse importante mecanismo de julgamento no seio social.
 
O MP-RJ divulgou, nesta semana, que "a violência doméstica é a principal causa de morte entre mulheres de 16 a 44 anos de idade e mata mais do que câncer e acidentes de trânsito". Em sua prática, você tem observado que os jurados estão mais sensíveis aos crimes de violência doméstica que resultam em julgamentos no Júri?
 
De fato, a violência de gênero é destacada causa mortificante de mulheres. Para ter uma ideia da triste realidade, um estudo criterioso divulgado recentemente - “Mapa da Violência de 2012: Homicídios de Mulheres no Brasil” colocou o Brasil na 7ª posição de índice de feminicídios entre 84 países. Conforme a pesquisa, a taxa de homicídio no país ficou em torno de 4,4 vítimas para cada 100 mil mulheres. El Salvador encabeça o ranking, com taxa de 10,3 vítimas para cada 100 mil mulheres. O Brasil aparece atrás apenas de Trinidad e Tobago (7,9), Guatemala (7,9), Rússia (7,1), Colômbia (6,2) e Belize (4,6). Noutra ponta, aparecem Marrocos, Egito, Bahrein, Arábia Saudita e Islândia com taxa zero. Chama atenção o fato de 69% das mulheres-vítimas, atendidas pelo SUS - Sistema Único de Saúde brasileiro, terem sido violentadas no ambiente doméstico. Ou seja, a violência que acontece no lar é praticada por quem, supostamente, deveria amar e proteger a vítima. Da minha experiência no Tribunal do Júri, posso afirmar com segurança que a sociedade, representada pelos jurados, não mais tolera a violência contra a mulher. Tenho observado a afirmação e rigidez na defesa dos valores inerentes ao gênero feminino pelo Conselho de Sentença.
 
Discute-se se o aumento de pena para os crimes seria a solução mais adequada para o sistema penal brasileiro. É esta a sua opinião?
 
Nelson Hungria, no século passado, já ensinava que são de duas ordens os fins da pena: retribuir o mal causado pelo infrator e servir de instrumento de prevenção de futura delinquência. Isso significa dizer que pena é intimidação, exemplariedade. Pena que dá pena não é pena. E a impunidade é um dos motores dos crimes. No Brasil, por força do absoluto descaso com a segurança pública e a execução penal por parte dos governantes, temos assistido uma política criminal de progressiva descarcerização. Como não constroem penitenciárias, implementam sucessivos benefícios em favor daquele que quebrou o contrato social. A prisão é um faz-de-conta, a impunidade grassa. É imperioso que o país resolva a falta de segurança pública não pelo abrandamento da legislação penal e de execução penal, como tem feito, justo num momento em que vivemos o cúmulo da violência.
 
Em sua prática, considera-se normalmente satisfeito com a dosimetria da pena aplicada pelos magistrados?
 
Não. Como qualquer observador do Código Penal sabe, o preceito secundário dos tipos penais contempla a pena mínima e a máxima. O seu artigo 59 traz todas as diretrizes para a aplicação da pena. Todavia, a rega é que os juízes seguem um padrão bem definido: 1 qualificadora: 12 anos; 2 qualificadoras: 14 anos. Em regra não analisam as peculiaridades dos crimes, mas buscam nivelar todos por baixo. É a política da pena mínima. E assim fazem sob a batuta da jurisprudência dos tribunais.
 
O Tribunal do Júri pode ser considerado como cláusula pétrea constitucional?
 
Sim, tanto sob o aspecto formal (arrolado no art. 5º da CF) quanto material (um direito e uma garantia fundamental).
 

10 de março de 2014

Tribunal do Júri: A Democracia no Judiciário


 
No mês de março, ocorre a Semana Nacional do Júri, com mutirão de julgamentos de processos criminais que contemplam crimes dolosos contra a vida em todo o país. 
 
É fato marcante para a sociedade brasileira dada a importância cívica experimentada no Tribunal Popular pelos cidadãos que servem ao Conselho de Sentença, em um claro exemplo de exercício de democracia e cidadania.
 
Isso porque, segundo o artigo inaugural da Constituição Federal, todo poder emana do povo, que, em regra, é exercido por seus representantes. É a previsão mais clara do princípio democrático e da soberania popular.
 
Assim, incumbe ao povo escolher seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo. Todavia, isso não se vê no Poder Judiciário, já que seus membros, em regra, assim se tornam pela via de concurso público, e não de eleição. Neste Poder vigora a meritocracia e não a democracia.
 
Logo se constata que o Poder Judiciário carece de lastro democrático em sua composição. Todavia, compensando esse déficit de democracia, o legislador constitucional arrolou dentre os direitos e garantias fundamentais a instituição do Tribunal do Júri, com a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida.
 
Isso importa dizer que os juízes de direito julgam a esmagadora maioria dos crimes, porém, aqueles que ofendem a fonte de todos os direitos, qual seja, a vida, são julgados pelo povo, que compõe o Tribunal do Júri.
 
Dessa forma, são os cidadãos que julgam o semelhante acusado de prática de homicídio, participação em suicídio, infanticídio ou aborto. Nesta nobilíssima função de juízes, os jurados exercem o poder sem intermediários, estão no exercício ostensivo da cidadania e são os protagonistas na aplicação da justiça ao caso concreto.
 
Para tanto, a decisão dos jurados é soberana, o que significa dizer que a última palavra nos crimes dolosos contra a vida não pertence ao juiz, desembargador ou ministro, senão ao povo.
 
E mais: o jurado, em sua cara missão, no exercício pleno de cidadania, tal qual ocorre no sufrágio eleitoral, detém o voto secreto e imotivado, pelo simples fato de estar exercendo o poder que lhe pertence, sem mediadores. Basta um “sim” ou um “não” para absolver ou condenar a quem julga, desincumbindo-se de resposta a qualquer “por que?”.
 
Daí a grandeza do Tribunal do Júri, que, além de ser a única porta de entrada da democracia no Poder Judiciário e ostentar o exercício vivo da cidadania, lida com os maiores valores da humanidade, quais sejam: a vida, a liberdade e a justiça.
 
Alguém poderá dizer que o juiz de direito é mais capacitado para julgar do que o jurado. Contudo, valem as palavras de Magarinos Torres, antigo juiz do Júri: “Ninguém dirá que um sábio julga melhor que o leigo o seu vizinho”. O jurado, ainda que não letrado na ciência jurídica, traz consigo a centelha divina e sabe muito bem discernir o certo do errado, o lógico do ilógico, o racional do irracional, o bem do mal, o justo do injusto, o legal do ilegal e o que deve do que não deve ser feito.
 
Bem se conclui que o Tribunal do Júri é o palco democrático do Judiciário em que o povo tem vez e voz. Nesse palco, a justiça é fruto de genuína democracia, pois decorre diretamente do homem e da mulher de bem componentes do povo.  
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Presidente da Confraria do Júri – Associação dos Promotores do Júri, Editor do blogue Promotor de Justiça e Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso.

7 de março de 2014

Palpiteiros

 
"Com exceção de alguns filósofos escravizados pelo método, e de alguns devotos roídos pelo escrúpulo, todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluidas que formamos as nossas maciças conclusões... Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante." (Eça de Queirós, in A Correspondência de Fradique Mendes)

5 de março de 2014

Justiça com as próprias mãos

 
O surgimento de grupos de justiceiros no Rio de Janeiro, revelados quando um garoto foi espancado e preso pelo pescoço a um poste, é um sinal de alerta que não pode ser negligenciado. Ele aponta numa direção muito perigosa, na qual as pessoas não reconhecem mais a noção de Estado, retornando da civilização à barbárie. Se parece exagero, é bom lembrar que para muitos o momento fundador da civilização é quando todas as pessoas abrem mão do uso da força física, delegando exclusivamente ao Estado essa prerrogativa. Fazer justiça com as próprias mãos seria, literalmente, barbaridade.
 
Ocorre que o senso de injustiça é muito arraigado em nós. Pesquisas com diversas espécies animais mostram que essa noção tem origens antigas na escala evolutiva: de ratos a gorilas, punir infrações parece ser útil há muitas eras. Noções de dano, contaminação, deslealdade e desobediência sinalizam em nós com muita força as sensações de certo e errado, automaticamente dando origem a desejos de vingança ou reparação. Mas ser civilizado significa exatamente conseguir conter tais impulsos primitivos, franqueando às autoridades superiores a efetivação da justiça.
 
Quando as pessoas sentem que podem – ou que até devem – tomar de volta a possibilidade de usar a força física, com a alegação de que estão fazendo justiça, a mensagem transmitida é que não se crê mais no pacto social. Quer por falta de ação do Estado, quer por excesso de violações com que se deparam, elas considerarem que seu senso de justiça não está satisfeito e resolvem agir por si mesmas. A gravidade está no fato de isso indicar uma situação de anomia, na qual os fundamentos da sociedade colapsam levando à ausência de regras e consequente incapacidade de adequação aos padrões de conduta.
 
Forma-se um círculo vicioso no qual as pessoas se sentem injustiçadas, não creem na ação do Estado e por isso rompem o pacto social, o que gera mais injustiça. É um dos poucos momentos em que não há muita margem para debate: tanto quem está à esquerda como quem está à direita concorda que a única saída é o resgate da legitimidade do Estado.
 
Por Daniel de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em ciências e bacharel em filosofia, ambos pela USP.

Atuação

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Você sabia?

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)