Muito se tem falado a respeito do desproporcional aumento do índice de criminalidade do país. Vários diagnósticos, acompanhados de estratégias terapêuticas foram lançados, assim como identificados fatores de correção e reabilitação, reduzindo a crise a uma questão essencialmente política e social, erigindo-a à categoria de problema científico e, como tal, a aplicação de métodos pré-concebidos e esquemas conceituais para solucioná-la. Sem sucesso, no entanto.
Em mais uma cunha fincada neste reiterado assunto, propõe-se uma análise objetiva, com o conteúdo voltado para a realidade, procurando, como qualquer cidadão quer, uma resposta que possa ser geradora da paz social. Além do uso e tráfico de drogas, de armas, do desemprego, do paradoxo da tecnologia com a miséria, do niilismo cultural, outro fator se apresenta como responsável pela desorganização do Estado organizado: a legislação penal brasileira, branda, complacente, distribuindo indulgências e deferências ao infrator.
A parte final do artigo foi emprestada do livro escrito por Arruda Campos, em 1959, editado pela Saraiva. Na obra, o autor faz ver que a lei gera o crime. Parte do princípio que representa o interesse dos grupos dominantes e o Judiciário, como escravo da lei, deve fazê-la imperar, mesmo sem o apoio do povo, pois o critério da lei é o antijurídico e não o antissocial. Não é dado ao Judiciário discutir a intenção da lei e nem escolher seus destinatários. Assiste de braços cruzados a bancarrota social e não pode aplicar nem mesmo a analogia para alcançar nas suas malhas os que circulam entre os artigos do Código Penal, em razão do princípio de que não há crime sem lei anterior que o defina. O Ministério Público, por sua vez, atrelado à idêntica reserva legal, apesar de toda boa intenção, não entrega à sociedade uma resposta penal que seja satisfatória. O Parquet reúne mais mecanismos de eficiência na ação civil pública do que na persecução penal sob sua responsabilidade.
A lei é feita para todos, de forma indistinta, sem indagar se o cidadão é do bem ou voltado para a vida criminosa. A presunção da lei – Código Penal data de 1940 - é a de que toda pessoa seja honesta e, se delinquiu, tem o voto de credibilidade para se inserir na reabilitação social. A realidade brasileira é destoante do pensamento de nosso legislador penal. O crime, que era tratado em sua individualidade, muitas vezes com gravames insignificantes para a sociedade, hoje, mais do que maduro, invade o grupo social e, de forma orquestrada, faz o cidadão refém e prisioneiro, demonstrando a conquista do poder pela força e intimidação.
Para combater o mal que assola o país, urge que o nosso Parlamento faça uma revisão legislativa penal e dote o Ministério Público com um poder investigatório mais condizente com sua missão constitucional, respeitando sempre os resguardos pétreos e o Judiciário com leis mais rigorosas para combater não só a criminalidade individual como a organizada, que vem se acumulando de forma robusta, para que, diante do império da lei, seja retomada ordem social. É preciso fazer prevalecer que a lei é feita para proteger a pessoa que vive, palpita, tem sonhos e chora e não a que destrói vidas e anseios humanos.
Não há necessidade de se retomar o espaço que é do povo e administrado pelo Estado. Basta retirar a raposa da condição de guardiã do galinheiro.
Por Eudes Quinteno de Oliveira Jr., Promotor de Justiça aposentado (MP/SP).
Um comentário:
Bem intencionado o texto do promotor, mas é indesmentível o fato de que o poder público, representado pelo poder executivo, legislativo e judiciário há muito tempo abandonou a população à sua própria sorte.
E começou a abandonar seu próprio povo quando aceitou e até incentivou as obscenas vantagens e privilégios que lhes ofereceram na assembléia constituinte de 1988, um marco na história da perversão política e social do Brasil, disfarçada por seus beneficiados com o nome de "constituição cidadã".
O promotor acha estranho que seja noticiada de forma tão incisiva a existência de um poder paralelo formado pelo crime organizado. Ele existe e atua de forma esmagadora. A prova é que o promotor pode andar pelas ruas de sua cidade e apresentar sua identidade funcional. Mas se o fizer nos morros cariocas dominados por facções criminosas, sabemos que seu corpo jamais será encontrado, assim como aconteceu com o jornalista Tim Lopes e com milhares de outros brasileiros comuns e desconhecidos.
Também nosso parlamento não vai fazer uma revisão das leis porque é ele que cria leis que beneficiam os criminosos. Envolvido em grave e secular corrupção e que se agravou incrivelmente depois da saída dos militares do poder, nossos políticos legislam em causa própria, de forma perversa e pouco se importando com o sofrimento dos cidadãos.
Milhares de pessoas agonizam e morrem na porta dos hospitais públicos enquanto que isso não acontece com um único vereador ou deputado brasileiro, os mesmos que controlam, administram e manipulam como bem entendem as verbas públicas para a saúde.
É preciso ainda alguma prova a mais de que o crime organizado já tomou conta do poder legislativo?
O que acontece nos morros cariocas é apenas a obediência desse mesmo poder público às ordens de estrangeiros que exigem um enfrentamento momentâneo do exército do crime para que seus lucros nas planejadas competições da Copa do Mundo e das Olímpiadas não sejam prejudicados.
Na verdade, entre o pequeno contingente de policiais decentes, cresce a certeza de que estão apontando suas armas para o lado errado.
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