A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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5 de outubro de 2011

Quem julga os julgadores?


Mais do que formas platônicas e paradoxos matemáticos, a pergunta do título evoca um problema organizacional concreto dos Estados modernos, do que dá prova a polêmica em torno do CNJ.

A corregedora do órgão, Eliana Calmon, afirmou que a magistratura tem "gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás das togas". Traduzindo para a lógica formal, ela proferiu um juízo particular contingente que pode ser resumido na fórmula: "existem magistrados corruptos".

Até as pedras sabem que isso é verdade no Brasil, na Finlândia, em Vanuatu e provavelmente em qualquer lugar onde interajam juízes, jurisdicionados e dinheiro.

O CNJ, porém, não partilha da sabedoria das rochas. Doze dos 15 integrantes do conselho assinaram uma nota em que repreendem a corregedora por "acusações levianas". Como não há justificativa lógica para essa interpretação, é forçoso concluir que foi mais o "esprit de corps" do que a boa hermenêutica jurídica que moveu os magistrados, o que nos leva ao cerne do problema: o corporativismo inscrito na natureza humana.

Já no século 18, os primeiros teóricos da democracia perceberam a necessidade de dotá-la de um sistema de freios e contrapesos pelo qual diferentes agentes e segmentos do Estado limitariam o poder uns dos outros.

A coisa funciona melhor na teoria do que na prática. Algumas pontas, como a dos que julgam os julgadores, acabam meio soltas. De um lado, esses metajuízes precisam ter o saber técnico, o que praticamente limita a escolha a magistrados. De outro, é preciso evitar os perigos do corporativismo, do qual, como vimos, nem a cúpula do Judiciário está livre.

Aqui, não há solução perfeita. O julgamento "inter pares" pode ser uma necessidade, mas o "inter compadres" não. Se não há como evitar que um juiz seja julgado por outro juiz, é preciso impedir ao menos que seja o seu amigo e vizinho de sala.

Por HÉLIO SCHWARTSMAN - Jornal "A Folha de S. Paulo" de 04/10/11.

Um comentário:

Vellker disse...

Corajosa e correta a atitude da juíza Eliana Calmon ao denunciar no meio jurídico e para a sociedade em geral a existência de criminosos entre magistrados.

Associações de magistrados como a AMB não falam sempre na "participação democrática da sociedade" ou "mobilização da sociedade" nesses debates? Mas quando chega a hora de se debater de forma clara tudo isso, aí não pode, aí todos tem que ficar em silêncio?

Nessas horas, então a "mobilização da sociedade" se resume a assistir calada um julgamento secreto a portas fechadas onde os magistrados corruptos ou envolvidos com o banditismo, como bem denunciou a juíza Eliana Calmon, saem "sentenciados" com uma gorda aposentadoria paga por essa mesma sociedade?

Talvez seja essa a idéia de "moblização da sociedade" que certas associações de magistrados tem, a sociedade trabalhando para pagar a farra vitalícia de corruptos que pela lei de um sistema civilizado deveriam defendê-la.

A juíza Eliana Calmon hoje segue o caminho ingrato de ser realmente corregedora, de realmente dizer o que deve ser dito, de realmente fazer o que tem que ser feito.

Magistrada semelhante no agir e no sentenciar foi a juíza Patrícia Acioli, cuja memória sempre será lembrada pela sociedade brasileira.

Prova de que o caminho trilhado pela juíza Eliana Calmon nada tem de fácil.

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