A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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4 de outubro de 2011

Desonesto é o outro

Cumprindo promessa de pai, criei coragem e encarei uma noite de Rock in Rio com minha mulher e filhas e fomos todos assistir ao show da banda Red Hot Chili Peppers. Dentre as incontáveis explorações a que são submetidos os turistas em eventos desse tipo, partilho com os leitores uma especificamente e que me colocou para pensar: ao sair do show, já por volta das 3h, percebi que os taxistas estavam fazendo uma espécie de leilão para conseguir o melhor preço nas corridas, pois o número de passageiros era muito maior do que o número de táxis disponíveis no local.

Portanto, aproveitando-se da oportunidade criada pela realidade de público do evento, da desorganização dos meios de transporte coletivo e do cansaço do público, os taxistas abandonaram o taxímetro e passaram a cobrar valores fixos exorbitantes dos passageiros, que não tinham outra opção senão submeterem-se ao abuso de direito dos profissionais do referido segmento profissional.

Até aí nenhuma novidade. Simples aplicação da anticristã, mas muito bem aceita neste país de cristãos convictos, Lei de Gérson: “gosto de levar vantagem em tudo, certo?” (os mais velhos lembrar-se-ão até do sotaque do garoto propaganda). O que me surpreendeu foi ter que ouvir do taxista que contratei para me explorar – sujeito esclarecido e bem articulado – um belo discurso acerca da moralidade, da corrupção no Brasil e das questionáveis qualidades morais dos nossos representantes políticos.

O episódio me fez refletir: desonesto é o outro. Somos um povo especializado nesse tipo de hipocrisia, ou seja, apontar o erro do outro, mesmo que estejamos afundados até o pescoço e chafurdando satisfeitos no lamaçal da imoralidade e da corrupção. Mergulhados na desonestidade, batemos no peito e anunciamos ao mundo nossa grandeza moral. Como somos hipócritas! Não temos o menor pudor em condenar no outro exatamente aquilo que faríamos se estivéssemos em seu lugar.

Eis nossa triste realidade: subornamos o agente policial quando somos flagrados cometendo infração, trocamos nosso voto por areia, cimento, tijolo, dentadura, emprego etc; enchemos a cara de bebida alcoólica e saímos com nossas máquinas de matar pela cidade; conseguimos atestados médicos sem estar doente, só para faltar a trabalho; registramos imóveis no cartório com valor abaixo do preço da compra, forjamos recibos de despesas inexistentes, tudo para pagarmos menos impostos etc. etc... mas nos fazemos passar por honestos.

É claro que, com um mínimo de criatividade, muitas outras de nossas qualidades imorais poderão ser acrescidas ao rol acima. Agora, o que mais impressiona é que ninguém se assume com essas características. Embora, enquanto povo, sejamos a antítese do que se espera de cidadãos honestos, conscientes e responsáveis, adoramos verbalizar a moral e criticar a desonestidade dos políticos, como se esse vício fosse exclusividade dessa classe de brasileiros.

Chega de tanta hipocrisia! É preciso, a meu ver, tocar na ferida: o caráter do povo brasileiro (ou a falta dele). Ora, nenhum povo submete-se livre e conscientemente à corrupção, como fazem os brasileiros, sem motivo. Não é crível que o fazendeiro zeloso delegue à raposa o dever de zelar pelo seu galinheiro. Não é natural que os cidadãos deste país vejam os gestores públicos desviando o dinheiro da educação, da saúde e das obras públicas para os seus próprios bolsos e não façam nada, ou, quando muito, comentem o assunto em algum botequim durante o Jornal Nacional.

Conformamo-nos com isso porque somos um povo corrupto. Somos todos raposas. Essa é a verdade, respeitada a relatividade do conceito. Somos desonestos. Invejamos os que têm a oportunidade de apropriar-se do público para resolverem sua vida privada, de seus parentes e amigos e, assim como eles, fazemos belos discursos em homenagem à honradez e à retidão de caráter. São eles, a rigor, o nosso alterego. Repetimos palavras, palavras e palavras, nada mais que palavras. Um é o discurso outra é a conduta. Aos que se propõe a lutar contra a roubalheira e as falcatruas, taxamo-los de perseguidores e de idiotas que não têm mais o que fazer senão perseguir os honrados ocupantes dos cargos públicos.

Honestidade, para nós, é um valor que se perdeu na noite dos tempos. Valorizamos e admiramos os ladrões que roubam, mas fazem. Daí elegemos, reelegemos e elegemos de novo criaturas totalmente despreparadas para o munus público. São excelentes negociadores, especialistas em ganhar dinheiro e ótimos financistas, mas que não enxergam um palmo além de seus interesses egoísticos e que convertem o público em privado, submetendo o orçamento público da União, dos Estados e dos Municípios aos seus interesses patrimoniais e de seus familiares.

Nada obstante, julgamo-nos alegres, espertos e inteligentes. Como mudar esse estado de coisas? Somente homens e mulheres de bem poderão transformar isso. Note que ser homens e mulheres de bem não carece de perfeição, mas de vibração na frequência da solidariedade e da responsabilidade para com o próximo. A perfeição é algo muito distante de nós humanos. Sejamos, pois, imperfeitos, humanos, demasiadamente humanos. Mas sejamos humanos iluminados por uma centelha divina interna que nos faça enxergar para além de nossos umbigos e ver no exercício dos valores da honestidade e da solidariedade um tesouro muito maior do que qualquer quantia de dinheiro ou de poder que alguém possa amealhar na Terra.

Quando um homem investiga sua consciência e conclui que não vendeu sua alma para o Diabo para subir na vida e que não precisa justificar para si mesmo e para Deus as cafajestagens que já fez (ou faz) durante o curso de sua existência, sente-se limpo, sem corrupção. Dorme o sono dos justos. E dormir o sono dos justos é prêmio que não pode ser obtido apostando na loteria Mega Sena. Quiçá um dia possamos ensinar isso às nossas crianças e jovens.

Quando as futuras gerações compreenderem a grandeza dessa lição, o Brasil será outro país, com muito mais justiça e igualdade social, porquanto seremos governados por políticos verdadeiramente honestos e não que se dizem honestos, sendo que os que ousarem usurpar o erário serão banidos da vida pública, posto que já não existirá espaço para a subserviência e a espúria troca de favores que grassa hoje em nosso país. Sonhe comigo esse sonho. E trabalhemos em prol de sua realização!

Por Jorge Paulo Damante Pereira, Promotor de Justiça no Mato Grosso.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)