Sentença nº /2011-B – 5ª Vara – tipo C
Processo 28561-68.2011.4.01.3400
Ação Civil Pública
Defensoria Pública da União x União
SENTENÇA
1. RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública proposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em face da UNIÃO, com pedido de liminar para que a União recolha o livro de língua portuguesa Por Uma Vida Melhor, de autoria de Heloísa Ramos, em colaboração com outros autores.
Como pedido final, requer a confirmação da liminar e que a União seja proibida de adquirir novos exemplares do livro.
Em breve síntese, alega que o livro considera válido o uso da língua popular, mesmo com erros gramaticais, o que ocasiona prejuízo aos estudantes, que possuem direito à educação adequada.
Inicial às fls. 03/25, com documentos.
O despacho de fl. 208 determinou oitiva preliminar da União.
A Defensoria Pública juntou novos documentos.
Às fls. 227/242, a União apresentou manifestação preliminar, juntando documentos.
À fl. 348, a União requereu a juntada de decisão de inquérito administrativo instaurado pelo Ministério Público Federal, que concluiu pela inexistência de irregularidades no livro didático objeto dos autos.
É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública não é ampla, pois a lei não poderia, por óbvio, alterar o perfil constitucional da nobilíssima instituição.
De fato, tenho que a Constituição, ao instituir tanto o Ministério Público, quanto a Defensoria Pública, criou atribuições específicas para cada uma das instituições e as mesmas não se confundem.
O perfil constitucional da Defensoria está previsto no artigo 134 da Constituição:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
Assim, à Defensoria Pública cabe o papel, que é da maior importância, de ser a defensora jurídica dos necessitados.
Já as atribuições do Ministério Público estão instituídas no artigo 129 da Constituição, dentre as quais destaco a prevista no inciso III, de promover a defesa de interesses difusos e coletivos:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Assim, quando a Lei da Ação Civil Pública conferiu legitimidade ativa à Defensoria, ela não o fez para transformar a Defensoria Pública em um segundo Ministério Público, com risco de prejuízo às suas atividades próprias, mas para possibilitar-lhe a defesa coletiva dos necessitados.
E transformar a Defensoria Pública num segundo Ministério Público apenas prejudicaria a defesa dos necessitados, uma vez que é altamente provável que muitos de seus membros, sem verdadeira vocação para a nobre e difícil tarefa de defesa dos necessitados, tentassem se transformar, de fato, em membros do Ministério Público.
É bem verdade que a própria Constituição estabelece que a legitimidade do Ministério Público para as ações civis previstas no artigo 129 “não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”, mas isso não afasta o que acabo de expor, pois a ilegitimidade da Defensoria Pública não decorre de “invasão de competência” do Ministério Público, mas do fato de que a defesa de interesses difusos e coletivos em sentido estrito não se compatibiliza com o seu perfil constitucional.
A Defensoria Pública pode propor ações civis públicas e ações coletivas, mas essencialmente em relação a interesses individuais homogêneos de pessoas necessitadas, para usar a dicção do Código de Defesa do Consumidor.
No presente caso, o objetivo da ação seria tutelar não direitos dos necessitados, mas tutelar o direito da população estudantil de maneira geral, pelo que a Defensoria Pública não tem legitimidade, tratando-se de um direito a, em tese, ser tutelado pelo Ministério Público.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, tendo em vista a ilegitimidade passiva da Defensoria Pública da União para a defesa de direito coletivo que não é apenas dos necessitados, com base no artigo 295, II, do Código de Processo Civil, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL e, consequentemente, JULGO EXTINGO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no artigo 267, I e VI, do mesmo CPC1.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios, a teor dos artigos 17 e 18 da Lei nº 7.347/85.
Tendo em vista o disposto no § 1º do artigo 5º da Lei nº 7.347/85, inclua-se o Ministério Público entre aqueles a serem intimados da sentença (e eventuais atos subseqüentes).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília, 26 de julho de 2011.
Paulo Ricardo de Souza Cruz
Juiz Federal Substituto da 5ª Vara
Um comentário:
Essa sentença diz tudo! O papel da Defensoria Pública está no art. 134 da Carta Magna! Um problema semelhante está ocorrendo no Estado de Santa Catarina em que os Policias Militares estão usurpando a função da Polícia Civil, como por exemplo: instaurar TC; lavrar Boletim de Ocorrência.
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