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18 de julho de 2011

Pode o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva?



(...) trata exatamente de uma das questões polêmicas da nova lei das medidas cautelares. Isso porque a própria lei é contraditória ao afirmar, no artigo 212, §2º, que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público”, enquanto no artigo 310, II, dispõe que, não sendo o caso de relaxamento da prisão ilegal, o magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá “converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do artigo 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.”

Em resumo: Se por um lado o artigo 212, §2º, veda a decretação de ofício da prisão preventiva no curso da investigação criminal, por outro, o artigo 310, II, parece permitir a conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva, por ocasião do recebimento do auto de prisão em flagrante pelo magistrado. Daí a dúvida: pode o juiz converter de ofício uma prisão em flagrante em preventiva?

A resposta, me parece, depende da compreensão de processo que se tenha e, igualmente importante, da leitura do antigo artigo 311 do CPP, reformado pela Lei 12.403/11. Dizia o antigo artigo 311, ao regular a prisão preventiva: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.” Não havia, pela redação anterior, nenhum óbice à decretação ex officio da prisão preventiva no curso da investigação criminal.

Pois bem, o artigo 311 foi reformulado pela Lei 12.403/11 e, na linha do que dispõe o citado artigo 212, §2º, dispõe expressamente que o juiz só pode decretar de ofício a prisão preventiva no curso da ação penal (“em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”)

A interpretação coordenada, pois, dos artigos 282, §2º, e 311 do CPP, com a redação que lhes foi dada pela Lei 12.403/11, indica uma vedação à decretação de ofício da prisão preventiva antes de iniciada a ação penal, ou seja, no período que engloba a investigação criminal, a prisão em flagrante e eventual inquérito policial. Daí uma primeira conclusão no sentido da impossibilidade de conversão ex officio da prisão em flagrante em preventiva.

Mas é possível ir além. Se compreendido o processo penal sob a ótica do modelo acusatório – estruturado na separação das atividades de acusar e julgar -, concluir-se-á que a imposição de qualquer medida restritiva de liberdade apenas tem lugar quando demonstrada, pelo Ministério Público, a sua necessidade para a tutela do processo penal. Neste cenário, ao magistrado imparcial, situado na posição de tutor do devido processo legal (que inclui a irrestrita observância e respeito aos direitos e garantias individuais), competirá analisar o cabimento da medida cautelar requerida e deferi-la ou não, conforme o caso concreto. Também de acordo com esse paradigma acusatório, portanto, é vedado ao magistrado converter, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva.

Assim, tanto pela compreensão do processo penal nos limites do modelo acusatório desenhado pela Constituição Federal, quanto por uma interpretação coordenada dos artigos 282, §2º, 310, II e 311, do CPP, a conclusão que se impõe, no meu entendimento, é no sentido de que o magistrado não poderá converter, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva. O procedimento, nesse caso, deverá ser a homologação da prisão em flagrante e a imediata intimação do Ministério Público para que se manifeste sobre a situação do flagrado, requerendo, se entender necessária, a decretação da prisão preventiva ou de quaisquer das medidas cautelares alternativas.

Por André Machado Maya, assessor de desembargador (TJRS) e mestre em ciências criminais pela PUC/RS.

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