A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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17 de junho de 2009

Usurpadores


Duas decisões recentes do judiciário brasileiro ilustram com perfeição a debacle moral irreversível que vem transformando esse país no paraíso dos criminosos.

Primeira: a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença que absolveu um cidadão de vinte anos por ter mantido relações sexuais com sua namorada de doze. Na justificação da sentença, o Desembargador Mário Rocha Lopes Filho baseou-se em parecer do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “onde prevaleceu a interpretação flexível à rigidez anacrônica do artigo 224a do Código Penal, norma forjada na década de 40 do século XX, porém não mais adequada à hodierna realidade social.”

Com o nome de “flexibilização”, fica assim estabelecido que a prática do sexo com menor 14 anos, se consentida pela criança, não é mais estupro. O Desembargador deixou de informar que a adoção dessa regra é a reivindicação mais essencial e urgente do movimento mundial pró-pedofilia. Também não esclareceu se a liberação da pedofilia consentida vale só para crianças de doze anos ou também para as de cinco, quatro, e assim por diante.

A segunda decisão veio, ao que parece unanimemente, de oitenta juízes das varas de execução criminal no Rio Grande do Sul reunidos com o juiz-corregedor Márcio André Keppler Fraga na sexta-feira passada: não serão mais enviados à prisão os réus condenados que responderam ao processo em liberdade, exceto nos casos de crime hediondo ou se a pena estiver na iminência de prescrição.

A desculpa é a falta de vagas nas cadeias.

Essas duas medidas mostram que: primeiro, os juízes se desobrigam de cumprir as leis, passando a modificá-las ou inventá-las como bem entendam; segundo, usam dessa autoridade usurpada para forçar a introdução de novos critérios que vão diretamente contra as crenças majoritárias da população.

Inconformado com a segunda decisão, o promotor Fabiano Dalazen diz que o Ministério Público tentará derrubar a medida no Poder Judiciário. “Se a lei determina que o sujeito seja preso, ele terá de ser preso”, diz ele, com toda a razão. Talvez ele consiga seu intento, mas quanto tempo falta ainda para que todos os juízes passem a pensar como essa camarilha do Rio Grande?

Tanto eles quanto o Desembargador Lopes, que autorizou a pedofilia consentida, não são representantes confiáveis do Poder Judiciário: são revolucionários cínicos, empenhados em derrubar o sistema desde dentro. Isso não seria tão grave se eles fossem exceções, mas os critérios que eles seguem estão sendo ensinados aos estudantes em praticamente todas as faculdades de Direito deste país: a figura hedionda do juiz-legislador já não é mais exceção e tende a tornar-se dominante num prazo de poucos anos. Quando um desses indivíduos decreta que tal ou qual lei já não serve para a “hodierna sociedade”, ele transforma a moda e o capricho em autoridades soberanas, passando por cima do processo legislativo normal.

Duvido que haja um só deles que não tenha consciência do alcance letal do que está fazendo. As crenças bárbaras da mentalidade revolucionária adquiriram, em suas cabeças, o valor de mandamentos sacrossantos, diante dos quais a Constituição, as leis, e as preferências da população não significam nada. Como novos Robespierres, eles acreditam-se imbuídos do dever de salvar de si mesmos os ignorantes que não pensam como eles. São um novo Comitê de Salvação Pública, e sua vontade é lei.

Continuar acatando suas sentenças, como se a destruição das leis tivesse por sua vez valor legal, é sobrepor as presunções de meros indivíduos à verdadeira ordem jurídica.

Por definição, juízes não legislam. Quando o fazem, tornam-se usurpadores criminosos e ninguém tem o dever de obedecê-los. Cada um tem antes o dever de denunciá-los, de expô-los à execração pública e de fazer o possível para retirá-los de seus cargos antes que cometam mais algum desatino.

Por Olavo de Carvalho, filósofo - Diário do Comércio, 15 junho de 2009.

Um comentário:

Cartas de Política disse...

Realmente o artigo suscita questões que todos nós, cidadãos, gostaríamos que antes de respondidas fossem resolvidas.

O sentença do desembargador, alicerçado numa "flexibilização" da lei, se por um lado é condenável, mostra que por outro em boa parte das leis ainda subsiste uma visão petrificada de tempos que já fazem parte dos livros de História e em alguns casos podem fazer parte de estudos de psiquiatria, como por exemplo as leis sobre prisão especial. Novos tempos, novas leis. Se ao legislativo interessam apenas leis clientelistas, os juízes são obrigados a darem a sentença que considerarem mais justa.

O articulista se sente ainda usurpado por saber que juízes deixam de ordenar a prisão de criminosos com a alegação de que as prisões não tem mais condições de receberem mais presos.

E isso é um fato indesmentível. Estamos em 2009 e ninguém em sã consciência admitiria a existência de prisões medievais, onde os presos são torturados até mesmo pela sua simples presença onde em prédios construídos nos dias de hoje, passam frio, fome, contraem doenças e morrem como se estivessem em masmorras da Idade Média, enquanto lá fora, uma sociedade alheia a tudo isso acha tudo muito certo, mas quando seus filhinhos são presos, querem habeas-corpus já.

Longe das teatrais aparições do juíz Marco Aurélio e suas pregações vazias, o que devemos ver nesse caso é que sim, juízes podem legislar porque a situação jurídica atingiu um grau tão crítico que esse é o primeiro sinal de que a casa política do Brasil já apresenta rachaduras enormes em seus alicerces e vai cair.

Muitas vezes, confrontado com certos fatos, o juíz vê que a letra da lei não serve mais ao que entendemos como ordenamento jurídico e social e assim a reinterpreta. Isso não tem nada de revolucionário. É apenas uma reação natural à falta de instrumentos legais e materiais que lhe permitam dar uma sentença justa. E também uma secessão do grupo dos que querem a aplicação milimétrica da lei, pouco importando suas consequências.

Longe de querer romantizar a imagem do criminoso, uma sociedade deve fazer com que eles paguem seus crimes num sistema prisional rigoroso e que não perdoa suas faltas, porém lhes aplica a pena que merecem, ditadas por um judiciário que dispõe de legisladores conscientes e decentes.

Infelizmente a nossa situação é a de uma sociedade que, presa de um grupo de legisladores inconscientes e indecentes, se vê obrigada, na figura de alguns magistrados a reinterpretar as leis e expôr seus motivos para isto. Nada há de errado nisso.

Fazendo uma analogia com o setor militar, chega um momento em que soldados se sublevam contra seus comandantes porque suas ordens não tem mais sentido, nem mérito, nem coerência.

E o articulista Olavo de Carvalho, com sua erudição devia ver isto antes de nós. Como ele diz, por definição juízes não legislam e então por definição, jurisdicionados não desacatam as decisões dos juízes.

Então como explicar a revolta dos jurisdicionados, cidadãos que se revoltam numa espécie de desacato, ao verem um homem como Pimenta Neves, condenado a 19 anos de prisão por assassinato estar livre? Como explicar a revolta também no caso em que Suzane Von Richthofen, que premeditou o assassinato dos próprios pais está a um passo de ser libertada?

E tudo isto porquê? Pela aplicação fria, eu diria até bovina da lei, da mesma forma como um boi segue uma trilha todos os dias. Há momentos em que a consciência do juíz mostra que alí existe um erro e este momento chegou no Brasil.

Além do mais, se Olavo de Carvalho, numa das voltas da vida, viesse a discutir e matar um opositor num debate, onde ânimos se acirrassem e o controle fosse perdido, pediria o quê?

Habeas-corpus e reclamaria seu direito à prisão especial. E é claro, a responder e apelar em liberdade pela eternidade.

Não seria justo que um juíz então reinterpretasse a lei?

Mais do que pensa Olavo de Carvalho, a eloqüência de um Danton e o implacável espírito de Justiça de um Robespierre mais do que nunca fazem falta nesse Brasil de hoje.

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