Deverás, que advogados, defensores e promotores se tenham deixado desencaminhar pelo canto da sereia feia, vá lá. De há muito que eles se engajaram em lutas por quaisquer bandeiras, não importando a causa, desde que “progressistas”.
É inadmissível, contudo, que um magistrado, com base em princípios lacônicos, fluidos e difusos, crie direito subjetivo à margem da lei, ao arrepio do bom senso. Por mais bem intencionado que seja seu veredicto, os efeitos de sua decisão frequentemente ultrapassam os limites do caso concreto para repercutir nocivamente na economia da sociedade. A denegação de uma reintegração de posse a um proprietário esbulhado em sua propriedade, para invocar um exemplo emblemático, não apenas agride a lei civil e a lei processual, como também estimula outras invasões e provoca novas demandas, que só farão sufocar o já asfixiado Poder Judiciário.
É decorrido o tempo de o Judiciário atentar para o fato de que, ao se deixar seduzir pelo brilho fácil do ativismo judicial, a par de politizar o direito, finda por conferir caráter ideológico a suas sentenças. Certos juízes, muitos promotores, tocados pelos ventos da pós-modernidade, encarnam uma versão “bananeira” do Bom Juiz Magnaud (1889-1904): o juiz francês panfletário. O Bom Juiz, ensina Carlos Maximiliano, era imbuído de ideias humanitárias avançadas, redigia sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes comuns. Panfeltário, empregava apenas argumentos humanos, sociais. Mostrava-se clemente e atencioso como os fracos e humildes, enérgico e severo com os opulentos. Destacava-se, o Bom Juiz, por exculpar pequenos furtos, amparar mulheres e os menores, profligar erros administrativos, atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado. “Nas suas mãos a lei variava segundo a classe, mentalidade religiosa ou inclinações políticas das pessoas submetidas à sua jurisdição.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 100, ed. 1933, Ed. Livraria do Globo)
O atual juiz ativista assim como o Bom Juiz Magnaud são representantes de uma mesma justiça panfletária e factóide. O nosso juiz ativista, contudo, tem a vantagem de contar com as franquias geradas por um certo fetiche constitucional que virou moda e que a tudo quer infundir, desbordando de suas naturais dimensões, para tudo constitucionalizar: o direito civil, o direito comercial, o direito do trabalho. Nada escapa ao ferrete do nosso bom juiz pós-modernista, que pisa e macera leis e códigos no almofariz dos direitos fundamentais (uma espécie de santo graal gramscista), até conformá-los à cartilha do magistrado politicamente correto. Não contente com a nobre função de julgar, ele usurpa a função legislativa, para inovar o ordenamento jurídico, criando direitos subjetivos a seu talante. Inebriado com um ilusório senso justiceiro, e evocando “princípios” como quem entoa cânticos mântricos de alguma seita cabalística, o juiz ativista sucumbe ao sofisma da cultura protetiva do mais fraco.
Sob a pena do juiz ativista, os pobres serão redimidos; os excluídos, reintegrados; os discriminados, reinseridos; os presidiários, libertos. Os ricos serão severa e exemplarmente punidos pelo mais mínimo desvio de conduta; seus estabelecimentos comerciais e suas residências serão tomados de assalto em episódios cinematográficos; suas terras serão arrebatadas pelas mãos sujas dos movimentos sociais. Não satisfeito, o juiz ativista irá imiscuir-se na economia interna das empresas privadas, para impedi-las de demitir seus empregados. Por derradeiro, impingirá toque de recolher aos filhos de todos os pais e toque de silêncio aos pais de todos os filhos. E a toda gente não restará réstia de liberdade sequer.
Sua ânsia por justiça social[-ista] é tamanha que, caso não seja sofreado à mão-tenente dos tribunais, levará a Justiça ao descrédito, o erário à bancarrota e a economia à desestabilização.
Reza a história que o Bom Juiz Magnaud posteriormente achou seu lugar na Câmara dos Deputados.
Por Márcio Luís Chila Freyesleben, Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.
Um comentário:
O políticamente correto se tornou realmente mais inútil do que útil, quando não prejudicial a todos os debates ao transformar a voz alta de firmes convicções íntimas em mero balido de ovelha do rebanho do pensamento único.
Além disso a fúria constitucionalista por que passamos onde tudo é enxergado pela ótica da "constituição cidadã", na verdade nada mais é do que a consequência da construção dessa constituição, uma verdadeira torre de Babel jurídica e política no topo da qual nossas instituições decidiram fincar bandeiras e lutam uma com as outras.
Judiciário, executivo, legislativo, OAB, imprensa e quem mais arrumar lugar ali em cima tenta dar voz a seu discurso, em pé no topo do enorme amontoado de barbaridades legislativas e jurídicas que se tornou essa constituição que de cidadã só tem o nome, mais para consumo da opinião pública como foi apresentada por Ulysses Guimarães em 1988. Seu único objetivo ao apresentá-la de forma tão teatral, era apenas coroar seus esforços para suas ambições presidenciais, coisa que semeou entre seus aliados do legislativo e do judiciário, prometendo-lhes doces frutos de privilégios, impunidades e regalias, que quem acabou colhendo foi o ex-presidente Collor.
Nada mais poderia criar tamanha confusão política e jurídica numa nação senão esse absurdo que aí temos e que permite interpretações das mais variadas, desde as surrealistas até as criminais e que com seus absurdos 245 artigos e 57 emendas em 21 anos de existência dão uma idéia precisa do porque estamos nessa situação.
Com seus milhares de parágrafos, incisos, alíneas e tudo mais, só podia dar nisso.
Em contraposição temos como exemplo a ser seguido a Constituição Americana, que sem discursos fantasiosos foi sim o alicerce e caminho da felicidade e progresso da nação americana. E seus constituintes como Thomas Jefferson, George Washington e outros que pegaram em armas para lutar na Revolução Americana por seus ideais e depois sim, escreveram uma constituição com apenas 7 artigos e 27 emendas acrescentadas ao longo de 222 anos, tinham a preocupação humanista de legar a um povo e também a outros pelo seu exemplo, um caminho a ser seguido, longe das ambições políticas que sempre orientaram aqui no Brasil o que eu chamo de constituições de liquidação, onde vendem-se consciências e votos em troca de provilégios. Não foi por outro motivo que na época, alguns constituintes desiludidos chamaram a assembléia constituinte de "assembléia prostituinte".
Daí derivam nossos sofrimentos de hoje e continua a nossa secular infelicidade política exatamente por ser regido o Brasil por esse amontoado de entulhos legislativos e jurídicos, que pretendem que seja um vistoso edifício e pior ainda, em sua perversão política, as instituições de hoje se equilibram no topo desses escombros como se ele fosse uma torre de marfim, quando na verdade é uma torre de Babel.
Cairão com certeza junto com essa torre, que até hoje só produziu a tristeza e a infelicidade do povo brasileiro, que assiste impotente às maiores barbaridades e injustiças cometidas contra ele, tudo em nome de uma "constituição cidadã" que pretendeu regular de esgotos até juros e no entanto só funciona perfeitamente no momento de serem invocados os artigos, parágrafos, incisos e alíneas que garantam impunidade, prerrogativas obscenas e privilégios perversos às custas do povo brasileiro.
Aí tanto faz juiz ativista ou não, tanto faz juiz bom ou não. Originam-se nossos males não só dessa constituição viciada e auxiliada em seus vícios por incontáveis leis igualmente tortuosas, como também do desejo dos que usam a constituição e aplicam as leis em as interpretarem da forma que melhor atenda a seus interesses e juízos.
Isso sim é uma torre de Babel, que como sabemos caiu. Com essa "torre cidadã" não vai ser diferente.
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