1. Conceitos
Conceitua-se alcoolemia como o resultado da dosagem do alcool etílico na circulação sanguínea com seus resultados traduzidos em gramas ou decigramas por litro de sangue examinado.
Esta taxa de concentração no sangue hoje é feita com maior segurança através do exame em cromatografia gasosa, e tem como elemento de maior credibilidade metodológica o fato de seus resultados serem de caráter específico.
E embriaguez alcoólica, por sua vez, como uma síndrome psicorgânica caracterizada por um elenco de perturbações resultante do uso imoderado de bebidas alcoólicas. Ou seja um conjunto de manifestações psiconeurossomáticas produzido pela intoxicação etílica aguda, de origem episódica e passageira, e realçado por manifestações físicas, neurológicas e psíquicas.
As manifestações físicas se traduzem por congestão da face e das conjuntivas, taquicardia, taquipnéia, nauseas, vômitos, etc. As manifestações neurológicas estão ligadas ao equliíbrio, à marcha, à coordenação motora e aos reflexos. E as manifestaçõe psíquicas à alteração do humor, do senso ético, da atenção, do curso do pensamento, da memória, entre outros.
Entre nós, até a vigência do Código de Transito Brasileiro - Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 -, o problema da alcoolemia não apresentava qualquer outro interesse que não fosse o registro de mais um exame subsidiário ou complementar no exame da embriaguez. Todavia, com o enunciado do artigo 165 desta norma legal (" Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica") constituindo infração administrativa sujeita a multa e a apreensão do veículo, este assunto passou a ser analisado como espécie própria.
2. O valor dos testes biológicos e a prevalência do exame clínico
Embora alguns continuem defendendo a dosagem bioquímica do alcool no sangue como o melhor parâmetro para se avaliar uma embriaguez e, até, com cifras determinadas em vlores de 0,6 a 2,0 g/litro, a maioria entende que a melhor forma de se apreciar com segurança uma embriaguez alcoólica é atraves do exame clínico.
Isto porque passou-se a entender que é mais importante se determinar e avaliar as manifestações clínicas (físicas, neurlógicas e psíquicas) do examinado através de um raciocínio intelectivo do que se deter apenas numa simples taxa de álcool encontrada no sangue circulante ditada por uma máquina.
A pesquisa bioquíca objetiva simplesmente a presença de álcool no organismo, mas não responde às indagações de como o indivíduo se revelava de acordo quanto ao seu entendimento numa ação ou omissão delituosa, considerando que há uma variação muito grande de um bebedor para outro tendo em conta a ingestão de uma certa quantidade de bebida.
Se o analista quer saber como se portava o indivíduo argüido na sua responsabilidade no que diz respeito a sua capacidade de se autodeterminar ou de entender o carater criminoso do fato, é muito difícil se ter tal resposta a partir de uma simples taxa, de um número isolado.
Isto tem sentido porque há indivíduos que se embriagam com pequenas quantidades e outros que toleram excessivamente o álcool. Por isso, só o estudo detalhado do comportamento de quem ingeriu álcool se é capaz de ter tão necessárias informações.
"Sendo relativa, para cada indivíduo, a influência do álcool, prevalece a prova testemunhal sobre o laudo positivo da dosagem alcoólica. Impõe-se a solução, eis que aquela informa com maior segurança sobre as condições físicas do agente" (TACRIM -AC-Juricrim - relator Correia das Neves Franceschini. Nº 2.008).
Nestas condições, a caracterização de um estado de embriaguez é sempre alcançada por um critério clínico em que se procura evidenciar a capacidade de autodeterminar-se normalmente, revelada pelo agente ao tempo do evento criminoso, competindo ao perito averiguar se as suas condições somatoneuropsíquicas configuram ou não as especificações de sua imputabilidade.
3. A perícia do embriagado
Levando em conta que uma mesma quantidade de álcool ministrada a várias pessoas pode acarretar, em cada uma, efeitos diversos, e até num mesmo indivíduo causar, em épocas diferentes, efeitos também desiguais, chega-se hoje à conclusão de se ter no exame clínico a melhor forma de avaliação de uma embriaguez.
Tudo isto explicado por um fenômeno chamado de tolerância, tido como uma estranha forma de resistência ao álcool. Assim, tolerância é a capacidade maior ou menor que uma pessoa tem de se embriagar.
Esta tolerância depende de vários fatores constitucionais ou circunstancias, tais como: peso, idade, hábito de beber, estados emotivos, estafa, sono, convalescença, rítmo da ingestão da bebida, absorção gástrica e vacuidade ou plenitude do estômago.
Sendo assim, tudo aponta para o exame clínico como o melhor aferidor da embriaguez, tida como um estágio e que jamais poderia ser definida simplesmente através de um resultado dado pela insenbilidade dos números e pela frieza dos aparelhos.
"O grau de embriaguez e, portanto, a alteração que possa ter deteminado no psiquismo do acusado se estabelece não pela comprovação de uma alcoolemia ou de uma alcoolúria de certa porcentagem, mas pela aproximação dos sintomas clínicos. A primeira relação não é fixa; em troca, a sintomatologia no alcance atual do conhecimento humano está determinada para cada grau de ebriedade, detalhada e concretamente" (Câmara de Apelaciones de Azul, Argenina).
Chega-se ao absurdo de se considerar que determinado indivíduo que apresenta uma cifra de 4 decigramas, por exemplo, e que se mostra manifestamente embriagado pode continuar conduzindo seu veículo. E aquele outro que apresenta 7 decigramas, mas se conduzindo com inteira sobriedade deva ser punido. É um absurdo!
O sistema do valor tarifado ou da prova legal, em determiandos momentos, traz muitas dúvidas quanto a sua validade de aplicação. Hoje, mais do que nunca, exige-se uma avaliação através do sistema biopsicológico que exige um liame ou uma conexão entre a causa e o efeito, ou seja, que o indivíduo esteja conduzindo o veículo num estado tal que venha se caracterizar como perigoso pela influência do álcool.
Este pensamento não se concilia com percentuais genericamente atribuídos a todos os indivíduos, como se todos eles tivessem uma mesma forma de reagir e a mesma velocidade de se embriagar. Por isso se diz com justa razão que as chamadas Tabelas de Grau de Embriaguez são destituídas de qualquer critério cientifico mais sério.
4. Alcoolemia e presunção de inocência
Quando o Código Nacional de Trânsito além de considerar infração administrativa o fato de "dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas, por litro de sangue (...)", configura ainda como crime "conduzir veículo automotor, na via pública sob influência de álcool ou substância análoga expondo a dano potencial a incolumidade de outrem", fere o princípio da presunção de inocência.
Até se entende o seu caráter pedagógico e profilático. O que não se admite é tomar-se determinada taxa de alcoolemia como sinônimo de embriaguez, sob o rótulo do discutível "perigo concreto". Para que se configurasse como delito seria necessário demonstrar pericialmente que de fato o motorista apresentava manifestações que o privava da capacidade de dirigir seu veículo.
É inerente à condição de pessoa o respeito e a consideração de ser credora de um conjunto de direitos, entre eles o da presunção de inocência. No caso em discussão este direito se manifesta principalmente porque não existe prova absoluta de ilícito ou porque ainda que praticado não reúna garantia processual.
No que diz respeito ao direito de presunção de inocência e as provas de alcoolemia, nos casos dos delitos de trânsito, merece uma análise mais detida em face de seus aspectos tão peculiares.
Entendemos que para a existência de uma infração, não apenas penal, mas também de ordem administrativa, não basta que o condutor de veículo a motor esteja sob a influência de bebidas alcoólicas, mas que fique provado, de alguma forma, que seu estado de alcoolização se manifeste pela impossibilidade de conduzir o veículo em segurança, sem risco próprio ou alheio.
Nos casos em que não existam manifestações de produzir tais riscos, quando o indivíduo conduz o veículo de forma correta, não há o que se generalizar em termos de infração, mas tão-só avaliar caso a caso, clinicamente, independente da concentração de álcool no sangue, pois como se sabe cada pessoa reage de forma diferente diante de uma mesma quantidade de bebida ingerida.
Muitos são os casos em que pessoas com taxas de alcoolemia acima das permitidas conduzem seus veículos de forma correta, apresentam-se com comportamento educado, sem nenhum tipo de infração, apenas sendo abordados por questão dita preventiva. O inverso também é verdadeiro, pois o indivíduo pode estar abaixo das taxas permitidas e apresentar manifestamente sinais de embriaguez e ter cometido infrações.
Desta forma, se levarmos em conta apenas o resultado da dosagem do álcool no sangue, vê-se que é possível cometer-se enganos, levando em conta a inflexibilidade de uma avaliação que se baseia apenas no teor alcoólico do sangue do condutor de veículo.
Em face de tais situações, fácil é admitir-se o direito de presunção de inocência destes condutores de veículo quando dirigem com taxas mais elevadas de alcoolemia, mas que não apresentam clinicamente qualquer manifestação que provem sua periculosidade ao volante.
Entender que a prova da alcoolemia tem apenas o caráter subsidiário e presuntivo no exame de embriaguez. O que pode caracterizar a infração administrativa é a postura traduzida pela influência negativa na forma anômala de conduzir o veículo, quando sob o crédito da ingestão de bebidas alcoólicas.
5. Conclusão
Em suma, qualquer taxa de concentração de álcool no organismo humano tem um significado relativo, devendo-se valorizar as manifestações apresentadas numa embriaguez, colhidas através do exame clínico.
A embriaguez constitui-se de um conjunto de perurbações que tenha prejudicado o entendimento do indivíduo, sendo isto firmado pela evidência de sintomas clínicos manifestos e não por determinada porcentagem de álcool no sangue. Isto porque as taxas não são iguais para um determinado tipo de embriaguez; mas o exame clínico tem como determinar com segurança a ebriedade, de forma concreta e detalhada.
Perícia da embriaguez - uma proposta de protocolo
No modelo de laudos de exame de embriaguez em diversas instituições médico legais brasileiras constam os seguintes quesitos:
Embriaguez - Quesitos
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue?
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica?
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco?
5 - Qual o psicofármaco?
Considerando-se as diversas circunstâncias que podem ocorrer na perícia da embriaguez, propõem algumas conclusões e repostas aos quesitos nas seguintes situações:
Situação 1 - Exame clínico normal, alcoolemia negativa.
1 - Qual o material colhido para exame? Sangue.
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue? Negativa.
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica? - Não.
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco? Não.
5 - Qual o psicofármaco? Prejudicado.
Situação 2 - Exame clínico normal, alcoolemia positiva.
1 - Qual o material colhido para exame? Sangue
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue? 06 dg de álcool por litro de sangue
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica? Não.
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco? Não.
5 - Qual o psicofármaco? Prejudicado.
Situação 3 - Exame clínico normal, coleta não permitida.
1 - Qual o material colhido para exame? Nenhum.
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue? Prejudicado
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica? Não.
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco? Não.
5 - Qual o psicofármaco? Prejudicado.
Situação 4 - Exame clínico alterado, coleta não permitida.
1 - Qual o material colhido para exame? Nenhum.
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue? Prejudicado.
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica? Sim, fundamentado no exame clínico
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco? Prejudicado.
5 - Qual o psicofármaco? Prejudicado.
Situação 5 - Exame clínico alterado, alcoolemia positiva.
1 - Qual o material colhido para exame? Sangue.
2 - Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue? 05 dg de álcool por litro de sangue.
3 - Acha-se o examinado sob influência do estado de embriaguez alcoólica? Sim, fundamentado no exame clínico.
4 - Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de psicofármaco? Prejudicado.
5 - Qual o psicofármaco? Prejudicado.
Situação 6 - Recusa ao exame pericial.
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[1] Resumo de trabalho apresentado ao 1º Congresso Internacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, realizado na Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, em Buenos Aires, Argentina - 7, 8 e 9 de abril de 2005.
[2] Professor Titular de Medicina Legal nos Cursos de Medicina e Direito da Universidade Federal da Paraíba, Brasil.
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