A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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6 de agosto de 2008

Abaixo a Cleptocracia!


O STF deve analisar amanhã*, em definitivo, a velha questão sobre a possibilidade de indeferimento do registro de candidatura de pré-candidatos que tenham cometido atos eticamente abomináveis, ainda que não exista processo criminal transitado em julgado.

Pra ser sincero, não estou com muita esperança de que a decisão do TSE seja revertida. Acho que o STF vai dizer que a presunção de inocência significa que, enquanto não transitar o processo penal, o acusado não pode sofrer qualquer sanção em outras instâncias, nem mesmo sendo respeitado o devido processo. O placar, de acordo com minhas estimativas, vai de ser de 7 a 4, com margem de erro de um ou dois votos para mais ou para menos.

Se essa minha previsão se concretizar, vai ser dado um grande passo para a consolidação de vez desta cleptocracia que já infecta as instância de poder há algum tempo no Brasil. A lógica é muito simples: quem tem dinheiro ganha as eleições. Os criminosos têm dinheiro. Logo, eles ganham as eleições.

É muita ilusão pensar que a democracia brasileira é uma autêntica representação da vontade popular. Hoje, pessoas sem o mínimo de preocupação com o interesse público estão se candidatando com o único propósito de enriquecer, de utilizar o cargo em proveito próprio, de mamar nas tetas do governo e - vejam que interessante - tudo isso para patrocinar sua próxima eleição. E se um processo criminal é instaurado nesse meio termo, nenhum problema: o cargo político também serve para dificultar a punição, seja porque existe o foro privilegiado, seja porque o poder influencia o resultado do julgamento. Assim, o político nem vai preso, nem perde a chance de continuar lucrando com o cargo público.

E ainda criticam a divulgação da “folha corrida” dos candidatos “sujos”. Ora, o mínimo que se deseja numa eleição é que o povo seja corretamente informado sobre a história de vida do candidato. Democracia sem informação não é democracia. A lista elaborada pela AMB só peca por não divulgar da forma mais ampla possível o histórico “processual” de todos os candidatos. O ideal seria que a população tivesse acesso à integra dos processos criminais (e de improbidade administrativa) contra todos os candidatos para que cada indivíduo pudesse, por si próprio, firmar a convicção a respeito da idoneidade ética dos políticos.

E percebam como essa dimensão que está sendo dada à presunção de inocência é absurda:

Se eu atropelar alguém, posso ser condenado a reparar os danos causados mesmo que não haja condenação criminal definitiva. Basta que eu responda a uma ação civil, e o juiz cível, analisando as provas dos autos, se convença de que eu agi com culpa. O mesmo ato ilícito gera duas sanções: a penal e a civil - que são, em regra, independentes entre si. Então por que um candidato que tenha praticado um ato eticamente abominável não pode sofrer uma sanção eleitoral enquanto não transitar em julgado o processo criminal?

Essa discussão, sinceramente, me irrita, pois até agora não vi nenhum jurista abordar a questão sob essa ótica. E me parece tão clara! É tudo uma questão de diversidade de instância: o juiz eleitoral não precisa aguardar o julgamento do juiz criminal para firmar seu convencimento. Ele pode analisar as provas que existem contra o candidato e decidir se ele tem ou não condições éticas mínimas para ocupar um cargo político. Não foi assim que ocorreu com o Collor? Ele não perdeu os direitos políticos antes do trânsito em julgado do processo penal? Por que só elle?
Lá no Rio de Janeiro, as diversas milícias estão coagindo os moradores de determinadas favelas a votarem em dado candidato. É na base do “vota ou morre”. Pior do que os currais eleitorais dos coronéis na época da república do café com leite, onde a chibata prevalecia e voto de cabestro era a regra.

É a cleptocracia surgindo. O governo dos bandidos. O bandido “favelado” causa mais indignação. Mas o bandido de paletó e gravata, com seus mensalões e mensalinhos, já estão em Brasília há bastante tempo. Só não ver quem não quer… Ou melhor: todo mundo sabe, mas parece que ninguém se incomoda.

Li recentemente o livro “Mcmáfia: crime sem fronteiras”, de Misha Glenny. É um livro espetacular para se compreender como o crime organizado utiliza o aparato estatal para enriquecer. Durante muito tempo, o apoio estatal às organizações criminosas ocorria de forma essencialmente ilícita, através de subornos, corrupção, prevaricação etc. Hoje, pelo contrário, há uma simbiose entre o lícito e o ilícito. Leis são feitas para facilitar os negócios escusos. Os criminosos mais bem-sucedidos não se escondem no submundo da sociedade. Eles transitam nos melhores restaurantes, moram nos melhores apartamentos e ocupam os mais altos cargos do Estado. Alguns são até tratados por “excelência”!

Aí vem o discurso do “Estado polícia” ou “Estado do medo”, comparando as atuações da Justiça Federal de primeira instância com a política de segurança pública nazista. Até parece que é a mesma coisa. Os juízes, delegados, procuradores da república que atuam nessas grandes operações da polícia podem ter muitos defeitos, mas estão justamente no lado oposto dos nazistas, em termos de preocupação com o bem comum. Pelo menos os juízes criminais, que conheço mais de perto, são, em regra, humanitários e socialmente sensíveis, conhecem as garantias processuais, são extremamente inteligentes e procuram utilizar o bom-senso para prestar uma jurisdição de qualidade, independentemente do pedigree do réu. Já os acusados, que se vangloriam de desviar recursos públicos para utilizar em proveito próprio, não tenho tanta certeza se fazem por merecer o tratamento digno que a Justiça Federal costuma dispensar-lhes.

Tudo isso está sendo dito sem mirar em um caso concreto específico. É algo que se diz “de um modo geral”, “por assim dizer”. Por isso, não estou acusando especificamente quem quer que seja, até porque não disponho de elementos para tanto.

Para finalizar esse desabafo que já está mais longo do que o desejável, digo sinceramente que torço para que eu esteja errado e que, no fundo, o STF barre a candidatura daqueles políticos que possuem forte indício de que não possuem idoneidade moral para ocupar um cargo público.

Abaixo a cleptocracia!

Por George Marmelstein Lima, juiz federal.
(*) Leia-se: hoje (06/08/08)

2 comentários:

Anônimo disse...

Agora é tarde. Como vamos retirar a cleptocracia do poder, se ela nos dias de hoje até mesmo usa fuzis e milícias para impor seu domínio? Na parte legislativa votaram as leis mais injustas e indecentes possíveis, que agora, queiram ou não, regem os tribunais. Na parte mais prática, armaram milícias de mercenários que agora impõem o que eles desejam. Reconheçamos: para derrubar esse poder legislativo, que tomou para si o poder político e bélico, só se contrapõe outro poder político e bélico, alilcerçado numa nova idéia política que agregue os cidadãos, tornando válido o poder militar que o sustentará, pela necessidade de defesa de uma nação inteira. O tempo do discurso já passou e os bons perderam, na defesa de um pretenso estado de direito que a tudo permitia e a tudo assistia inerte. Começa a se desenhar nítido no horizonte o tempo do confronto. Melhor assim. Pelo menos os que se julgam bons poderão dizer para que vieram: para defenderem o que é certo ou para serem escravos.

Anônimo disse...

Comentário do Leonardo e Blog do André Lenart
Agosto 9, 2008 by George Marmelstein Lima
O Juiz Federal Leonardo Resende Martins, amigo de longa data, fez um comentário no post sobre a “cleptocracia” que faço questão de destacar.

O mais interessante é que suas palavras ganham ainda mais força por ele ter atuado, até bem pouco tempo, como Corregedor Eleitoral no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, ocupando a vaga destinada à Justiça Federal.

Eis suas palavras:

“Caro George,

Compreendo - e concordo - com o seu desabafo!

Não digo que a fundamentação da decisão do STF seja absurda. Mas ela pode ser qualificada, no mínimo, como bastante conservadora, em especial no que tange à invocada eficácia limitada do art. 10, § 9º, da CF/88. A nossa Constituição revela textualmente que quer “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato”. É bem verdade que ela condiciona a especificação das hipóteses de inelegibilidade fundadas nesse critério à edição de uma lei complementar. Mas já se passaram vinte anos e nada. Por que será? A omissão intencional do Congresso está impedindo a concretização dos valores constitucionais acima citados. E o que nossa “Corte Constitucional” diz? “Paciência, esperemos um pouco mais”. Sabe quando esse dispositivo constitucional vai ser regulamentado?

Curioso, nessa história toda, é que naquela outra questão da fidelidade partidária, o STF foi de um “ativismo judicial” impressionante, numa matéria muito mais complicada. Sem norma constitucional ou legal (ao contrário, a CF/88 rompera claramente com o regime constitucional anterior no que tangia à infidelidade partidária), o STF entendeu que a mudança de partido acarretava, na prática, a perda do mandato eletivo. Naquela ocasião, diferentemente do que ocorreu no julgamento desta semana, o STF não se preocupou com a fúria das “brigadas judiciais” das instâncias inferiores. Lá, também não havia critérios objetivos que delimitassem as chamadas “justas causas”, as quais estão sendo moldadas somente agora, no decorrer a vivência jurisprudencial. E lá, pior ainda, se permitiu a supressão do mandato já outorgado pelo voto popular, o que é muito mais agressivo – na minha visão – do que se vedar a candidatura. Outra coisa, a decisão da Justiça Eleitoral que determina a perda de mandato por infidelidade partidária é imediatamente eficaz, já que o recurso cabível, de regra, não tem efeito suspensivo. Já no processo de impugnação de registro de candidatura, o indeferimento só eficaz com o trânsito em julgado, ou seja, além da possibilidade de o candidato produzir provas, sua exclusão do processo eleitoral somente ocorreria após a apreciação de todos os recursos, inclusive do recurso especial junto ao TSE. Em suma, embora cada uma das questões tenha suas particularidades, faltou coerência ao STF, penso eu.

Aqui em Alagoas, por exemplo, há candidatos que, conquanto presos preventivamente, estão em plena campanha. Em Maceió, há um candidato vereador, cabo da PM, preso cautelarmente por ser supostamente líder de um grupo de extermínio. Numa cidade no sertão alagoano, um ex-prefeito responde preso a ação penal por formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e fraude à licitação (nem o STF concedeu “habeas corpus” no caso dele) e provavelmente será eleito. Claro que eles podem exercer a ampla defesa no processo criminal e, quiçá, serem futuramente absolvidos. Mas, até lá, penso que seria prudente, por cautela, impedir-lhes a candidatura. O STF, entretanto, diz que não.

Cumpre agora, pois, esperar (e protestar): a) pela aprovação de lei complementar pelo Congresso definindo as hipóteses de inelegibilidade reclamadas pelo art. 14, § 9º, da CF/88; b) que o Judiciário julgue com rapidez as ações criminais, em especial em casos envolvendo dilapidação do patrimônio público e criminalidade organizada, notadamente que os Tribunais Superiores priorizem a apreciação dos milhares recursos extraordinários e especiais que, represados, impedem o trânsito em julgado das sentenças em tais casos; c) finalmente, que a população desenvolva a capacidade de colocar no ostracismo político os candidatos com a vida pregressa marcada pelo cometimento de ilegalidades e imoralidades.

Sobre o Estado cleptomaníaco a que você referiu, trata-se de uma tendência que, em verdade, constitui uma reação à maior eficiência que as instituições ligadas à persecução penal estão revelando no combate à corrupção e criminalidade organizada nos últimos anos. Na Itália, durante a Operação Mãos Limpas, houve uma saraivada de críticas desferidas por advogados criminalistas, políticos, empresários, mafiosos etc. contra o que chamavam de Estado policialesco, espetacularização, fascismo e coisas do gênero.

Sobre tal tendência, preocupa-me muito aquele entendimento do STF, firmado com uma composição já bastante alterada, de que agentes políticos não se submeteriam a ação de improbidade administrativa. Na minha opinião, isso institucionalizaria a cultura de que “a Justiça só pega o peixe pequeno” e de que “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”. Espero que haja uma reversão desse entendimento, com urgência”.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)