A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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6 de janeiro de 2008

Será mais um basta?


O Brasil talvez seja o único país em que quase toda família tem para contar um caso de assalto, um acidente de trânsito e uma campanha de basta. Somos cheios de bastas. Não adianta nada porque basta de brasileiro é como promessa de político: só vale no calor da hora. Qualquer cidadão já ouviu falar em campanha de basta de violência no trânsito. Não deve haver capital no país que não tenha feito a sua. Agora, com a matança nas estradas brasileiras no Natal, quando se deu a trágica confluência de aumento da frota, estradas esburacadas e motoristas amalucados, devem acontecer mais bastas.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, já anunciou o seu. Até o fim do mês, vai lançar o remédio ao qual toda autoridade recorre na emergência: pacote. O tal pacote deve prever penas mais duras, talvez até com o polêmico confisco do carro do reincidente. Seria ótimo se funcionasse, mas o problema brasileiro no trânsito, como em tudo o que se refere ao crime, está onde sempre esteve: na impunidade. No país onde é preciso repetir o óbvio, é óbvio que pena mais dura nunca resolveu nada. Fosse assim, pena de morte seria barbárie, mas eficaz, e não é. O que combate a impunidade é uma coisa singela: punição. Pode até ser pequena, mas tem de existir.

Nos Estados Unidos, Paris Hilton passou 23 dias em cana por dirigir embriagada. Mel Gibson tomou pena de três anos sob liberdade assistida. Em 2005, quase 1,5 milhão de americanos foram autuados por dirigir bêbados. Para ser punido, não precisa ter causado um acidente. Basta ter bebido. E aqui?

Em dezembro de 1995, Edmundo, o jogador de futebol, causou um acidente que matou três pessoas. Foi condenado a quatro anos e meio de prisão. Entrou com recurso para reduzir a pena. Não deu. Tentou de novo. Não deu. Tentou outra vez. Também não deu. Tentou sete vezes. Perdeu todas. Mas, passados doze anos, até hoje não foi para a cadeia. Em 2004, numa cena inesquecível da antologia da impunidade nacional, Edmundo foi visto no desfile da Mocidade Independente. O enredo, patrocinado pelo Detran, era Não Corra, Não Mate, Não Morra. Como deboche, uma pérola.

Num caso recente, alguém apostaria um vintém na prisão do promotor Wagner Juarez Grossi? Em outubro passado, o promotor atropelou e matou um casal e uma criança de 7 anos em Araçatuba, no interior paulista. Estava com "embriaguez moderada". Se pegar menos de quatro anos de prisão, Gross não irá para a cadeia. Será triplo homicídio punido com serviços à comunidade.

O festival de impunidade resulta de uma sociedade mal-educada e permissiva, que aceita tudo depois do último basta. Campanhas educativas, portanto, são fundamentais, mas as autoridades torram dinheiro público com panfletos repetitivos, apelos insípidos, mensagens anódinas. Em Brasília, o jornal Correio Braziliense fez uma campanha agressiva, criativa e certeira há alguns anos. Resultado: os motoristas da capital até hoje respeitam a faixa de pedestre. Agora, a RBS, o maior grupo de comunicação do Sul, lançou uma campanha inovadora. Voltadas para jovens e homens, as peças publicitárias trazem belas atrizes globais ao lado da frase: "Se o cara é rapidinho no trânsito, deve ser rapidinho em tudo". O país todo ganhará se a campanha não virar apenas mais um basta.

Por André Petry, colunista da revista Veja - Veja edição 2042

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