A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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17 de setembro de 2007

O Ministério Público e o poder de investigar


Em países como Portugal, Alemanha, França, Itália, Espanha, Inglaterra e Países de Gales, EUA, México, Colômbia e Argentina, com poucas restrições pontuais, o Ministério Público tem o poder constitucional da investigação criminal. Pode-se afirmar, portanto, que há uma forte tendência mundial em conferir ao Parquet essa atribuição. Por isso vale a pergunta: por que no Brasil se está tentando construir interpretações contrárias? Sim, são interpretações, pois vedação constitucional não existe.

E sequer há inconstitucionalidade flagrante – nem mesmo aparente – na legislação infraconstitucional, aquela que permite a investigação criminal pelo MP. Não sendo visível, não pode ser declarada. Lembre-se dos princípios da “dignidade democrática da lei” e do “in dubio pro legislatore”. A propósito, recentes decisões judiciais admitiram procedimentos administrativos criminais realizados pelo MP (STF, HC 88.190, Min. Cezar Peluso), além de legislações específicas (ECA e Estatuto do Idoso), que trazem expressa previsão da instauração de investigações criminais.

Sob outro aspecto, anote-se que o MP possui pessoas capacitadas, recursos materiais e boa vontade para se somar à atividade policial na busca da elucidação de fatos sociais abusivos e ilícitos, cada vez mais complexos e sofisticados. Frise-se: somar e não substituir a polícia nessa atividade que lhe é peculiar.

Ademais, como não há exclusividade do poder investigatório pelas autoridades policiais – o art. 144 da CF não traz essa previsão –, outras formas de investigação criminal existem e são igualmente válidas e importantes. É o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, das autoridades administrativas em geral - que devem sindicar fatos relacionados às suas repartições públicas -, e dos inquéritos judiciais. Também instituições como o Banco Central e o Fisco em geral, nos processos administrativos tributários, possuem essa atribuição em decorrência de lei. Insiste-se: por que somente o MP sofre ataques quando o assunto é a investigação criminal?

Importante excerto pode ser transcrito do voto prolatado no Inquérito nº 1.968/DF, STF, pelo Min. Joaquim Barbosa: “o que autoriza o Ministério Público a investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar da investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim, o fato de ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a Constituição explicitamente confiou ao Parquet”.

Na verdade, a questão é ainda mais ampla. Ou se pode investigar ou não se pode. Não há, sob o aspecto lógico-jurídico como se defender a possibilidade para a investigação cível e a proibição, para a penal. Ora, penal, cível, administrativa ou tributária serão as conseqüências imputadas pela norma jurídica aos fatos investigados. O importante é a possibilidade de poder apurar esses fatos.

Ao promotor cabe promover justiça, não condenação. Sua função de parte se confunde com a de custos legis, a ponto de ele poder pleitear, quando convencido, a absolvição de alguém, sem que isso lhe cause desconforto ou mal estar. Definitivamente não há mais lugar ao acusador – ou investigador – contumaz e implacável, a qualquer custo.

O fundamento constitucional de tudo o que se disse até aqui está no art. 127, caput e art. 129, incisos I, II, VI, VII, VIII e IX. Na legislação infraconstitucional, no art. 8º da Lei Complementar nº 75/93, art. 26 da Lei nº 8.625/93 e no art. 4º, parágrafo único, do CPP.

Assim é que são muitos e melhores os argumentos sociais, políticos, jurídicos, acadêmicos e jurisprudenciais que aceitam o poder investigatório do Parquet. Nem pode ser diferente, num País de tantas carências e criminalidade acentuada. É verdade que o assunto é polêmico e instigante. Porém para poucos interessa o enfraquecimento do Ministério Público, hoje instituição que tem o dever de zelar pelo respeito ao regime democrático e à ordem jurídica.

E não se cogite da avocação, ao MP, dos inquéritos policiais em andamento ou da presidência dos inquéritos policiais por membros do MP. Não. Nunca. Não é essa a questão. Com o devido respeito, foi infeliz o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, quando disse, na Folha de São Paulo, em 26/6/2007, que se o STF julgar pela possibilidade do MP proceder a investigações criminais, ele deveria assumir os 120 mil inquéritos que hoje estão sob a responsabilidade da PF. Nunca se quis ou se cogitou dessa possibilidade. A polícia civil e a judiciária existem e têm a sua constitucional missão.

Apenas parece razoável, constitucional, socialmente necessário e politicamente importante que o MP – em casos específicos e através de procedimentos administrativos diversos –, possa colher elementos de convicção a respeito de fatos sociais ilícitos que tenha conhecimento direto, alguns até, envolvendo situações que fogem à costumeira atuação policial. É uma forma complementar, subsidiária e essencial para o total exercício do seu mister constitucional, qual seja, de privativamente promover a ação penal. Lembre-se da “teoria dos poderes implícitos”, isto é, quem privativamente pode o mais (promover a ação penal), obviamente pode o menos (colher provas para tal). O que não se admite é a idéia do MP como mero repetidor das provas colhidas no âmbito policial. Trata-se de uma instituição com muito poder constitucional que não pode ficar atrelada à atividade policial, algumas vezes carente e, infelizmente, outras vezes comprometida. A impunidade, a falta de estrutura estatal para a investigação pertinaz e eficiente dos crimes é mais um argumento político a ensejar uma interpretação a favor do poder investigatório do MP.

E não se diga que a Instituição perde, com a apuração criminal, a sua imparcialidade. Isso não é verdade e tampouco necessário. Não se buscam apenas provas a favor da acusação. Não há motivo para tal. A propósito, se esse argumento fosse realmente fundamental, haveria de se reconhecer que igual fato também pode ocorrer numa investigação policial, instituição, aliás, que não possui a autonomia e as garantias pessoais que detêm os membros do MP.

Em suma, muito em breve esse polêmico assunto terá que ser enfrentado definitivamente pelo STF. Não é crível que o MP brasileiro tenha, em seu desfavor, uma interpretação que lhe tolha essa imprescindível atribuição, pena de se retroceder na história e, principalmente, ir de encontro à tendência mundial de se combater, com um estado eficiente e forte, a criminalidade globalizada e cada vez mais ousada. O MP, sem dúvida, quer se somar a essa força, sem agressão a direitos constitucionais ou garantias cidadãs.

A questão é muito mais política e social, do que legal. Na Constituição Federal, “cidadã”, do Brasil, então, é que se encontrará, igualmente, a certeza de que o MP tem sim essa prerrogativa de realizar investigações também na esfera criminal.

Por Rui Carlos Kolb Schiefler, Promotor de Justiça e Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público, in http://www.cartaforense.com.br/

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)