A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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18 de setembro de 2007

Jurisprudência Penal Tupiniquim


Abaixo consta interessante artigo jurídico em que o autor analisa o resultado do HC 61.928-SP do STJ.

Entendemos que, com todo o respeito, no julgamento em questão, o STJ agiu de forma correta. Doutra parte, o que não podemos admitir é a jurisprudência estaparfúrdia, teratológica e, infelizmente, dominante no sentido de que o pagamento do crédito tributário extingue a punibilidade no delito de sonegação fiscal.

Isso não!

Ao contrário do que diz o autor, temos para nós que o legislador não dividiu a clientela não, eis que a lei não determina a postura em comento. Mas foi o Poder Judiciário que o fez e vem fazendo diuturnamente.

Dito de outro modo, um erro não justifica outro. Deve-se, sim, corrigir a hermenêutica penal do mal, do colarinho branco, espurgando, por conseguinte, o julgamento penal nitidamente aristocrático.

Por isso, devemos bater mil vezes e mil vezes repetir: já passou da hora do Poder Judiciário atentar-se para sua real função: utilizar o Direito como verdadeiro instrumento de pacificação social, garantido os direitos fundamentais da sociedade e a coexistência social. O resto é estória pra boi dormir...

Editor do blog.


Estelionato: reparação do dano x extinção da punibilidade.
O “Direito Penal dos ricos” e o “Direito Penal dos pobres”

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, este mês (HC 61.928-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/9/2007), que a reparação do dano no crime de estelionato não é causa de extinção da punibilidade, mas apenas uma causa de diminuição de pena, tal como descrito no art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior). Até aí, nenhuma novidade. Trata-se de simples aplicação da lei, que já é bem razoável.

Vejamos: sob uma perspectiva utilitarista, o Direito Penal visa a proteger os bens jurídicos de lesões ou ameaças de lesões. Quanto mais preservados esses bens estiverem, mais próximo de seu ideal estará o Direito Penal. É por isso que se prevê a desistência voluntária e o arrependimento eficaz (CP, art. 15); e o arrependimento posterior (art. 16).

Nesse último caso, reparado o dano ou restituída a coisa, antes do recebimento da denúncia ou da queixa, a pena será reduzida de um a dois terços. O objetivo de política criminal é nítido: dá-se um estímulo ao criminoso para que pague à vítima os prejuízos causados. Por isso, sua pena é reduzida. A punibilidade do crime não é extinta porque, assim, não haveria incentivo para que alguém deixasse de cometer o crime. Nesse sentido, se alguém furta um objeto e deixa de ser condenado porque o devolveu, seu risco é zero, e a lei não terá efeito dissuasório nenhum sobre os potenciais criminosos. É sempre preciso que eles experimentem um prejuízo maior do que o lucro que obteriam com o crime.

O que causa espanto nessa decisão é a tentativa da defesa de adotar, por analogia, a causa de exclusão de punibilidade dos crimes tributários. De acordo com o art. 9° da Lei 10.684/2003, o pagamento do tributo é causa de extinção da punibilidade. Ressaltamos que esse pagamento pode ser feito a qualquer tempo, mesmo depois de recebida a denúncia.

Isso significa que a sonegação de tributos tornou-se uma atividade ilícita que, em termos penais, tem risco zero. Caso o sonegador seja denunciado por crime tributário, basta pagar o tributo para se livrar da pena. Sendo o risco zero, o efeito intimidatório da norma também é zero. Alguém pode sonegar tributos indefinidamente sem maiores receios, pois, na improvável hipótese de ser denunciado, basta pagar a quantia devida. Salientamos: não há nenhum prejuízo na seara penal que decorra dessa atividade ilícita.

Tal causa de extinção da punibilidade é tão bizarra que consegue ferir, ao mesmo tempo, vários princípios do Direito Penal, como a moralidade, a eficiência e a vedação da prisão civil por dívidas. Nesse último ponto, a desvirtuação do caráter do Direito Penal é bastante nítida: o processo penal tornou-se um mero sucedâneo da ação de cobrança, em clara violação à Constituição.

O problema mais sério refere-se ao princípio da isonomia: enquanto a sonegação fiscal – que é um crime contra o patrimônio público –pode ter sua punibilidade extinta com o simples pagamento, crimes contra o patrimônio particular, como o furto e o estelionato, não têm o mesmo privilégio. Fica difícil imaginar que a lesão ao patrimônio particular deva ser tratada de forma mais rígida que a lesão ao patrimônio público, pela óbvia relevância deste.

Assim, o legislador conseguiu dividir nitidamente o Direito Penal de acordo com sua clientela: os sonegadores, pertencentes basicamente à classe média e alta, são tratados de maneira diversa dos "ladrões em geral", que devem sempre responder por seus atos. A realidade do sistema penal brasileiro sempre foi assim; a diferença é que, agora, a lei a institucionalizou.

A decisão do STJ fere a lógica formal ao não aplicar a analogia a um caso em que a analogia seria perfeitamente admissível. Porém, obedece ao princípio da moralidade ao não estender uma norma espúria a outros casos. Pena, que, no Brasil, exigir-se um comportamento de acordo com a moral e a ética é muito mais fácil quando se trata das classes mais desprovidas de poder político ou econômico...

Por Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar, procurador do Banco Central do Brasil em Brasília (DF), especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista (Unip) e nos cursos preparatórios Objetivo e Pró-Cursos,

Informações bibliográficas:Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Estelionato: reparação do dano x extinção da punibilidade. O “Direito Penal dos ricos” e o “Direito Penal dos pobres”. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1539, 18 set. 2007. Disponível em: .

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