
Ao contrário desse setor da doutrina brasileira, a doutrina estrangeira cada vez mais refere a importância da teoria da imputação objetiva dentro da teoria jurídica do delito. Claus Roxin, num livro de recente aparição no Brasil, referiu que “a teoria da imputação objetiva decorre inescusavelmente do princípio de proteção de bens jurídicos” e alcançou uma projeção internacional[1].
A teoria da imputação objetiva, compreendida como um filtro da tipicidade objetiva, resolve vários problemas dentro da teoria do delito, e isso só não enxerga aquele que não tem disposição para uma correta leitura sobre suas bases e fundamentos.
Nesse sentido, a teoria em comento, amplamente aceita nos países europeus, ainda encontra resistência em solo brasileiro, e isso se deve ao fato de que há uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência na compreensão de sua utilidade, fenômeno idêntico ocorrido com o finalismo na sua época, ou seja, os causalistas rechaçavam a doutrina criada por Hans Welzel.
Os princípios trazidos pela teoria da imputação objetiva, corretamente interpretados, servem para resolver diversos problemas do Direito Penal. Caso sua edificação seja compreendida, vários casos inerentes aos delitos de trânsito podem ser resolvidos, desde o mais genérico (risco permitido) até o mais específico (responsabilidade da vítima). Isso apenas para ficarmos num singelo exemplo quotidiano.
Assim, mister esclarecer que a teoria da imputação objetiva habitualmente se condensa na seguinte forma: o tipo de um delito de resultado resta cumprido quando a conduta submetida à análise: a) gerou um “risco juridicamente desaprovado” e b) este risco se “realizou no resultado”. Esta fórmula é a que se encontra mais estendida e é usada, por exemplo, pelo Tribunal Supremo espanhol. Roxin pode ser considerado o principal autor no desenvolvimento da moderna teoria da imputação objetiva e propõe um modelo substancialmente equivalente, ao que se acrescenta, entretanto, uma escala adicional na análise: além de comprovar a criação e a realização de um risco juridicamente desaprovado, deve verificar-se que o resultado esteja abarcado pelo “alcance do tipo”. Neste passo sistemático, deve comprovar-se que – apesar da ocorrência de uma relação de causalidade e da criação e realização do risco – o resultado ocorrido realmente seja um dos que o tipo em questão pretende evitar com base em diversas considerações valorativas.
Desde o ponto de vista aqui adotado, a teoria da imputação objetiva deve ser vista como imputação da conduta como típica. Trata-se de definir a conduta típica, mais além de elementos fático-naturais e de acidentes particulares da infração, normativamente como conduta com significado (objetivo) típico. De acordo com esta perspectiva, o peso essencial da teoria – aplicável a qualquer infração – estaria nos mecanismos dogmáticos da imputação da conduta como típica, passando os problemas de imputação objetiva do resultado a converter-se numa especialidade dos delitos de resultado. Vista assim, a teoria da imputação objetiva é a tradução dogmática na teoria do tipo das correntes jurídico-dogmáticas funcionais das últimas décadas.
Cabe afirmar, de acordo com o já exposto, que toda a teoria da imputação objetiva responde a duas raízes distintas: por um lado, trata-se de determinar se as características da conduta realizada pelo autor se correspondem com a previsão do delito. Por outro lado, nos delitos de resultado, trata-se de comprovar – uma vez verificado o caráter típico da conduta – se o resultado conectado causalmente a essa conduta pode conduzir-se normativamente a esta, é dizer, se também o resultado é típico. A estas duas raízes respondem os dois níveis de análises que são a: imputação objetiva do comportamento e a imputação objetiva do resultado.
Diante desse breve contexto, pode-se afirmar que no Brasil ainda há uma tímida aplicação da teoria da imputação objetiva, talvez por ausência de compreensão correta de seus fundamentos e da importância de sua aplicação para a resolução de casos.
Assim, há vários casos quotidianos que poderiam ser resolvidos pela teoria da imputação objetiva, como, por exemplo, os acidentes de trânsito em que a vítima desrespeita o princípio da confiança e o motorista se mantém dentro do risco permitido. Aqui há relação de causalidade, porém, o motorista não preenche o tipo objetivo “matar alguém”, caso ocorra este resultado. Nas atividades de repartição de trabalho, também impera o principio da confiança (operações médicas, o médico pode confiar no material que lhe é fornecido, como também pode confiar no anestesista e no resto da equipe), embora muitas vezes não se faça esta separação em caso de lesão ou morte do paciente e todos acabem denunciados. Nas operações complexas de vôo por exemplo, o piloto pode confiar que a torre e os controladores lhe passaram as informações corretas, bem como a aeronave encontra-se em perfeito estado, pois, sem esta repartição de trabalho a sociedade não se desenvolve. Se houve falha de algum destes operadores, a responsabilidade fica limitada a este e não a todos os envolvidos.
O mesmo ocorre nos casos de responsabilidade da vítima nos casos de transmissão, por exemplo, do vírus HIV. Se a vítima é plenamente responsável e sabe que seu parceiro é usuário de drogas injetáveis, deve adotar as cautelas de proteção na hora de manter as relações sexuais. Se houver a transmissão do vírus por ausência de cautela da vitima, o resultado não pode ser imputado ao transmissor, pois, neste caso, a imputação recai sobre a própria vítima.
De fato, constata-se que a teoria da imputação objetiva resolve inúmeros casos em que há relação de causalidade, porém, o que se deve extrair é se a conduta do sujeito se enquadra dentro do significado social do tipo penal, ou seja, do tipo objetivo, e isso não ocorre em diversos casos, o que facilita o operador do direito na hora de decidir sobre o ocorrido.
Um comentário:
Parabéns pela qualidade do blog, que é muito bem escrito!
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