A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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13 de junho de 2007

A crise política e o Judiciário



A ação da Polícia Federal, especialmente a Operação Navalha, tem criado enorme polêmica. Muitos perguntam a quem interessam essas ações, como se uma polícia de Estado tivesse de servir ao governo em vez de defender o interesse público. A cada operação, é elaborada uma teoria conspiratória e começa a busca dos favorecidos e dos prejudicados.


Os críticos alegam que tudo não passa de mero espetáculo, sem nenhum resultado prático, como se fosse tarefa da PF julgar e condenar os acusados de desvios dos recursos públicos. Ela faz -e bem- a sua parte. O nó górdio da impunidade -e que atinge o coração da democracia- não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Poder Judiciário. Os dois primeiros Poderes, apesar dos defeitos que possuem, sofrem vigilância muito mais severa da imprensa, são mais transparentes e democráticos. Do Judiciário, pouco ou nada sabemos.


Vivemos uma grave crise política -que se eterniza. E parte dela se deve à corrupção. E o papel ativo do Judiciário nesse combate é essencial.

A Justiça brasileira é severa com o "andar de baixo", mas leniente com o "andar de cima". Contra os pobres, age rapidamente e pune severamente. Já políticos acusados de corrupção -e considerados por seus pares como corruptos- continuam circulando livremente. Alguns estão no Congresso e são recebidos pelo presidente da República com todas as honras. Um deles, inclusive, pode entrar tranqüilamente no Palácio do Planalto, mas será preso se pisar nos Estados Unidos.

O Judiciário deve agir combatendo os crimes, independentemente da origem social do acusado. Parece óbvio, mas não é o que ocorre no Brasil.

É um Poder que acabou conivente com a desmoralização da própria Justiça. E exemplos não faltam.

Não é mero acaso que nenhum dos políticos importantes acusados de corrupção tenha sido condenado e preso. Eles contratam advogados criminalistas especializados em inocentar corruptos -e que cobram honorários caríssimos. Sabem que recebem dinheiro sujo. Mesmo assim, muitos deles, sem pestanejar, assinam manifesto em defesa da ética na política...

A crise moral atinge até os tribunais superiores. A Operação Hurricane apresentou documentos e gravações envolvendo juízes, advogados e um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Navalha chegou ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Aí temos outro problema: a forma como são sabatinados pelo Senado os candidatos a ministro dos tribunais superiores -como STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ- indicados pelo presidente da República.

Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, na terra descoberta por Cabral, tudo não passa de mera formalidade. Na sessão, o futuro ministro é elogiado, louvado como eminente jurista, mesmo que os senadores não tenham lido nada dele. Não se faz nenhuma pergunta sobre tema relevante: evitam constrangimentos a todo custo. O candidato já está aprovado antes da audiência. E se for uma mulher, ah, aí a sessão se transforma: a candidata é elogiada pela beleza, elegância e charme, numa manifestação explícita de machismo.


O problema das nomeações é antigo: Collor retirou do STF Francisco Rezek para designá-lo ministro das Relações Exteriores. Depois o demitiu. Para não deixá-lo na rua, colocou-o de novo no STF. E se fôssemos mais longe, chegaríamos a Floriano Peixoto, que designou um médico e um general para a Suprema Corte. A legislação atual é mais que suficiente para combater a corrupção. Logo, a questão não passa pela inexistência de base jurídica. Falar que falta vontade política ao Judiciário deixaria Montesquieu corado. Também não cabe tomar nenhuma atitude que viole o equilíbrio entre os Poderes.


O caminho deve ser uma cobrança ativa da sociedade, exigindo que o Judiciário finalmente, para usar linguagem futebolística, entre em campo. Dentro desse quadro, com o Judiciário que temos, é impossível começar uma Operação Mãos Limpas, como na Itália.


Diversamente do que escreveu nesta página o juiz Cláudio José Montesso (dia 10/6), apontar os graves problemas do Judiciário não fragiliza sua atuação ou a democracia. Muito pelo contrário: fortalece a necessidade da mudança desse padrão.


O que o país espera é uma Justiça célere, eficiente e não-classista. Espera que voltemos a ter capacidade de nos horrorizarmos. Espera que o corrupto seja preso, julgado e condenado (devolvendo aos cofres públicos o dinheiro desviado). Espera que a República anunciada em 15 de novembro de 1889 seja finalmente proclamada.


Por MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil". Jornal "A Folha de S. Paulo", 13/06/07.

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