A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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29 de junho de 2007

Crimes de colarinho branco e prisões


Em qualquer legislação de país civilizado, ou que pretende sê-lo, há previsões das prisões processuais, chamadas de prisões provisórias, gênero das quais são espécies as prisões: em flagrante, temporária e preventiva.

Vou permitir-me não voltar a rebater os comentários já exaustivamente batidos, de que “prisão não é solução”.

Como a prisão em flagrante tem características próprias e comuns a todos os casos, vamos nos referir às situações de prisões preventivas relacionadas de qualquer forma com crimes praticados por organizações criminosas, que, tendo natureza de medidas cautelares pessoais, não deixam de ser imprescindíveis, especialmente quando se tratar de averiguação de crimes praticados por organizações criminosas.

O artigo 7° da Lei 9.034/95 estabelece que “não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”. O dispositivo, embora genérico, porquanto não esclareça o que significa “intensa e efetiva” participação, busca exatamente tratar de impedir relação de continuidade entre o suspeito criminoso e a organização criminosa a que pertence. É, por assim dizer, uma tentativa de colocar freio às suas atividades e assim buscar travar ou dificultar a engrenagem de determinado mecanismo.

A se considerar a incompatibilidade lógica entre a prisão preventiva e a liberdade provisória, conclui-se que a única forma do suspeito ser solto nestas circunstâncias é pela inversão, em qualquer momento da investigação ou do processo, da suspeita que lhe pesa em integrar ou auxiliar as atividades de alguma organização criminosa. Na medida em que as suspeitas se mantenham ou aumentem, por determinação legal, não lhe poderá ser concedida liberdade até decisão em plano de sentença. Muitas vezes as prisões destes criminosos, especialmente dos chefes —nas raríssimas situações em que chegam a ser decretadas e mantidas, não impedem por si só que eles prossigam emanando ordens e gerenciando a empresa criminosa, pois costumam receber incríveis privilégios no cárcere, como portar e utilizar telefones celulares, receber inúmeras visitas etc. com tratamento evidentemente diferenciado em relação dos demais detidos.

Na Itália, houve grande sucesso da chamada “operação mãos limpas”, para o qual sem qualquer dúvida inúmeras prisões acabaram sendo decretadas1.

Ainda fazendo referência à experiência italiana, houve ocasião em que um dos mafiosos chefes da Cosa Nostra, Vito Vitalle, preso, recebeu a visita de sua esposa e com ela vinha acompanhado o seu filho de apenas alguns meses. Na ocasião em que este mafioso recebeu o neném em suas mãos, colocou nas suas vestes um bilhete no qual passava instruções de quem deveria ser morto por tratar-se de testemunha que ajudaria a incriminá-lo.

Lei de Lavagem de dinheiro: Quanto à insuscetibilidade de fiança e liberdade provisória, previstos no artigo 3o da Lei n° 9.613/98, vemos aí outro instrumento importante para o sucesso do processo.

Pelo mesmo motivo supra referido, diga-se, principalmente por garantia da instrução criminal, não há como se pensar em liberdade provisória, com ou sem fiança, a um suposto criminoso milionário fugitivo da Justiça.

Quem se envolve com crimes da natureza daqueles previstos na lei, não costuma ter escrúpulos e, abonado que seja, faz com que o dinheiro compre pessoas e destrua provas.

Embora estando preso tais artifícios não sejam impedidos, são ao menos dificultados pelo esvaziamento da sua voz de comando, principalmente tratando-se de crime organizado. O dispositivo está em harmonia com o artigo 5o XLIII da Constituição Federal. Não há, ou rara, será a medida de valor de fiança para eles, e então, soltos, não haverá limite aos seus atos.

O Brasil volta e meia assiste a casos muito elucidativos envolvendo pessoas muito ricas com dinheiro obtido supostamente através de atividades criminosas do colarinho branco que, tão logo sabem de investigação ou ordem de prisão evadem-se para o exterior. Citem-se, (além de muitos outros) os famosíssimos casos de Paulo César Farias —vulgo PC— ex-tesoureiro do governo Collor e do juiz do Trabalho Nicolau dos Santos Neto, envolvido com o caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, contra quem, além de ter prisão decretada, chegou-se a distribuir cartazes com os dizeres “procura-se”. Evidentemente que estas pessoas, uma vez investigadas ou processadas e procuradas pela Justiça, prosseguem com as atividades criminosas e agora a todo vapor, de modo a procurar ocultar o mais que possível rastros e evidências porventura deixadas. Utilizam-se daquele dinheiro obtido ilicitamente para contratar pessoas para trabalhar para elas e auxiliarem na dissimulação das provas, além de gastarem esse dinheiro com o conforto dos seus esconderijos.

Cadeia, é para rico. Pobre é que precisa de ressocialização. Rico pratica o crime quando é esteja perfeitamente integrado à sociedade. É consciente do que faz. Não precisa aprender ou ser ressocializado, precisa ser punido, e o Estado tem o dever de cumprir a lei —para fazer justiça, e não de cumprir a lei para fazer injustiça.

Prisão, sim!

por Marcelo Batlouni Mendroni, promotor de Justiça em São Paulo. Formado pela PUC-SP em 1987, é doutor pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha) em direito processual penal e pesquisador pós-doutorado pela Universidade de Bologna (Itália). www.ultimainstancia.com.br

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