"O Ministério Público é uma magistratura vitalícia e que não se sujeita a nada, a não ser a lei e à sociedade." (Alexandre Camanho de Assis)
Princípios Orientadores Relativos à Função dos Magistrados do Ministério Público
Considerando que, na Carta das Nações Unidas, os povos do Mundo se declararam decididos a criar, nomeadamente, as condições necessárias à manutenção da justiça e proclamaram que um dos seus objectivos era o de realizar a cooperação internacional desenvolvendo e encorajando o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, sem nenhuma distinção de raça, sexo, de língua ou de religião;
Considerando que a Declaração Universal dos Direitos do Homem 220, enuncia os princípios da igualdade perante a lei, da presunção de inocência e do direito que tem qualquer pessoa a que a sua causa seja apreciada com justiça e publicamente por um tribunal competente e imparcial;
Considerando que a organização e a administração da Justiça deveriam em todos os países inspirar-se nesses princípios e deveriam ser desenvolvidos esforços para aplicar plenamente esses princípios nas situações reais;
Considerando que os magistrados do Ministério Público desempenham um papel fundamental na administração da justiça e que as regras que lhes são aplicáveis no exercício das suas importantes funções devem encorajá-los a respeitar e a aplicar os princípios acima mencionados, garantindo, assim, um sistema de justiça penal imparcial e justo e a protecção efectiva dos cidadãos contra o crime;
Considerando que é essencial assegurar que os magistrados do Ministério Público possuam as qualificações profissionais necessárias ao exercício das suas funções, melhorando os métodos de recrutamento e de formação jurídica e profissional, fornecendo-lhes todos os meios necessários para lhes permitir desempenhar convenientemente a sua missão na luta contra a criminalidade, em particular nas suas formas e dimensões novas;
Considerando que a Assembleia Geral, na sua Resolução n.º 34/169 de 17 de Dezembro de 1979, adoptou o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, em conformidade com a recomendação do 5.º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes;
Considerando que, na sua Resolução n.º 16, o Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes 221 pediu ao Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência fazer figurar entre as suas tarefas prioritárias a elaboração de princípios orientadores no que respeita à independência dos juízes e da selecção, formação profissional e estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público;
Considerando que o Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes adoptou os Princípios Básicos relativos à Independência da Magistratura 222, aprovados ulteriormente pela Assembleia Geral nas suas Resoluções n.os 40/32, de 29 de Novembro de 1985, e 40/146, de 13 de Dezembro de 1985;
Considerando que na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder 223 são recomendadas as medidas a tomar às escalas internacional e nacional para que as vítimas da criminalidade possam mais facilmente ter acesso à justiça, beneficiar de um tratamento equitativo e obter restituição e reparação, uma indemnização e assistência;
Considerando que, na sua Resolução n.º 7 224, o Sétimo Congresso pediu ao Comité que considerasse a necessidade de elaborar princípios orientadores referentes, nomeadamente, ao recrutamento, formação profissional e estatuto dos magistrados do Ministério Público, às funções que são chamados a desempenhar e o comportamento que se espera deles, aos meios de os levar a contribuir para o bom funcionamento do sistema de justiça penal e a cooperar mais estreitamente com a polícia, à extensão dos seus poderes discricionários e o seu papel no processo penal, e reportasse sobre esse assunto nos futuros Congressos das Nações Unidas;
Os Princípios Orientadores enunciados de seguida, que foram elaborados para ajudar os Estados membros a assegurar e a promover a eficácia, a imparcialidade e a equidade do Ministério Público no processo penal, devem ser respeitados e tomados em consideração pelos Governos no quadro da legislação e da prática nacionais e ser levados à atenção dos magistrados do Ministério Público assim como de outras pessoas, tais como os juízes, os advogados, os membros do Executivo e do Parlamento e do público em geral. Estes princípios directores foram formulados tendo em atenção os magistrados do Ministério Público, mas aplicam-se igualmente, no caso vertente, aos procuradores designados em circunstâncias especiais.
Qualificações, selecção e formação
1. As pessoas seleccionadas para assumir as funções de magistrado do Ministério Público devem ser íntegras e competentes e ter formação e qualificação jurídica consideradas suficientes.
2. Os Estados assegurarão que:
a) Os critérios de nomeação dos magistrados do Ministério Público comportem garantias contra nomeações parciais ou imbuídas de preconceitos e excluam toda a discriminação contra uma pessoa baseada na raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional, social ou étnica, situação de fortuna, nascimento, situação económica ou outra condição. Não é considerada discriminatória a exigência de que o candidato à magistratura do Ministério Público seja nacional do país em questão;
b) Os magistrados do Ministério Público tenham uma instrução e uma formação adequadas e estejam conscientes dos ideais e deveres éticos da sua função, das disposições constitucionais e jurídicas que garantem os direitos dos suspeitos e das vítimas, bem assim como dos direitos humanos e liberdades fundamentais da pessoa tal como reconhecidos pelo Direito nacional e internacional.
Estatuto e condição profissional
3. Os magistrados do Ministério Público, enquanto magistrados essenciais da administração da Justiça, devem sempre manter a honra e dignidade da sua profissão.
4. Os Estados devem assegurar que os magistrados do Ministério Público têm condições para desempenhar os seus cargos sem serem objecto de intimidação, obstrução, ingerência imprópria, nem serem sujeitos injustificadamente a responsabilidade civil, penal ou outra.
5. Os magistrados do Ministério Público e as suas famílias devem ter a sua integridade física protegida pelas autoridades sempre que a sua segurança seja ameaçada no exercício das suas funções.
6. Condições de serviço satisfatórias, adequada remuneração e, quando aplicável, a duração do mandato, a pensão e a idade de reforma dos magistrados do Ministério Público são definidos por lei ou por regras públicas.
7. A promoção dos magistrados do Ministério Público, sempre que um tal sistema exista, deve ser fundada em factores objectivos, em particular sobre as qualificações profissionais, a competência, a integridade e a experiência e ser objecto de processo justo e imparcial.
Liberdade de expressão e de associação
8. Os magistrados do Ministério Público têm, como os restantes cidadãos, liberdade de expressão, de crença, de associação e de reunião. Têm, nomeadamente, o direito de tomar parte em debates públicos sobre a lei, a administração da justiça e a promoção da protecção dos direitos do homem. Podem aderir a organizações locais, nacionais ou internacionais e participar nas suas reuniões, ou criar tais organizações, sem serem prejudicados no plano profissional pelo exercício das actividades legais que exerçam no quadro de uma organização legal, ou por pertencerem a uma tal organização. No exercício desses direitos, os magistrados do Ministério Público devem sempre respeitar a lei, a deontologia profissional e as normas reconhecidas na sua profissão.
9. Os magistrados do Ministério Público são livres de formar e tornar-se membros de associações profissionais ou outras organizações destinadas a representar os seus interesses, promover a sua formação profissional e proteger o seu estatuto.
Papel no processo penal
10. As funções dos magistrados do Ministério Público estão estritamente separadas das funções de juiz.
11. Os magistrados do Ministério Público desempenham um papel activo no processo penal, nomeadamente na decisão de determinar a investigação criminal, e quando a lei ou prática nacionais o autorizam, participam na investigação criminal, supervisionam a legalidade da investigação criminal, supervisionam a execução das decisões dos tribunais e exercem outras funções enquanto representantes do interesse público.
12. Os magistrados do Ministério Público exercem as suas funções em conformidade com a lei, equitativamente, de maneira coerente e diligente, respeitam e protegem a dignidade humana e defendem os direitos da pessoa humana, contribuindo, assim, para garantir um procedimento criminal correcto e o bom funcionamento do sistema de justiça.
13. No exercício das suas funções os magistrados do Ministério Público:
a) Dão prova de imparcialidade e evitam toda a discriminação de ordem política, social, religiosa, racial, cultural, sexual ou outra;
b) Protegem o interesse público, agindo com objectividade, tomam devidamente em consideração a posição do suspeito e da vítima e têm em conta todas as circunstâncias pertinentes, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis ao suspeito;
c) Não divulgam o que lhes é comunicado, salvo se o exercício das suas funções ou as necessidades da realização da justiça o exigem;
d) Têm em conta os pontos de vista e as preocupações das vítimas quando estas são lesadas no seu interesse pessoal, e asseguram que as vítimas sejam informadas dos seus direitos em conformidade com a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e às Vítimas de Abuso de Poder.
14. Os magistrados do Ministério Público não encetam nem continuam investigações criminais ou fazem o possível para as suspender se um inquérito imparcial revelar que a acusação não é fundada.
15. Os magistrados do Ministério Público obrigam-se em especial a encetar investigações criminais no caso de delitos cometidos por agentes do Estado, nomeadamente actos de corrupção, de abuso de poder, de violações graves dos direitos do homem e outras infracções reconhecidas pelo direito internacional e, quando a lei ou a prática nacionais a isso os autoriza, a iniciar procedimento criminal por tais infracções.
16. Quando os magistrados do Ministério Público recebem contra os suspeitos provas que eles sabem ou têm motivos razoáveis para suspeitar que foram obtidas por métodos ilícitos, que constituem uma grave violação dos direitos da pessoa humana e que implicam em particular a tortura ou um tratamento ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes, ou que tenham implicado outras violações graves dos direitos do homem, recusam utilizar essas provas contra qualquer pessoa que não seja aquela que recorreu a esses métodos, ou informam o tribunal em consequência, e tomam todas as medidas necessárias para que seja feita justiça.
Poderes discricionários
17. Nos países onde os magistrados do Ministério Público estão investidos com poderes discricionários, a lei ou as regras ou regulamentos públicos enunciam os princípios orientadores que visam reforçar os procedimentos equitativos e favorecer as tomadas de decisão coerentes durante o processo, nomeadamente aquando do desencadear dos procedimentos judiciais ou da renúncia a esses procedimentos.
Alternativas ao processo crime
18. De acordo com a sua legislação nacional, os magistrados do Ministério Público examinam com toda a atenção a possibilidade de renúncia aos procedimentos judiciais, de pôr termo aos processos de forma condicional ou incondicional ou de os transferir para fora do sistema judiciário oficial, respeitando plenamente os direitos do ou dos suspeitos e da ou das vítimas. Os Estados devem, para esse fim, examinar atentamente, a possibilidade de adoptar métodos de transferência dos casos presentes aos tribunais não só para aligeirar a pesada carga de processos que lhes estão distribuídos mas também para evitar o estigma criado pela detenção antes do julgamento, a formação da culpa e a condenação e os efeitos perniciosos que a detenção pode implicar.
19. Nos países onde os magistrados do Ministério Público estão investidos de poderes discricionários devem poder decidir se convém, ou não, encetar um processo contra um menor, deve ser dada uma atenção particular à natureza e à gravidade da infracção, à protecção da sociedade, à personalidade e aos antecedentes do menor. Quando tomam uma decisão os magistrados do Ministério Público devem ter em especial atenção as soluções consagradas pela legislação e pela jurisprudência aplicáveis aos menores. Esforçar-se-ão por não encetar quaisquer procedimentos judiciais contra menores senão quando tal se mostre absolutamente necessário.
Relações com outros organismos e instituições públicas
20. Para assegurar a justiça e a eficácia dos processos judiciais, os magistrados do Ministério Público devem cooperar com a polícia, os tribunais, os membros das profissões forenses, a defesa, assim como com os outros organismos ou instituições públicas.
Processos disciplinares
21. As infracções disciplinares de que possam ser acusados os magistrados do Ministério Público são definidas pela lei ou regulamentos em vigor. As queixas que aleguem que um magistrado do Ministério Público agiu claramente contra os limites fixados pela deontologia profissional devem ter seguimento rápido e justo de acordo com processo apropriado. O magistrado do Ministério Público tem o direito de ser ouvido com justiça. A decisão deve poder ser objecto de revisão por autoridade independente.
22. Os procedimentos disciplinares contra os magistrados do Ministério Público devem garantir uma avaliação e decisão objectivas. Esses procedimentos devem ser efectuados em conformidade com a lei, com o código de conduta profissional e outras normas e regras de ética estabelecidas e ter em conta os presentes Princípios Orientadores.
Aplicação dos Princípios Orientadores
23. Os magistrados do Ministério Público devem respeitar os presentes Princípios Orientadores. Devem também fazer tudo o que está ao seu alcance para prevenir qualquer violação destes Princípios e opor-se-lhe activamente.
24. Os magistrados do Ministério Público que têm razões para pensar que os presentes Princípios Orientadores foram violados ou irão sê-lo, devem informar os seus superiores hierárquicos e, se for o caso, outras autoridades ou órgãos competentes com poder de revisão ou de substituição.
Fonte: Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990. Veja mais aqui
Um comentário:
"Magistrados" do Ministério Público? Cuma? Deixei passar algo na última leitura que fiz da CF? "Ah, mas na França a carreira da Magistratura permite o exercício das funções de juiz ou promotor, a depender da vocação", replica o importador desavisado. Sim, na França, que possui, por força de sua Constituição, um regime de organização político-administrativa visceralmente diverso. Que eu saiba estamos no Brasil, em que a carreira da Magistratura é uma e a do Ministério Público outra, cada uma contando com seus processos de seleção, nomeação, posse, exercício, promoção e aposentadoria. "Ah, mas as garantias institucionais (de autonomia administrativa, orçamentária e financeira) e dos membros (vitaliciedade, inamovibilidade e independência funcional) são as mesmas, razão por que seria correto o novo apelido funcional". Então, se essa é a "lógica", teremos logo, logo os "Magistrados" da Defensoria Pública, que gozam dessas mesmíssimas garantias. Ai, ai... enquanto isso os Magistrados verdadeiros seguem com o tripo do trabalho e da responsabilidade, porém, ganhando bem menos que os autointitulados "Magistrados" do Ministério Público.
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