A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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4 de agosto de 2014

Maioridade Penal


 
"Queremos reduzir a maioridade penal?" é a questão errada
 
Participei recentemente, na qualidade de neurocientista, de um debate com um delegado, um promotor, uma defensora dos direitos humanos, e um pai cuja filha adolescente foi assassinada por outro adolescente. O tema? Se a maioridade penal deveria ser reduzida de 18 anos para, por exemplo, 16. 
 
Supostamente, éramos especialistas de opiniões divergentes: três a favor, dois contra a redução. Ao longo do debate, no entanto, chegamos à conclusão que éramos todos a favor das mesmas coisas: a punição de assassinos independentemente da idade, e o fim da atual tabula rasa concedida a menores delinquentes ao completarem 18 anos. 
 
Para a neurociência, é fantasia supor que, ao completar um certo número de anos de vida, o cérebro, literalmente da noite para o dia, se torne capaz de raciocínio consequente, e portanto criminalmente imputável –e ainda esqueça todo o mal causado anteriormente. 
 
A adolescência é um processo de transformações biológicas guiadas pela experiência. Por ser um processo, e não um evento com data marcada, não há como definir quando exatamente o cérebro vira adulto. 
 
A capacidade de raciocínio abstrato, por exemplo, já está bem estabelecida aos 13-14 anos; o raciocínio consequente, base da imputabilidade, termina de amadurecer lá pelos 16-18. Mas a mielinização das conexões pré-frontais, por exemplo, o que permite decisões sensatas e maduras, só termina lá pelos 30 anos de idade. Qualquer idade, portanto, é arbitrária para marcar o fim da adolescência: a neurociência não fornece um "número mágico" que sustente a maioridade penal aos 16, 18 anos, ou qualquer outra idade.
 
E lançar ex-menores infratores de volta à sociedade com ficha limpa e "sem" antecedentes criminais, mesmo que tenham matado, esfolado e trucidado, é fantasia que beira o delírio. A qualquer idade, e ao longo de toda a vida, o cérebro é a soma cumulativa da sua biologia e de todas as experiências vividas. A borracha que o sistema judiciário passa atualmente nos ex-menores infratores infelizmente não se aplica ao cérebro. Não se recomeça do zero; mas pode se ter uma segunda chance, sim –sempre por cima de tudo o que aconteceu antes. 
 
O consenso, portanto, foi que consultar o público sobre uma redução da maioridade penal é fazer a pergunta errada –pois não há resposta certa, nem ela resolve o que de fato se busca: um sistema mais justo de punição, prevenção e proteção.
 
Por Suzana Herculano-Houzel, neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças no jornal A Folha de S. Paulo, a cada 15 dias.

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