Para a incidência da última figura, exige-se que o agente cometa
o crime (1º) sob o domínio de violenta emoção, (2º) logo em seguida (3º) a
injusta provocação da vítima. Preenchidos os três requisitos, a pena deve ser
reduzida de 1/6 a 1/3.
Primeiro, a vítima deve ter provocado, injustamente, o
agente. Segundo, a provocação deve ser a causa do violento choque emocional.
Terceiro, a reação deve ser imediata, instantânea, sem interrupção, sine intervallo, sem lapso de tempo.
A locução adverbial de tempo
logo em seguida exige atenção na análise do fato para fins de
subsunção. É princípio basilar de hermenêutica jurídica aquele segundo o qual a
lei não contém palavras inúteis
:
verba cum effectu sunt accipienda.
As palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia.
Contudo, parte da doutrina e da jurisprudência ignora essa
locução adverbial encravada no texto legal e dispensa a exigência de
imediatismo da reação.
Ora, essa posição, além de baratear o direito à vida,
homenageia a impunidade. A razão da redação legal em exigir a reação súbita é
uma condição lógica.
A regra é clara: a função mais básica do Direito é preservar
a vida em comunidade. Com efeito, quem viola o direito à vida deve receber
punição sem benesses, conforme o preceito secundário do tipo penal que
normatiza o crime de homicídio. Na hipótese de o agente, após experimentar a
injusta provocação e, sob o domínio de violenta emoção, ter, logo em seguida,
reagido, a reprimenda penal deve ser minorada.
Importa destacar que esses requisitos não admitem flexibilização
na interpretação, sob pena de desproteção da vida humana e, paradoxalmente, de
indevida proteção daquele que a atacou.
Assim, para a incidência da minorante, exige-se que o
agente, desorientado pela emoção violenta, cuja origem seja a provocação
injustamente sofrida, tenha sua consciência neutralizada, os sentidos
obliterados, em que, em verdadeiro estado de choque ou efeito paralisante, não
encontre tempo suficiente para reflexão sobre a injustiça de seu ato reativo. É
a violência impensada como reação.
Isso porque, ao agir sob o domínio de violenta emoção, sem
ânimo refletido, o agente não tem a frieza do cálculo, nem pensa em preparar-se
para a execução do crime. Esta, inclusive, deve ocorrer de forma improvisada. Por
isso mesmo que a prática do crime sem hiato no tempo entre a provocação e a
reação ensejará a aplicação de pena mais branda.
Noutras palavras, o agente, sob o influxo da emoção violenta,
não pensa outra coisa senão reagir, imediatamente, contra o injusto sofrido. Assim, encurralado pela erupção vulcânica da emoção, ataca subitamente a vítima, às
claras, sem preparação.
Bem entendido: com a perda do self control, não há espaço para qualquer tipo de reflexão. Existe,
sim, um ataque às cegas. Uma execução automática do crime.
Por lógica, se a reação do agente não foi imediata porque
saiu do local para armar-se e, minutos depois, atacar a vítima, é de
verificar-se que sua consciência reflexiva fora recobrada, fato que afasta a
incidência do privilégio.
É por tal razão que se o agente não reagiu seguidamente, mas,
ao contrário, com sanha vingativa, preparou-se para o crime, conclui-se que houve
tempo suficiente para a retomada do autocontrole. O que vale a dizer: essa
espécie repentina de sentimento, agudamente, perturbado não admite a
premeditação.
Na realidade, é necessário um resgate de parte da História
do Direito Penal pátrio. O atual Código Penal, que foi editado em 1940,
incorporou aquilo que no Código Penal de 1890 e na Consolidação das Leis Penais
de 1932 era causa de inimputabilidade, qual seja,
a completa privação ou perturbação dos sentidos e da inteligência. Entretanto, cambiou sua
nomenclatura para o
domínio de violenta
emoção e a transformou em causa de diminuição de pena nos crimes
de homicídio e lesões corporais.
Nas três primeiras décadas do século XX, a perturbação dos sentidos era a tese
jurídica preferida dos advogados para livrar da condenação os assassinos de
mulheres. Nessa época, ocorreu a maior polêmica entorno desse engenho legal entre
defensores e acusadores de “criminosos passionais”, entre os quais Evaristo de
Morais e Roberto Lyra, respectivamente, como defensor e promotor.
Com o advento do Código Penal atual, houve, então, a modificação
dessa causa de inimputabilidade penal em causa de diminuição de pena, com o
balizamento de sua incidência, no claro objetivo de impor a responsabilidade
penal e, mais que isso, arrostar qualquer tipo de banalização do privilégio,
reservando-o para casos especiais, em que houver a observância estrita de seus
requisitos.
Não por outra razão que o mesmo código distinguiu muito bem influência de domínio, no que concerne à violenta emoção. Aquela é atenuante (art.
65, III, “c”), ao passo que este é causa de diminuição da pena.
Na verdade, as alterações trazidas pela nova codificação
representaram o triunfo da bandeira liderada por Afrânio Peixoto, Nelson
Hungria e Roberto Lyra
contra os abusos de utilização da
perturbação
dos sentidos em busca de absolvição dos “matadores de mulheres”, que agiam
com frieza e dissimulação nos chamados “crimes de paixão”.
Bem se vê, então, que só é possível reconhecer essa causa de
diminuição de pena quando observados à risca os três requisitos trazidos no
artigo de lei, sem elastérios ou jeitinhos interpretativos. Se assim não for,
haverá muito assassino sendo agraciado com pena aquém da devida. E isso, numa
palavra, não é outra coisa senão impunidade.
Portanto, tolerar o transcurso de tempo entre a ação da
vítima e a reação do agente para fins de reconhecimento do privilégio, é
homenagear a impunidade em detrimento do ordenamento jurídico e, o mais grave e
inadmissível, do maior de todos os direitos da humanidade, a vida.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso,
Presidente da Confraria do Júri e Editor do blog “Promotor de Justiça”.
MAXIMILIANO,
Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 204.
Artigo 27, §4º, do Código Penal de 1890, cuja redação foi preservada em
essência pela Consolidação das Leis Penais de 1932: Não são criminosos os que se
acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de
cometer o crime.
LYRA,
Roberto. Amor e Responsabilidade Criminal. São Paulo, Saraiva, 1932.
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