A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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10 de abril de 2013

A hediondez do tráfico de drogas

 
 
Está na pauta do plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 110884/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski) um pedido absurdo e despropositado: que a primeira condenação por tráfico de drogas não seja considerada como crime hediondo. Ou seja, apenas quando o traficante for reincidente seria possível aplicar as regras mais rigorosas dos crimes hediondos.
 
O requerente do caso citado foi condenado por tráfico internacional de drogas e pleiteia o benefício do indulto, ao argumento de que a Lei 8.072/90 prevê apenas o tráfico de drogas como hediondo, mas não prevê o chamado “tráfico privilegiado”, que é a hipótese em que o traficante tem a pena reduzida em até dois terços, se for primário e de bons antecedentes (Lei 11.343/06, art. 33, § 4º).
 
O que define a hediondez de um delito é o horror da conduta e de seu resultado e não o fato daquela conduta ter sido praticada uma ou duas vezes. Uma conduta é hedionda, mesmo que praticada uma única vez. Não é possível considerar que o crime seja hediondo apenas quando reiterada a prática.
 
Apesar da doutrina ter usado a expressão “tráfico privilegiado” para a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, não se trata de um crime novo ou diferente do tráfico propriamente dito, mas apenas hipótese em que a primariedade e bons antecedentes, além de outros requisitos, permitem a redução de pena. A conduta é exatamente aquela prevista no tipo base do tráfico (art. 33, caput, da Lei 11.343/06).
 
A Constituição Federal garante que todo e qualquer tráfico seja punido de forma mais rigorosa, pois o legislador constituinte, ao delegar ao legislador ordinário quais seriam os crimes hediondos, deixou claro, que pelo menos três deles deveriam ser considerados como delitos merecedores de repulsa especial: tráfico de drogas, terrorismo e tortura (CF, art. 5º, XLIII). Resta claro, portanto, que vender drogas na porta da escola deve ser considerado hediondo tanto na primeira, quanto na segunda vez em que for praticado.
 
Vários julgados do Superior Tribunal de Justiça chegaram à mesma conclusão: a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não é suficiente para provocar o afastamento da equiparação existente entre o delito de tráfico ilícito de drogas e os crimes hediondos, dado que não há a constituição de novo tipo penal, distinto da figura descrita no caput do mesmo artigo, não sendo, portanto, o “tráfico privilegiado” tipo autônomo (HC 149942/MG; HC 143361/SP; HC 197.387/MS e HC 219.960/MS, entre outros).
 
Retirar sua natureza hedionda resulta em estímulo à traficância. Apesar do crime de tráfico estar sujeito à pena de 5 a 15 anos de prisão, são tantos os benefícios possíveis que é quase certo que, em pouco tempo, o traficante estará novamente nas ruas. Como os traficantes costumam conhecer a legislação e utilizá-la a seu favor, a maioria deles tenta simular a condição de usuário e trazer consigo pequena quantidade de drogas, o que resulta na invariável aplicação da pena mínima de 5 anos, permitindo-se a redução de até 2/3 se forem primários, o que resulta em uma condenação de apenas 1 ano e 8 meses. Se o STF aceitar o pedido de não consideração da hediondez e o regime fechado for aplicado, os traficantes teriam direito a progressão de regime depois de cumpridos 1/6 da pena, ou seja, estariam nas ruas em apenas 3 meses e 10 dias. Mas a situação ainda é mais vantajosa, porque poderia ser aplicado o regime aberto e a substituição por penas alternativas para o exemplo citado.
 
Importante observar que o pequeno traficante também faz parte do grande esquema de distribuição de drogas. Acreditar que ele é inofensivo é um equívoco. Em carta enviada à revista Veja (ed. 2294, novembro/2012, p. 44), o leitor carioca Ruy Mozzato lembra que “quem pode entrar em sua casa para oferecer o primeiro baseado a seu filho não é o grande traficante....O pequeno traficante é o grande inimigo”.
 
Existe uma tentativa forçada de algumas pessoas de reduzir as penas para esvaziar os presídios. Com uma punição de apenas 3 meses, os presídios realmente ficarão vazios, mas as ruas estarão cheias de traficantes.
 
Por José Theodoro Corrêa de Carvalho, Promotor de Justiça no Distrito Federal.
 
Fonte: Jornal Correio Braziliense de 11/3/2013
 
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