A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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13 de março de 2013

Lei 12.736/12 e a nova detração penal

 
 
No dia 3 de dezembro do ano passado, foi publicada a Lei 12.736/12, que dispõe sobre a detração penal a ser realizada pelo juiz de conhecimento no momento em que é prolatada a sentença condenatória. Apesar de o enunciado da Súmula 716 do STF já admitir a “progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”, o tema é novo na medida em que dota o juiz de conhecimento de competência para realizar a detração, antes conferida apenas ao juiz da execução, a fim de que sejam evitadas situações em que o apenado “tenha que aguardar a decisão do juiz da execução penal, permanecendo nessa espera em regime mais gravoso ao que pela lei faz jus”, conforme consta da exposição de motivos.
 
O enunciado da referida súmula decorreu da necessidade de assegurar os benefícios da execução da pena aos sentenciados que se encontravam acautelados no período anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Como meio de assegurar a ampla utilização da via recursal sem prejuízos ao apenado que se encontrava preso, foi permitido ao juiz da execução proceder à progressão de regime enquanto não ocorria o trânsito em julgado em definitivo.
 
A novel legislação vem, de modo semelhante, permitir progressão de regime com a detração na sentença do período em que o réu permaneceu preso a título de prisão preventiva ou internação, uma vez que os arts. 42 do Código Penal e 111 da Lei de Execução Penal preveem o instituto apenas por ocasião da pena privativa de liberdade e para a medida de segurança.
 
O § 2º acrescentado ao art. 387 do Código de Processo Penal é claro ao dispor que: “O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
 
Todavia, alguns pontos merecem análise mais detida. O primeiro deles é que a norma não revogou o art. 110 da Lei de Execução Penal, o qual reza: “O juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal”.
 
O § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal deve ser interpretado como exigência de um novo capítulo da sentença condenatória, a posteriori da fase da dosimetria da pena. O sistema trifásico previsto no art. 68 do Código Penal, assim como o exame do regime imposto para a pena — art. 33, § 3º do Código Penal — e eventual unificação em caso de concurso de penas continuam inalterados. Somente após essa análise é que se apreciará, se for o caso, a incidência do § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal.
 
Portanto, o juiz dedicará, na sentença, um capítulo próprio para a dosimetria da pena — como já fazia — no qual fixará o regime inicial de  cumprimento com base na pena final aplicada na sentença, não considerando, nessa oportunidade, a “nova detração penal” oriunda da lei em comento.
 
Em seguida, em novo capítulo da sentença, o magistrado reconhecerá ou não o direito do réu à progressão de regime, caso este tenha tempo de prisão processual suficiente para tanto. Desse modo, a pena definitiva e o verdadeiro regime inicial de cumprimento da pena, inclusive o que será indicado na carta de guia a ser enviada à Vara de Execução Penal, são aqueles determinados pelo art. 110 da LEP, ou seja, os encontrados no capítulo da pena definitiva (e não naquela detraída da prisão preventiva já cumprida). É preciso rememorar que a pena definitiva não tem somente a função de fixação do regime inicial do cumprimento da pena, mas é também referência para o cômputo do prazo prescricional da pretensão punitiva ou executória, unificação de penas, indultos e comutações, benefícios para trabalho externo e saídas temporárias.
 
Um segundo ponto que merece atenção é o referente ao objetivo da novel legislação: somente ocorrerá a detração penal pelo juiz do processo de conhecimento para fins de progressão de regime de pena. Isso significa que, nas hipóteses em que a detração não é hábil a modificar o regime, não haverá cômputo inferior de pena a ser realizado, sob pena de o juízo de conhecimento invadir a competência do juízo da execução, pois o art. 66, III, ”c”, da LEP, não restou alterado pela Lei 12.736/12 nesse particular.
 
A detração a ser realizada pelo juiz de conhecimento, conforme determinado pela nova lei, é apenas para fins de regime de pena, em relação tão-somente ao início de cumprimento da reprimenda. Se este não for alterado, não pode haver cálculos para diminuir a reprimenda. Nesse caso, o juiz disporá que deixa de aplicar a detração prevista no § 2º, do art. 387 do Código de Processo Penal, vez que o regime não será modificado, não obstante o período de prisão preventiva do sentenciado.
 
Pensar de modo diverso significa invadir seara de competência do juízo da execução, incidindo à espécie nulidade indicada no art. 564, inciso I, do Código de Processo Penal. Além disso, essa consideração equivocada do tempo de detração, como se desconto fosse, ensejaria perplexidades, como a de que o tempo de custódia cautelar tivesse cômputo diverso do tempo de recolhimento próprio da execução penal em sentido estrito.
 
O terceiro ponto de cuidado refere-se à atenção a ser dada à incidência da nova lei, a fim de que não sejam conduzidas situações que se desviem do seu objetivo, qual seja, o acesso dos sentenciados ao direito à primeira progressão de regime. Não se podem criar situações benéficas indevidas que possam culminar em excessivo volume de revisão de execuções em curso, tornando ainda mais crítica a execução penal.
 
Exemplo disso refere-se à consideração de que nem toda prisão provisória pode ser usada para fins de detração, sob pena de se criar uma "conta corrente de pena" em favor do criminoso, o que lhe permitiria praticar crimes futuros sem receber qualquer reprimenda. As penas admitem a detração quando diversos os fatos, desde que os delitos tenham sido perpetrados em data anterior à prisão indevida. Esse cálculo somente pode ser realizado pelo juiz da execução.
 
Somente ao juiz da execução penal compete avaliar se, na espécie, estão presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão de qualquer benefício com a observância do acompanhamento disciplinar até o final do cumprimento da pena. Não se pode vincular à progressão de regime a um mero procedimento de cálculo aritmético de cumprimento de pena, ignorando o mérito do sentenciado e, verdadeiramente, negando vigência ao que estabelece o art. 112 da Lei de Execução Penal.
 
O juiz de conhecimento que se deparar com situações em que seja necessária a avaliação mais detida do apenado por meio de laudos criminológicos deverá se negar a proceder a progressão, sob pena de violar a correta individualização da pena, pois um exame mais detido do mérito do acusado é incompatível com a fase da prolação da sentença condenatória.
 
Por fim, se observa que a Lei 12.736/12 é mais uma lei que vem suprir a falta de políticas públicas ao sistema de execução penal. Tornou-se rotineiro procurar resolver problemas sociais, principalmente do sistema carcerário, por meio de leis penais despenalizadoras. Todavia, os operadores do direito não podem, de modo açodado e sem uma análise crítica da nova lei, transformar o processo de conhecimento em processo de execução com uma única penada, sob pena de transformar a execução penal em uma grande falácia e consagrar, em definitivo, a impunidade.
 
Por Rejane Jungbluth Juíza substituta da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, pós-grauada pela FEMPDFT.
 
Fonte: Jornal "Correio Braziliense" de 25/02/2013.

Um comentário:

Fernando M. Zaupa disse...

Bom,
a impunidade já fora lançada há muitos anos, via decisão do STF que praticamente acabou com a Lei de Crimes Hediondos, depois pelo fim da obrigatoriedade dos exames criminológicos, em seguida pelos diversos indultos a toque de caixa, caminhando com diversas leis a diminuir as penas de diversos crimes, depois as decisões do STF instituindo a 'pena mínima' já que quase todos os requisitos do art. 59 do CP 'são inconstitucionais', o poder inventado e aceito por juristas e tribunais de que 'ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo' para todos se escusarem de 'obedecer' a lei (só aqui mesmo...), a mudança no CPP para o réu escutar e ver todos os depoimentos para só então dizer o que quer ao final (essa é realmente Kafkiana!), a xaropada do alegado constrangimento das algemas em tribunais do júri, a nova e utópica Lei das Prisões (não seria Lei das Solturas?), e assim vamos...sempre a favor de Sua Excelência, o Bandido!
Desculpas às favas, mas quem cria, aprova, vota a favor, aplica, gosta, aplaude e usa tais leis e interpretações, é tão responsável pela onda de crimes quanto o marginal que atira, que estupra, que rouba, que corrompe, que mata...
É isso...
...e deixe eu voltar aos meus recursos (pra quem?), contra essa política da pena mínima e tudo pró réu!
Força a nós, caro César!
Abração
Fernando Zaupa
C.Grande-MS-Brasil

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