A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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18 de fevereiro de 2013

Art. 184, §2o, do CP: Pirataria


 
 
Fonte: BARROS, Francisco Dirceu. As 200 maiores controvérsias do Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2012.
 
 
O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E A TOLERÂNCIA DA VENDA DE DVDs E CDs
 
Dissensão: Pode-se castigar aquilo que a sociedade tolera? (Mir Puig).
 
Hans Welzel foi o primeiro doutrinador a defender que não é possível considerar delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre em um tipo penal formalmente típico.
 
Modernamente, o princípio da adequação social, como excludente da tipicidade material, vem ganhando grande aceitação entre os doutrinadores penais, pois, em realidade, é certo que se determinados comportamentos, mesmo formalmente típicos, são aceitos pela sociedade, não há o que falar em afronto as regras de condutas sociais, o que há é um pleno desajuste entre a norma penal incriminadora e o socialmente permitido, tal incongruência, resolve-se pela atipicidade material, ou seja, embora o fato seja típico em sentido formal, será atípico em sentido material, uma vez que, da análise do contexto prático nenhuma lesão social é evidenciada.
 
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[1],  destacam que:
 
A partir da premissa de que o direito penal somente tipifica condutas que têm certa "relevância social", posto que do contrário não poderiam ser delitos, deduz-se, como conseqüência, que há condutas que, por sua "adequação social", não podem ser consideradas como tal (Welzel). Esta é a essência da chamada teoria da "adequação social da conduta": as condutas que se consideram "socialmente adequadas" não podem ser delitos, e, portanto, devem ser excluídas do âmbito da tipicidade.
 
Neste sentido, hoje no Brasil, a venda de DVDs e CDs copiados, são uma realidade constante em todas cidades, tornando-se uma prática cultural e, destarte, socialmente tolerada, in casu, não pode ser mais combatida pelas normas penais.   
 
O futuro do direito penal passa, impreterivelmente, por uma busca constante de um direito penal, fragmentário, subsidiário, intervindo tão-somente em contendas em que as outras ramificações do direito não são aptas a propiciar uma solução eficaz.
 
Tal conduta, repito, por ser tolerada, não causa lesão a sociedade e sim as gravadoras, mas o direito penal não pode ser usado para patrocinar interesses de grandes conglomerados econômicos,  que teem no processo civil mecanismo adequadas para combater tal atividade, a ação de busca e apreensão, danos morais, danos materiais, etc.
 
Entender de forma diversa é consagrar a instrumentalização do Direito Penal como meio de coerção ao pagamento de dívidas civis e de intervenção econômica para a garantia de monopólios privados". [2]
 
Falamos, neste contexto, no caráter fragmentário do Direito Penal, pois como bem destaca Bitencourt[3]: 

o caráter fragmentário do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos, mas tão-somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes. (...) Quando se fala em justa causa, está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém. Inclusive, se devidamente considerado, o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa. Deve existir (...) uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual, de um lado, e o custo do processo penal, de outro”.
 
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
 
1ª posição: Vendas CDs e DVDs “pirateados”. Aceitação Social Da Conduta. Interpretação Praeter Lege.
 
Cidadão denunciado porque tinha em depósito, para fins de venda a terceiros em uma feira, grande quantidade de CDs e DVDs “pirateados”, em violação de direitos autorais; incidindo o Código Penal no artigo 184, §§ 1º e 2º. Sentença absolutória, baseada na insuficiência de provas.Apelação do MP de 1º grau, com respaldo do MP de 2º grau. Respeitosa discordância. Provas coligidas na etapa policial e na instrução que destroem a versão do réu no interrogatório em que tinha tais objetos de imagem e som, ou apenas de som, para utilização pessoal; o que até contraria lógica elementar. No entanto, razão do provimento de piso por outro fundamento. Fato notório de que em todo o Estado do Rio de Janeiro, e talvez em todo o Brasil, CDs e DVDs são vendidos em grandes quantidades, por ambulantes, e por preços módicos; sobretudo, devido ao alto custo para a grande maioria da população. Fato também notório de que pessoas, mesmo de condição social média, média para elevada, e elevada, através da Internet, obtém cópias de filmes e de obras musicais, relegando ao oblívio os ditos direitos de autor.Positivação de que o réu; operário de “lava-jato”; com baixíssima renda, a complementava com tal atividade, por certo ilícita, porém muito menos lesiva à sociedade do que o comércio de drogas ou a investida violenta ao patrimônio alheio. Rigor de o julgador estar atento à sofrida realidade social deste país, a qual assim continua; embora de pouco alterada nos últimos tempos. Tipicidade que existe no sentido próprio, mas que é afastada in casu pela aceitação social da mesma conduta; e que apenas cessará por medidas sólidas, de governantes e legisladores, combatendo pelas reais origens. Possibilidade de o Poder Judiciário atuar praeter lege, em casos como o vertente, evitando que o máximo do direito se converta no máximo da injustiça; assim evitando atitude farisaica. Princípios, na esteira, contidos no Preâmbulo e no corpo da Carta Republicana. Incidência, por analogia, do artigo 386, III, da Lei de Regência. Recurso que se desprovê. Voto vencido. Processo No: 0012765-12.2008.8.19.0036 (2009.050.06600. TJ/RJ - 25/10/2011 10:49 -Segunda Instância - Autuado em 18/9/2009). Sexta Câmara Criminal).
 
POSIÇÃO DIVERGENTE
 
2ª posição: Inadmissibilidade da tese de atipicidade da conduta, por força do princípio da adequação social. Incidência da norma penal incriminadora.
 
STF: Crime De Violação De Direito Autoral. Venda De Cd's "Piratas". Alegação De Atipicidade Da Conduta Por Força Do Princípio Da Adequação Social. Improcedência. Norma Incriminadora Em Plena Vigência. Ordem Denegada. I - A conduta do paciente amolda-se perfeitamente ao tipo penal previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal. II - Não ilide a incidência da norma incriminadora a circunstância de que a sociedade alegadamente aceita e até estimula a prática do delito ao adquirir os produtos objeto originados de contrafação. III - Não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente estabelecidos. IV - Ordem denegada. (HC 98898/SP – São Paulo – Habeas Corpus - Relator(A): Min. Ricardo Lewandowski - Julgamento: 20/04/2010 Órgão Julgador: Primeira Turma).
 
STJ: Exposição à venda de Dvd's Piratas. Inadmissibilidade da tese de atipicidade da conduta, por força do princípio da adequação social. 1. Os pacientes foram surpreendidos por policiais comercializando, com violação de direito autoral, 287 DVD's e 230 CD's conhecidos vulgarmente como piratas; ficou constatado, conforme laudo pericial, que os itens são cópias não autorizadas para comercialização (fls. 182). 2. Mostra-se inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o fato de parte da população adquirir tais produtos não tem o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, do tipo previsto no art. 184, § 2o. do CPB; a não aplicação de uma norma penal incriminadora, mesmo que por prolongado tempo, ou a sua inobservância pela sociedade, não acarretam a sua eliminação do ordenamento jurídico, por se tratar de comportamento social contra-legem. 3. O prejuízo causado nesses casos não está vinculado apenas ao valor econômico dos bens apreendidos, mas deve ser aferido, também,pelo grau de reprovabilidade da conduta, que, nesses casos, é alto, tendo em vista as consequências nefastas para as artes, a cultura e a economia do País, conforme amplamente divulgados pelos mais diversos meios de comunicação. (HC 113.702/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 03.08.2009 e HC 161.019/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01.04.2011.4. Ordem denegada.

[1] Zaffaroni, Eugenio Raúl, Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: RT, 2004.

[2] No mesmo sentido: VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual. Revista dos Tribunais, São Paulo, a.95, n. 844, p. 443-456, fevereiro de 2006.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004

Um comentário:

CONSIDERANDO BEM... disse...

Como diria o brasileiro 'ispertu', 'na boa', mas essa tal de 'adequação social' nada mais é, fora do juridiques de gabinete e cátedra, um jeitinho para o Judiciário legislar!
Aliás, se nesse país de marginalidade, criminalidade e exemplos de pilantragem principalmente no alto escalão, 'adequação social' pode gerar muita estória para absolver quem se quiser....
Abraços
F.Zaupa
MPMS

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