O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E A TOLERÂNCIA DA VENDA DE DVDs E CDs
Dissensão: Pode-se
castigar aquilo que a sociedade tolera? (Mir Puig).
Hans Welzel
foi o primeiro doutrinador a defender que não é possível considerar
delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre
em um tipo penal formalmente típico.
Modernamente,
o princípio da adequação social, como excludente da tipicidade material, vem
ganhando grande aceitação entre os doutrinadores penais, pois, em realidade, é
certo que se determinados comportamentos, mesmo formalmente típicos, são
aceitos pela sociedade, não há o que falar em afronto as regras de condutas
sociais, o que há é um pleno desajuste entre a norma penal incriminadora e o
socialmente permitido, tal incongruência, resolve-se pela atipicidade material,
ou seja, embora o fato seja típico em sentido formal, será atípico em sentido
material, uma vez que, da análise do contexto prático nenhuma lesão social é
evidenciada.
Eugenio Raúl
Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[1], destacam que:
A partir da
premissa de que o direito penal somente tipifica condutas que têm certa
"relevância social", posto que do contrário não poderiam ser delitos,
deduz-se, como conseqüência, que há condutas que, por sua "adequação
social", não podem ser consideradas como tal (Welzel). Esta é a essência
da chamada teoria da "adequação social da conduta": as condutas que
se consideram "socialmente adequadas" não podem ser delitos, e,
portanto, devem ser excluídas do âmbito da tipicidade.
Neste
sentido, hoje no Brasil, a venda de DVDs e CDs copiados, são uma realidade
constante em todas cidades, tornando-se uma prática cultural e, destarte,
socialmente tolerada, in casu, não pode ser mais combatida pelas normas
penais.
O futuro do
direito penal passa, impreterivelmente, por uma busca constante de um direito
penal, fragmentário, subsidiário, intervindo tão-somente em contendas em que
as outras ramificações do direito não são aptas a propiciar uma solução eficaz.
Tal conduta, repito, por ser tolerada, não causa lesão a sociedade e sim
as gravadoras, mas o direito penal não pode ser usado para
patrocinar interesses de grandes conglomerados econômicos, que teem no processo civil mecanismo
adequadas para combater tal atividade, a ação de busca e apreensão, danos
morais, danos materiais, etc.
Entender de forma diversa é consagrar a instrumentalização do Direito
Penal como meio de coerção ao pagamento de dívidas civis e de intervenção
econômica para a garantia de monopólios privados". [2]
Falamos, neste contexto, no caráter fragmentário do Direito Penal, pois
como bem destaca Bitencourt[3]:
“o caráter fragmentário do Direito Penal significa que o Direito
Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos, mas
tão-somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra
bens mais relevantes. (...) Quando se fala em justa causa, está se tratando
de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do
processo e as diversas penas processuais que ele contém. Inclusive, se
devidamente considerado, o princípio da proporcionalidade visto como proibição
de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa
causa. Deve existir (...) uma clara proporcionalidade entre os elementos que
justificam a intervenção penal e processual, de um lado, e o custo do processo
penal, de outro”.
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
1ª posição: Vendas CDs e DVDs “pirateados”. Aceitação
Social Da Conduta. Interpretação Praeter Lege.
Cidadão denunciado porque tinha em depósito, para
fins de venda a terceiros em uma feira, grande quantidade de CDs e DVDs
“pirateados”, em violação de direitos autorais; incidindo o Código Penal no
artigo 184, §§ 1º e 2º. Sentença absolutória, baseada na insuficiência de
provas.Apelação do MP de 1º grau, com respaldo do MP de 2º grau. Respeitosa
discordância. Provas coligidas na etapa policial e na instrução que destroem a
versão do réu no interrogatório em que tinha tais objetos de imagem e som, ou
apenas de som, para utilização pessoal; o que até contraria lógica elementar.
No entanto, razão do provimento de piso por outro fundamento. Fato notório
de que em todo o Estado do Rio de Janeiro, e talvez em todo o Brasil, CDs e
DVDs são vendidos em grandes quantidades, por ambulantes, e por preços módicos;
sobretudo, devido ao alto custo para a grande maioria da população. Fato
também notório de que pessoas, mesmo de condição social média, média para
elevada, e elevada, através da Internet, obtém cópias de filmes e de obras
musicais, relegando ao oblívio os ditos direitos de autor.Positivação de
que o réu; operário de “lava-jato”; com baixíssima renda, a complementava com
tal atividade, por certo ilícita, porém muito menos lesiva à sociedade do que o
comércio de drogas ou a investida violenta ao patrimônio alheio. Rigor de o
julgador estar atento à sofrida realidade social deste país, a qual assim
continua; embora de pouco alterada nos últimos tempos. Tipicidade que existe
no sentido próprio, mas que é afastada in casu pela aceitação social da mesma
conduta; e que apenas cessará por medidas sólidas, de governantes e
legisladores, combatendo pelas reais origens. Possibilidade de o Poder
Judiciário atuar praeter lege, em casos como o vertente, evitando que o máximo
do direito se converta no máximo da injustiça; assim evitando atitude
farisaica. Princípios, na esteira, contidos no Preâmbulo e no corpo da Carta
Republicana. Incidência, por analogia, do artigo 386, III, da Lei de Regência.
Recurso que se desprovê. Voto vencido. Processo No: 0012765-12.2008.8.19.0036
(2009.050.06600. TJ/RJ - 25/10/2011 10:49 -Segunda Instância - Autuado em
18/9/2009). Sexta Câmara Criminal).
POSIÇÃO
DIVERGENTE
2ª posição: Inadmissibilidade da tese de
atipicidade da conduta, por força do princípio da adequação social. Incidência
da norma penal incriminadora.
STF: Crime De Violação De Direito Autoral. Venda De
Cd's "Piratas". Alegação De Atipicidade Da Conduta Por Força Do
Princípio Da Adequação Social. Improcedência. Norma Incriminadora Em Plena
Vigência. Ordem Denegada. I - A conduta do paciente amolda-se perfeitamente ao
tipo penal previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal. II - Não ilide a
incidência da norma incriminadora a circunstância de que a sociedade
alegadamente aceita e até estimula a prática do delito ao adquirir os produtos
objeto originados de contrafação. III - Não se pode considerar socialmente
tolerável uma conduta que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do
pagamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes
regularmente estabelecidos. IV - Ordem denegada. (HC 98898/SP – São Paulo – Habeas
Corpus - Relator(A): Min. Ricardo Lewandowski - Julgamento: 20/04/2010 Órgão
Julgador: Primeira Turma).
STJ: Exposição à venda de Dvd's Piratas.
Inadmissibilidade da tese de atipicidade da conduta, por força do princípio da
adequação social. 1. Os pacientes foram surpreendidos por policiais
comercializando, com violação de direito autoral, 287 DVD's e 230 CD's
conhecidos vulgarmente como piratas; ficou constatado, conforme laudo pericial,
que os itens são cópias não autorizadas para comercialização (fls. 182). 2. Mostra-se
inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o
fato de parte da população adquirir tais produtos não tem o condão de impedir a
incidência, diante da conduta praticada, do tipo previsto no art. 184, § 2o. do
CPB; a não aplicação de uma norma penal incriminadora, mesmo que por prolongado
tempo, ou a sua inobservância pela sociedade, não acarretam a sua eliminação do
ordenamento jurídico, por se tratar de comportamento social contra-legem.
3. O prejuízo causado nesses casos não está vinculado apenas ao valor econômico
dos bens apreendidos, mas deve ser aferido, também,pelo grau de reprovabilidade
da conduta, que, nesses casos, é alto, tendo em vista as consequências nefastas
para as artes, a cultura e a economia do País, conforme amplamente divulgados
pelos mais diversos meios de comunicação. (HC 113.702/RJ, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 03.08.2009 e HC 161.019/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, DJe 01.04.2011.4. Ordem denegada.
[1] Zaffaroni, Eugenio Raúl, Pierangeli, José
Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São
Paulo: RT, 2004.
[2] No
mesmo sentido: VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual.
Revista dos Tribunais, São Paulo, a.95, n. 844, p. 443-456, fevereiro de 2006.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito
Penal, Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004
Um comentário:
Como diria o brasileiro 'ispertu', 'na boa', mas essa tal de 'adequação social' nada mais é, fora do juridiques de gabinete e cátedra, um jeitinho para o Judiciário legislar!
Aliás, se nesse país de marginalidade, criminalidade e exemplos de pilantragem principalmente no alto escalão, 'adequação social' pode gerar muita estória para absolver quem se quiser....
Abraços
F.Zaupa
MPMS
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