O Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira (foto) faz profunda
análise do garantismo penal, através dos seus pressupostos teóricos e
dos seus trágicos efeitos na sociedade brasileira.
O entrevistado é atualmente Coordenador
do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON) do
Ministério Público de Santa Catarina.
Obteve o título de Doutor em Filosofia do Direito na Universidade
de Navarra (Espanha) em 1987, com pós-doutorado na mesma instituição.
Exerce o magistério na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e
na Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa
Catarina, tendo proferido palestras em inúmeros eventos acadêmicos de
universidades no Brasil e no exterior.
Tem publicado vários artigos em revistas científicas e diversos
livros no campo da Filosofia do Direito, da Política Jurídica e da Teologia, dos
quais se destacam: O Conceito de Acusação, Revista dos Tribunais, S.
Paulo, 1996; Filosofia da Política Jurídica, Univali, Itajaí, 2001;
A Verdadeira face do Direito Alternativo, 4ª ed., Juruá, 2006;
Princípios Básicos de Política Jurídica, Obra Jurídica, Florianópolis,
2005 (este último prefaciado pelo Príncipe Imperial do Brasil, D. Bertrand de
Orleans e Bragança).
É membro da Academia Catarinense de Filosofia e do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
O Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira concede esta
entrevista exclusiva para Catolicismo sobre uma ação ideológica pouco
percebida pela comunidade do pensamento jurídico brasileiro, e que vem baldeando
as mentalidades dos juristas para uma progressiva esquerdização da doutrina do
direito penal e do processo penal. Trata-se da perigosa voga ideológica do
garantismo penal — expressão-talismã de fundo marxista e com retoques
gramscianos —, um conjunto de teorias visando apresentar os criminosos como
verdadeiras vítimas, e estas como os verdadeiros opressores.
Catolicismo — Por que o seu
interesse sobre a evolução ideológica do Direito Penal e do processo
penal?
Dr. Gilberto Callado — O problema
da criminalidade no Brasil atual é assaz preocupante. Os incontáveis crimes sem
resposta penal e a consectária sensação de insegurança que vem se intensificando
na alma dos brasileiros desafiam a inteligência dos estudiosos da matéria, para
verem não só as causas, mas também apontar soluções para esse drama da violência
criminosa sem fim. Como venho estudando há muitos anos a decadência
multissecular do Direito natural e de seus reflexos no Direito positivo, cheguei
impreterivelmente ao campo penal, até pela inevitável conexão dele com a minha
atuação no Ministério Público.
Catolicismo — Em que estado se encontra o
Direito Penal no Brasil?
Dr. Gilberto Callado
— Péssimo, para não dizer caótico. Os erros manifestam-se
em duas linhas de atuação do Estado: como legislador e como juiz. Criam-se leis
ineficientes e muitas vezes contraditórias, e depois essas mesmas leis são
aplicadas de maneira amerceadora — tendente a conceder mercê. Não há critérios
reais de tutela dos bens jurídicos, nem uma verdadeira política de eficiência
processual. A política criminal está na contramão da sistematização eficiente
das leis penais. Vou dar alguns exemplos. Pune-se com a mesma intensidade o
agricultor que derruba uma árvore nativa e uma mãe que mata o filho no ventre;
pune-se o indivíduo que comete um roubo simples com o dobro da pena que ele
receberia se tivesse mutilado os dois olhos de seu desafeto. Qualquer brasileiro
pode hoje entrar nas dependências do Supremo Tribunal Federal e agredir um de
seus ministros sem sofrer por isso prisão em flagrante, por se tratar de
“infração de menor potencial ofensivo”. Com todas as benesses de progressão
prisional e de remissão da pena, quem comete um homicídio no seu tipo
fundamental não ultrapassa um ano de cárcere. Na Lei de Execuções Penais os
sentenciados têm muito mais direitos do que deveres, além de ela tornar-se
impraticável, pela desordenada situação carcerária do País. Tudo isso reflete um
processo de desmonte do Direito Penal, e da correlata materialização de
dificuldades para a Justiça Penal em concluir eficazmente os
processos.
Catolicismo —
Qual a razão de chegarmos a esse estado?
Dr.
Gilberto Callado — Os motivos são vários, mas destaco a
contaminação ideológica nas universidades, que vêm formando juristas e políticos
com mentalidade cada vez mais liberal e esquerdizante. Vejam-se os constituintes
de 1988. Estavam desiludidos com os instrumentos legais usados pelos governos
militares contra os presos políticos, e por isso criaram extenso rol de
franquias para os acusados, sem dar a devida atenção às vítimas e à própria
sociedade. Curiosamente, foi na época do governo Geisel que a Lei 6416/77
concedeu um favor inédito no sistema processual: a liberdade provisória sem
fiança. Infelizmente, essa dogmática evoluiu para a ideologia
garantista, que vinha sendo gestada havia quase uma década pelos
teóricos do Direito alternativo, começado na Itália e assimilado por alguns
juristas brasileiros, como uma sutil forma de obliterar o seu pano de fundo
marxista com as tintas suaves do gramscismo.
Catolicismo — O Sr. poderia nos
explicar o que é o garantismo?
Dr.
Gilberto Callado — O garantismo compreende um
conjunto de teorias sobre o direito e o processo penal com vistas a um modelo
revolucionário de Justiça penal, em que os criminosos são as verdadeiras
vítimas, e estas os verdadeiros opressores. Esse modelo compreende determinado
tipo de luta política de cidadania, isto é, uma idéia inicial de oposição do
cidadão ao arbítrio do Estado. Mas o pano de fundo é a criminalidade dialética,
direcionada a bipolaridades do tipo "cidadão contra o Estado" e "bandido contra
a vítima". O Direito Penal perde a sua finalidade retributiva, para ser apenas
uma medida terapêutica; o processo penal, a sua finalidade instrumental de
punibilidade, para ser apenas instrumento de todas as franquias e garantias
voltadas à infeliz personagem do réu. Algumas de suas propostas chegam a ser
risíveis, como as do jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli — inventivo da
doutrina garantista — que advoga a eliminação da prisão cautelar ou,
alternativamente, a sua aplicação com todas as comodidades de um bom albergue.
Catolicismo —
Portanto, o garantismo não é a defesa do cidadão contra as
arbitrariedades do Estado...
Dr. Gilberto Callado
— Esse é o artifício ideológico da doutrina
garantista. Os seus defensores têm a mesma consciência ideológica dos
juristas que defendiam no passado o Direito alternativo. Eles assumem para si um
modelo hermenêutico de permanente resistência ao Estado atual, que consideram
Estado-burguês-capitalista. Todas as leis penais e processuais que dele provêm
são intrinsecamente injustas, e por isso é preciso opor-lhes resistência,
interpretando-as de modo a favorecer o processo revolucionário alternativo.
Catolicismo — Como o Sr. vê a
ligação entre o garantismo e o Direito alternativo?
Dr. Gilberto Callado —
Embora os garantistas se considerem herdeiros da filosofia
iluminista do século XVIII, não passam de discípulos da filosofia de Marx
adaptada à de Gramsci. Eles são na verdade sucessores da doutrina do Direito
alternativo, mas numa linha ideológica de atuação diferente, porque suas idéias
práticas são preferentemente legalistas e menos filosóficas. Sua nova doutrina é
mais sutil, falaciosa e enganosa e, portanto, mais fácil de ser assumida pelos
juristas inadvertidos do que a do Direito alternativo. Seus objetivos são uma
conciliação possível, mais atenuada, do marxismo intransigente da luta de
classes com o direito vigente. Muitos dos intelectuais que no passado foram
adeptos do Direito alternativo, quando propagavam a explícita ruptura com a
legalidade, migraram depois para o garantismo, e hoje sustentam uma
estratégia gradualista de acordo com o pensamento do ideólogo marxista Antonio
Gramsci. Há nisso disciplinada organicidade teórica para reduzir as imposições
do Estado-legal a um estágio quase imperceptível, e deixar às mãos dos juristas
o papel criador do direito, já impregnados evidentemente da nova cultura
garantista. Eles estão na verdade pondo em prática a primeira fase do
processo revolucionário alternativo, processo dialético e sectário em que a
utilização de alguns princípios constitucionais – e só aqueles princípios que
lhes permitem uma hermenêutica de ruptura com as leis indesejáveis – prepara a
segunda e definitiva fase daquele processo, que é o alternativismo total. No
fundo eles desejam edificar a legalidade socialista, a autogestão integral das
leis e de sua aplicação.
Catolicismo — O
Sr. explicou que, para esse desiderato, não há uma ruptura explícita com a velha
ordem positivada, mas uma astuta teorização dos princípios legais. Como seria
esse objetivo de cultura autogestionária aplicada ao mundo do direito?
Dr. Gilberto Callado — Seria a
barbárie. É para isso que leva o garantismo. Quanto mais impunidade,
maior a ousadia dos criminosos e maior a desordem. Recordo-me de uma máxima do
Papa Leão XIII: “A covardia dos bons fomenta a audácia dos maus”.
Quanto mais ousadia e desordem, mais estaremos próximos da barbárie. Estamos
caminhando a passos largos para ela, com as roupagens de ditadura dos chamados
“grupos de resistência”. Temos assistido a diversas manifestações dessas
“resistências”, com ações criminosas dirigidas por poderosas quadrilhas e grupos
armados, como o conhecido PCC. Diversos são os setores da luta ideológica, cada
um no seu terreno próprio: o terrorista maneja o explosivo e a pistola; o
jurista, engajado nessa luta, a caneta. Está claro que o alcance teórico do
garantismo penal tem a amplitude do próprio mundo jurídico, porque o
garantismo não se resume aos espasmos ideológicos em favor dos
acusados, considerados os oprimidos; ele representa um modelo de fundamentação
do Estado de Direito vicioso, com todas as suas vertentes políticas e jurídicas
de interpretar as normas na conformidade e exclusividade de princípios
formadores e garantidores da luta de classes. É a legalidade alternativa, que
vai se alimentando do antigo direito até formar o “novo direito”. O saudoso
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sempre advertiu sobre o “farrapo de direitos”
que restará para as pessoas quando os grupos de resistência tomarem o poder. A
História nos mostrou isso. E nos tem mostrado.
Um comentário:
Olá, boa noite!!! Sou aspirante ao cargo de Promotora de Justiça e frequentadora assídua do seu blog! as matérias publicadas são ótimas e me ajudam muito nos estudos... Nunca pare de publicar!!!
abraços.
Jana.
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