A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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28 de dezembro de 2012

Feliz ano-novo

 
Por que desejar feliz ano-novo se há tanta infelicidade à nossa volta? Será feliz o próximo ano para afegãos e palestinos, e os soldados norte-americanos sob ordens de um governo imperialista que qualifica de "justas" guerras de ocupações genocidas?
 
Serão felizes as crianças africanas reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome? Seremos todos felizes conscientes dos fracassos de Copenhague, que salvam a lucratividade e comprometem a sustentabilidade?
 
O que é felicidade? Aristóteles assinalou: é o bem maior a que todos almejamos. E meu confrade Tomás de Aquino alertou: mesmo ao praticarmos o mal. De Hitler a madre Teresa de Calcutá, todos buscam, em tudo que fazem, a própria felicidade.
 
A diferença reside na equação egoísmo/altruísmo. Hitler pensava em suas hediondas ambições de poder. Madre Teresa, na felicidade daqueles que Frantz Fanon denominou "condenados da Terra".
 
A felicidade, o bem mais ambicionado, não figura nas ofertas do mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade empenha-se em nos convencer de que ela resulta da soma dos prazeres. Para Roland Barthes, o prazer é "a grande aventura do desejo".
 
Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de consumo. Vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste condomínio de luxo — reza a publicidade — nos fará felizes.
 
Desejar feliz ano-novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que também faça os outros felizes? O pecuarista que não banca assistência médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários de seu rebanho espera que o próximo tenha também um feliz ano-novo?
 
Na contramão do consumismo, Jung dava razão a São João da Cruz: o desejo busca sim a felicidade, "a vida em plenitude" manifestada por Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens infinitos.
 
A arte da verdadeira felicidade consiste em canalizar o desejo para dentro de si e, a partir da subjetividade impregnada de valores, imprimir sentido à existência. Assim, consegue-se ser feliz mesmo quando há sofrimento.
 
Trata-se de uma aventura espiritual. Ser capaz de garimpar as várias camadas que encobrem o nosso ego.
 
Porém, ao mergulhar nas obscuras sendas da vida interior, guiados pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com quem é generoso; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade.
 
Se logramos mergulhar mais fundo, além da razão egótica e dos sentimentos possessivos, então nos aproximamos da fonte da felicidade escondida atrás do ego. Ao percorrer as veredas abissais que nos conduzem a ela, os momentos de alegria se consubstanciam em estado de espírito. Como no amor.
 
Feliz ano-novo é, portanto, um voto de emulação espiritual. Claro, muitas outras conquistas podem nos dar prazer e alegre sensação de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor seria um mundo sem miséria, desigualdade, degradação ambiental, políticos corruptos!
 
Essa infeliz realidade que nos circunda, e da qual somos responsáveis por opção ou omissão, constitui um gritante apelo para nos engajarmos na busca de "outros mundos possíveis". Contudo, ainda não será o feliz ano-novo.
 
O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório há que superar o modelo desenvolvimentista-consumista e introduzir, no lugar do PIB, a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada na economia solidária e sustentável.
 
Se o novo se faz advento em nossa vida espiritual, então com certeza teremos, sem milagres ou mágicas, um feliz ano-novo, ainda que o mundo prossiga conflitivo; a crueldade travestida de doces princípios; e o ódio disfarçado de discurso amoroso.
 
A diferença é que estaremos conscientes de que, para se ter um feliz ano-novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar-se de si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias melhores.
 
Por Frei Betto - Correio Braziliense de 28/12/2012.

25 de dezembro de 2012

PAZ e JUSTIÇA!

 
“A paz é fruto da justiça”
(Isaias 32:17)

23 de dezembro de 2012

Hugo Nigro Mazzilli explica o Ministério Público

 
  • A Constituição inclui, entre os fins institucionais do Ministério Público, a defesa da ordem jurídica (art. 127, caput). Quer isso dizer que o Ministério Público está legitimado, ou até mesmo obrigado a defender todo e qualquer ato normativo (leis, decretos, regulamentos, portarias etc.)? Clique aqui (youtube.com) para assistir a parte de aula que proferi, na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, na qual explico o alcance da defesa da ordem jurídica pelo Ministério Público.
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  • A Constituição atribui ao Ministério Público o encargo de zelar pelo regime democrático (art. 127, caput). Mas em que consiste essa sua função? Veja aqui trecho da aula que proferi em 04-abr.-2011, na Escola Superior do Ministério Público, na qual falo sobre a ligação do Ministério Público e Democracia.
  • Causa muita controvérsia nos tribunais, e até mesmo entre os próprios membros do Ministério Público, sua tarefa de atuar nos processos em que haja interesses de incapazes (art. 82, I, do CPC). Alguns entendem que o Promotor de Justiça é obrigado a defender o incapaz, tenha este ou não tenha razão (posição de Cândido Rangel Dinamarco). Outros entendem que, mesmo quando atue nos autos em razão da presença de incapazes, o Ministério Público não perde seu papel de fiscal da lei, de forma que não só pode opinar contra o incapaz, como até mesmo recorrer contra ele (posição de Nelson Nery Júnior). Quem tem razão? Clique aqui para assistir a parte de aula que proferi, na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, na qual explico o alcance da defesa de incapazes pelo Ministério Público.
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  • Depois da Constituição de 1988, passou a ser um verdadeiro truísmo dizer que o Ministério Público exerce uma parcela da soberania estatal. Mas poucos são os que explicam exatamente em que consiste essa parcela de soberania. Ela não decorre do poder de acusar, e sim, por paradoxal que possa parecer, decorre do poder de não acusar, que detém o Ministério Público como titular privativo da ação penal pública. É exatamente quando não acusa que ele condiciona o exercício do ius puniendi estatal. Clique aqui para assistir a parte de palestra que proferi, no Ministério Público de São Paulo, sobre a parcela da soberania estatal de que goza o Ministério Público.
  • O Ministério Público é fiscal da lei - dizem os doutrinadores, os acórdãos e a própria lei. Mas será verdade que as funções do Ministério Público se distinguem entre parte e fiscal da lei? Clique aqui para assistir a parte de palestra que proferi, no Ministério Público de São Paulo, quando falo sobre a função de fiscal da lei do Ministério Público.
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    Fonte: http://www.mazzilli.com.br/

21 de dezembro de 2012

Princípio do Promotor Natural

 
Muita dúvida surgiu em relação ao reconhecimento explícito do denominado princípio do promotor natural, garantia indispensável e que encontra inegável reconhecimento na Constituição de 1988.
 
Além de ser julgado por órgão independente e pré-constituído, o acusado também tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado por um órgão independente do Estado, vedando-se, por consequência, a designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda (art. 5.º, LIII e art. 129, I, c/c o art. 129, § 2.º).
 
Na doutrina, o tema foi bastante debatido, chegando alguns autores a defendê-lo antes mesmo da atual Constituição, destacando-se, pioneiramente, Hugo Nigro Mazzilli, Jaques de Camargo Penteado, Clóvis A. Vidal de Uzeda e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro.
 
A CF/1988 assegura que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5.º, LIII).
 
Depois de muito debate, a Suprema Corte aceitou a ideia de promotor natural, recomendando-se a discussão no leading case, que foi o HC 67.759.
 
Em referido julgamento, o Min. Celso de Mello estabeleceu que “o postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável” (HC 67.759, Rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.92, Plenário, DJ de 1.º.07.93).
 
Em igual sentido, buscando o fortalecimento institucional do Ministério Público, o STF reconheceu o referido princípio e seus desdobramentos: a. garantia de não sofrer arbitrária persecução penal instaurada por membro do Ministério Público designado ‘ad hoc’ e b. intensificação das prerrogativas de independência funcional e de inamovibilidade dos integrantes do ‘Parquet’: HC 102.147, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 16.12.2010, DJE de 03.02.2011.
 
Buscando sistematizar, a doutrina avança e, conforme ensina Carneiro, a garantia do promotor natural passa, necessariamente, por quatro exigências básicas: “pessoa investida no cargo de promotor; existência de órgão de execução; lotação por titularidade e inamovibilidade do promotor do órgão de execução, ressalvadas as hipóteses legais de substituição e remoção; definição em lei das atribuições do cargo” (P. C. P. Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal — promotor natural: atribuição e conflito, p. 96).
 
A jurisprudência do STF, por sua vez, vem enfrentando e reconhecendo a referida garantia, destacando-se os seguintes julgados:
 
A) HC 92.885 – j. 29.04.2008: pedido de arquivamento dos autos do inquérito policial por um promotor de justiça e oferta da denúncia por outro: não violação ao princípio do promotor natural.
 
B) HC 102.147 – j. 16.12.2010: ocorrência de opiniões colidentes manifestadas, em momentos sucessivos, por procuradores de justiça oficiantes no mesmo procedimento recursal: após interposição do recurso em sentido estrito, determinado procurador de justiça emitiu parecer pela impronúncia. Contudo, na sessão de julgamento, um outro procurador de justiça se manifestou no sentido do improvimento do recurso e confirmação da sentença de pronúncia. O STF admitiu a ocorrência de opiniões colidentes nos termos da autonomia intelectual que qualifica a atuação do membro do Ministério Público, dando sentido aos princípios constitucionais da unidade e da indivisibilidade.
 
Na parte conclusiva de seu voto, o Min. Celso de Mello, avançando e ampliando o tema, observa que o princípio do Promotor Natural impede o arbitrário afastamento do membro do Ministério Público do desempenho de suas atribuições nos procedimentos em que ordinariamente oficie (ou em que deva oficiar), exceto:
 
– “por relevante motivo de interesse público”;
 
– “por impedimento ou suspeição”;
 
– “por razões decorrentes de férias ou de licença”.
 
C) HC 103.038 – j. 11.10.2011: designação, pelo Procurador-Geral de Justiça, de outro promotor, com a concordância do promotor de justiça titular, para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele: aplicação dos arts. 10, IX, “f” e 24 da Lei n. 8.625/93 (LONMP). Tendo em vista a situação concreta de complexidade do feito e consentimento do promotor titular, o STF entendeu não haver violação ao princípio do promotor natural. Esse ato de designação deverá ser, naturalmente, motivado e dentro de critérios de razoabilidade, reprimindo substituições imotivadas ou por inaceitável e combatida encomenda.
 
D) ADI 2.913 – j. 20.05.2009: propositura da ação penal nos casos previstos no art. 105, I, “a”, CF/88, pelo Procurador-Geral da República perante o STJ. Possibilidade de delegação dessa competência a Subprocurador-Geral da República. O STF, por maioria, entendeu ser perfeitamente possível a ampliação de atribuições do PGR nos termos do art. 128, § 5.º, CF/88, qual seja, por meio de lei complementar, notadamente, pela LC n. 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União e que admite explicitamente tal competência e sua delegação nos termos de seu art. 48, II.
 
Diante de todo o exposto, não temos dúvidas que o princípio do promotor natural se apresenta como indispensável garantia e direito fundamental, não podendo ser desprezado ou negado, sob pena de se enfraquecer não apenas a instituição do Ministério Público, como, acima de tudo, gerar insegurança e risco para a sociedade.
 
Por Pedro Lenza, Mestre e Doutor pela USP, Advogado e Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
 

20 de dezembro de 2012

Ministério Público: Passado, Presente e Futuro

 
Clique aqui para ler a excelente tese Ministério Público: uma estratégia para maior efetividade de sua atuação de autoria do Dr. Walter Paulo Sabella, Procurador de Justiça em São Paulo, aprovada no Congresso Virtual do Ministério Público Brasileiro.
 
Cuida-se de leitura indispensável!

19 de dezembro de 2012

STF: Poder Investigatório Criminal do MP

 
 
Julgamento sobre poder de investigação do MP é novamente suspenso

 
Novos pedidos de vista suspenderam a análise, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a possibilidade ou não de o Ministério Público (MP) realizar investigações. Nesta quarta-feira (19), somente o ministro Luiz Fux se pronunciou sobre a matéria. Ele defendeu a investigação pelo MP, mas fixou diretrizes para tanto.
 
“Não há motivo racional para alijar (o MP) da condução dos trabalhos que precedem o exercício da ação penal de que é titular”, disse. “Considero perfeitamente compatível com a Carta a possibilidade de investigação direta, pelo Ministério Público”, continuou.
 
Segundo ele, isso “milita em favor dos direitos fundamentais” do investigado ao evitar, por exemplo, delongas desnecessárias no procedimento prévio de apuração de delitos e assegurar a independência na condução de investigações, especialmente em relação a crimes praticados por policiais.
 
Para o ministro Fux, o entendimento de que apenas a polícia pode investigar delitos criará uma “substancial” dificuldade para apuração de ilícitos tributários, ambientais e crimes cometidos contra a administração pública. “Esse retrocesso no modo como o Estado brasileiro está investigando condutas penais não deve ser aceito, mormente se considerarmos que nossa República é pautada por um ambiente de cooperação que deve existir entre as mais diversas instituições estatais.”
 
Parâmetros
 
Por fim, o ministro reiterou que o MP pode, ainda que em caráter subsidiário e sem o intuito de substituir a polícia, realizar investigações visando a instrução criminal. “De fato, não constitui função precípua do Ministério Público realizar medidas investigativas, contudo isso não pode impedir que a instituição trabalhe quando se deparar com ilícitos que demandam a sua atuação”, disse.
 
Nesse sentido, ele propôs o estabelecimento de parâmetros para a investigação do MP. Segundo o ministro, os procedimentos investigativos conduzidos pelo MP devem seguir, no que couber, os preceitos que disciplinam o inquérito policial e os procedimentos administrativos sancionatórios.
 
“O procedimento deve ser indentificado, autuado, numerado, registrado, distribuído livremente”, disse. Segundo ele, salvo exceções previstas na Constituição, “esse procedimento deve ser público” e “deve submeter-se sempre ao controle judicial, devendo haver pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado”.
 
O ministro Fux prosseguiu registrando que o ato de instauração do procedimento deve formalizar o ato investigativo, delimitando o seu objeto e as razões que o fundamentam. Além disso, a instauração do inquérito deve ser comunicada imediatamente e formalmente aos respectivos chefes do MP ou MPF e as peças do inquéritos devem ser formalizadas de forma cronológica.
 
“Entendo que seja dever do Ministério Público, no exercício de sua função investigativa, assegurar o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte (ao investigado) e a seu advogado”, continuou, acrescentado que o procedimento investigativo deve submeter-se a um prazo e ao controle judicial quanto a seu arquivamento.
 
Para o ministro Fux, o MP também deve fundamentar o motivo de a polícia não poder investigar determinado fato.
 
Ao final de seu voto, ele disse validar as investigações realizadas pelo Ministério Público até o momento, sendo que as balizas por ele fixadas devem ser obedecidas pela instituição a partir da decisão da Corte.
 
Julgamento
 
A matéria está sendo julgada em dois processos. Além do Habeas Corpus (HC 84548) impetrado em defesa do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, acusado de ser o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, ocorrido em janeiro de 2002, os ministros julgam um Recurso Extraordinário (RE 593727) que teve repercussão geral reconhecida. Ou seja, a decisão tomada nesse processo será replicada aos demais casos idênticos em todo o país.
 
Após o voto do ministro Luiz Fux, o julgamento do HC foi interrompido por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. Ao todo, oito ministros já votaram nesse processo. Desses, somente o relator, ministro Marco Aurélio, se pronunciou contra o poder de investigação do MP. Os demais se pronunciaram pela possibilidade de atuação do MP em maior ou menor extensão, sendo que três deles – os ministros Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso e Ayres Britto – não integram mais a Corte. Também já se pronunciaram nesse processo os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
 
No caso do RE 593727, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Marco Aurélio. No recurso, o ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo de Souza Coelho afirma que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) recebeu denúncia contra ele subsidiada, unicamente, por procedimento administrativo investigatório realizado pelo MP, sem participação da polícia. O ex-prefeito responde por crime de responsabilidade, por suposto descumprimento de ordem judicial referente a pagamento de precatórios.
 
Nesse processo, também votaram oito ministros. Além do relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), também se pronunciaram os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Luiz Fux.
 
O ministro Peluso, que admite a investigação do MP somente em casos excepcionais, votou em julho de 2012 para decretar a nulidade, desde o início, do processo-crime em curso contra o ex-prefeito no TJ-MG, proposto pelo Ministério Público estadual. Ele foi acompanhado pelo ministro Lewandowski. Os demais ministros mantiveram o andamento do processo contra o ex-prefeito.
 
Leia mais:
 
 
Fonte: STF
 

17 de dezembro de 2012

PEC 37: Nota Técnica da CONAMP

 
 
NOTA TÉCNICA N.º 02/2012
 
Proposta de Emenda à Constituição n.º 37/11 – Câmara dos Deputados.
 
Ementa: Define a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
 
Referência: Acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal
 
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), com o objetivo de colaborar para o bom evolver do processo legislativo, vem externar o seu posicionamento a respeito das premissas equivocadas, da funcionalidade distorcida e da grave incoerência sistêmica inerentes à Proposta de Emenda à Constituição nº 37-A, de 2011, subscrita, dentre outros, pelo eminente Deputado Federal Lourival Mendes, que acresce um novo parágrafo ao art. 144 da Constituição da República, para dispor que “a apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”.
 
Principiando pelas premissas equivocadas que acompanham a justificativa do projeto, argumenta-se que (1) a aprovação da proposição não afetará a competência das CPIs; (2) a investigação criminal realizada pela Polícia Judiciária assume vital importância para a garantia do devido processo legal; (3) o inquérito policial é o único instrumento de investigação que tem prazo certo de duração e é passível de controle; (4) procedimentos informais são contrários ao Estado de Direito vigente; (5) a instrução dos processos é atualmente prejudicada e questionada perante os Tribunais Superiores; e (6) a investigação realizada pelo Ministério Público prejudica os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
 
A primeira premissa certamente passa ao largo da própria configuração semântica da proposição ofertada. O advérbio “privativamente” denota característica ou atribuição peculiar ou afeta a um único sujeito ou objeto, com exclusão de qualquer outro. Como só a Polícia Judiciária poderá “apurar” as infrações penais, afigura-se evidente que as CPIs, a exemplo do Ministério Público, não mais poderão fazê-lo, o mesmo ocorrendo com as polícias internas da Câmara dos Deputados (CR/1988, art. 51, IV) e do Senado Federal (CR/1988, art. 52, XIII). A exemplo de outras normas situadas no plano infraconstitucional, também a norma do art. 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que dispõe sobre a atribuição dos tribunais para a investigação das infrações penais imputadas a magistrados, será automaticamente revogada. E em relação aos crimes imputados aos policiais (v.g.: corrupção, homicídio, tortura etc.)? Responde-se: serão investigados pelos próprios policiais. E aqui surge o questionamento, tal qual proposto por Juvenal em suas Satires (VI, linhas 347-348), que a proposição não se preocupou em responder: quis custodiet ipsos custodes (quem guardará os próprios guardas)?
 
A garantia do due process of law, de origem anglo-saxã e que foi recepcionada pelo art. 5º, LIV, da Constituição de 1988, quer seja analisada em sua dimensão procedimental, indicando a necessária observância dos ritos estabelecidos em lei, quer seja vista sob sua ótica substancial, que se preocupa com a justiça e razoabilidade dos padrões normativos, não oferece qualquer base de sustentação à proposição ora analisada. Afinal, é factível que essa garantia, ao absorver o contraditório e a ampla defesa, autoriza que qualquer litigante produza as provas necessárias à sustentação de sua pretensão. In casu, o Ministério Público será impedido de fazê-lo, enquanto o ex adverso ficará livre para buscar e produzir as provas que bem entender na defesa dos seus direitos. Nesse particular, o Supremo Tribunal Federal, dentre os inúmeros acórdãos em que reconheceu o poder investigatório do Ministério Público, afirmou que “[o] Poder Judiciário tem por característica central a estática ou o não-agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de fragilidade: quem diz o que seja “de Direito” não o diz senão a partir de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiquíssimos nomes de “promotor de justiça” para designar o agente que pugna pela realização da justiça, ao lado da “procuradoria de justiça”, órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotoria de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos” (2ª T., HC nº 97.969/RS, rel. Min. Ayres Britto, j. em 01/02/2011, DJ de 23/05/2011).
 
A terceira premissa, a de que o inquérito policial é o único instrumento de investigação que tem prazo certo de duração e é passível de controle, parece ignorar, primeiro, a advertência de Friedrich Müller (Juristische Methodik, 9ª ed., 2004, p. 470) no sentido de que a norma deve ser delineada pelo intérprete a partir da interação entre o texto e a realidade. Em outras palavras, não há norma desconectada do contexto socioambiental. Normas dissociadas do contexto normalmente não têm potencialidade de realização, ocorrendo a denominada derrogação costumeira ou desuso (“Phänomen der Derogation durch Gewohnheitsrecht – desuetudo” – Robert Alexy. Begriff und Geltung des Rechts, 2002, p. 147). É bem verdade que o Código de Processo Penal estabelece prazo para a finalização do inquérito policial (v.g.: art. 10). No entanto, como a Polícia Judiciária, em não poucos casos, não dispõe da estrutura necessária à plena realização de suas funções, a sua inobservância é uma constante. Como os servidores, em alguns casos, não descumprem os prazos processuais de modo voluntário e a separação dos poderes é rotineiramente invocada pelos tribunais para rechaçar as pretensões, formuladas pelo Ministério Público, de promoção de políticas públicas, não há regra geral, qualquer consequência para a inobservância desses prazos, isso ao menos em relação aos réus soltos. Em segundo lugar, a proposição ignora que o Conselho Nacional do Ministério Público há muito disciplinou a forma e os prazos a serem observados, pelos órgãos de execução do Ministério Público, na tramitação dos procedimentos administrativos de natureza investigatória. A Resolução CNMP nº 13, de 2 de outubro de 2006, fala por si.
 
Procedimentos informais são, de fato, contrários ao Estado de Direito. Daí a razão de os órgãos de execução do Ministério Público sempre editarem uma portaria para o início de qualquer investigação e de se reportarem aos órgãos competentes da Administração Superior do Ministério Público, que controlam a tramitação e apuram responsabilidades, isso sem olvidar o relevante papel desempenhado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, ao qual qualquer do povo pode se dirigir. Além disso, somente praticam os atos autorizados pela ordem jurídica (v.g.: requisição de documentos, notificação de testemunhas etc.), não aqueles que somente encontram justificativa no imaginário individual. 
 
A justificativa que acompanha a proposição ainda argumenta que as investigações realizadas pelo Ministério Público são questionadas perante os Tribunais Superiores e prejudicam a tramitação dos processos. Nesse particular, parece haver desconhecimento de que tanto o Supremo Tribunal, como o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram sua jurisprudência no sentido de que o Ministério Público está constitucionalmente autorizado, como titular da ação penal, a instaurar procedimentos investigatórios de natureza criminal, os quais, é importante frisar, em nada se confundem com o inquérito policial, este sim instaurado exclusivamente pela Polícia Judiciária. Aliás, como exaustivamente demonstrado pela jurisprudência, o art. 144, § 1º, IV e § 4º, da Constituição da República não confere qualquer exclusividade investigativa às polícias federal e civil, ambas institucionalmente vocacionadas a subsidiar a atuação do Ministério Público. A título meramente ilustrativo, podem ser mencionados os seguintes acórdãos:
 
(1) pelo STF, 1ª T., HC nº 96.638/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 02/12/2010, DJ de 01/02/2011; 2ª T., HC nº 77.371/SP, rel. Min. Nélson Jobim, j. em 1º/09/1998, in Revista de Direito do MPRJ nº 9/409; 1ª T., HC nº 96.617/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, j. em 23/11/2010, DJ de 13/12/2010; Pleno, AP nº 396/RO, rel. Min, Cármen Lúcia, j. em 28/10/2010, DJ de 28/04/2011; 2ª T., RE nº 468.523/SC, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 01/12/2009, DJ de 19/02/2010; 2ª T., RE nº 449.206/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 18/10/2005, DJ de 25/11/2005; 2ª T., HC nº 97.969/RS, rel. Min. Ayres Britto, j. em 01/02/2011, DJ de 23/05/2011; 2ª T., HC nº 93.930/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 07/12/2010, DJ de 03/02/2011; 2ª T., HC nº 94.127/BA, rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, DJ de 27/11/2009; 2ª T., HC nº 87.610/SC, rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, DJ de 04/12/2009; 2ª T., HC nº 90.099/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, DJ de 04/12/2009; e 2ª T., HC nº 89.837/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. em 20/10/2009, DJ de 20/11/2009; e
 
(2) pelo STJ, 6ª T., RHC nº 11.670/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/2001, DJU de 04/02/2002, p. 551; 5ª T., HC nº 33.462/DF, rel. Min. Laurita Vaz, j. em 27/09/2005, DJU de 07/11/2005, p. 316; 5ª T., HC nº 41.875/SC, rel. Min. Laurita Vaz, j. em 06/09/2005, DJU de 03/10/2005, p. 296; 6ª T., REsp. nº 494.320/RJ, rel. p/ o acórdão Min. Nilson Naves, j. em 28/10/2004; 5ª T., HC nº 34.151/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 27/04/2004, DJU de 24/05/2002, p. 321; 5ª T., HC nº 25.238/GO, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 02/03/2004, DJU de 24/05/2004, p. 298; 5ª T., HC nº 18.060/PR, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 07/02/2002, DJU de 26/08/2002, p. 271; 6ª T., RHC nº 11.637/SC, rel. Min. Vicente Leal, j. em 06/12/2001, DJU de 18/02/2002, p. 499; 6ª T., RHC nº 11.670/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/2001, DJU de 04/02/2002, p. 551; 5ª T., RHC nº 10.111/DF, rel. Min. Edson Vidigal, j. em 06/09/2001, DJU de 08/10/2001, p. 223; 5ª T., HC nº 12.685/MA, rel. Min. Gílson Dipp, DJU de 11/06/2001, p. 240; 5ª T., RHC nº 8.106/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 03/04/2001, DJU de 04/06/2001, p. 186, RT 793/538; 5ª T., HC nº 13.368/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 03/04/2001, DJU de 04/06/2001, p. 194; 5ª T., RHC nº 10.403/DF, rel. Min. Felix Fischer, j. em 20/02/2001, DJU de 26/03/2001, p. 436; 5ª T., RHC nº 9.922/DF, rel. Min. Felix Fischer, j. em 13/12/2000, DJU de 05/02/2001, p. 114; 5ª T., RHC nº 10.725/PB, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 03/02/2000, DJU de 08/03/2000, p. 137; 5ª T., HC nº 7.445/RJ, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 1º/12/1998, DJU de 1º/02/1999, p. 218, RT 764/507; e 6ª T., RHC nº 8.025/PR, rel. Min. Vicente Leal, j. em 1º/12/1998, DJU de 18/12/1998, p. 416.
 
Por fim, a última premissa que confere pretensa fundamentação à PEC nº 37-A, de 2011, afirma que a realização de investigações criminais, pelo Ministério Público, prejudicaria os direitos fundamentais dos cidadãos. Para dizer o menos, a tese é, no mínimo, inusitada. E isso por três razões básicas: (1ª) o Ministério Público, por imposição constitucional, é Instituição vocacionada à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CR/1988, art. 127, caput), tendo a específica função institucional de zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição, “promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (CR/1988, art. 129, II); (2ª) dentre os direitos fundamentais sociais encontra-se a “segurança” (CR/1988, art. 6º); e (3ª) a maior parte dos casos em que se discute a legitimidade do Ministério Público para investigar diz respeito a crimes praticados por policiais, incluindo Delegados de Polícia, vale dizer, justamente aqueles que deveriam zelar pela segurança da população são os responsáveis por aviltá-la, o que certamente se dá na esperança de que um espírito corporativo venha a garantir a impunidade. Esse aspecto foi bem realçado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº 60.976/ES, verbis: “[n]a espécie, a atuação direta do Ministério Público na fase de investigação se revelou indispensável, por se tratar de infração penal cometida no âmbito da própria polícia civil. A partir da notícia levada a efeito pelas vítimas, cumpria ao Parquet, no exercício de sua missão constitucional de titular da ação penal pública, apurar os fatos, de forma a assegurar, de maneira eficaz, o êxito das investigações” (6ª T., rel. Min. Og Fernandes, j. em 04/12/2011, DJ de 17/10/2011). Proibindo-se a atuação do Ministério Público, a quem as vítimas de violência policial deverão procurar? Aos colegas e compadres do criminoso? Espera-se, sinceramente, que os nobres parlamentares não vejam a atuação do Ministério Público como algo atentatório ao bem estar da coletividade ou, pior, que não seja o momento de a Instituição zelar pelos interesses da população, de modo que, na plasticidade de José Saramargo, “por ser isto coisa do futuro… para só voltar quando fosse coisa do passado” (Memorial do Convento. 16ª ed., 1986, p. 159).
 
Ainda em relação ao modo como o Ministério Público interage com os cidadãos, a PEC parece ignorar a realidade forense, em que os membros da Instituição, rotineiramente, arquivam procedimentos e pedem a absolvição de réus sempre que convencidos de sua inocência ou quando haja dúvida a respeito de sua culpabilidade.
 
Além de estar assentada em premissas equivocadas, a PEC nº 37-A, de 2011 também ostenta uma funcionalidade distorcida. Em regimes democráticos, a ratio essendi de um Parlamento sempre foi a de materializar, nos padrões normativos, os anseios da população, da qual é o mais lidimo representante. De nossa parte, é difícil acreditar que a população brasileira se sinta totalmente protegida pela Polícia Judiciária e integralmente ameaçada pelo Ministério Público. É, ainda, difícil imaginar que os desgastes constantemente assumidos pelo Ministério Público, máxime por estar constantemente em rota de colisão com os altos escalões do poder político e econômico, passem despercebidos pela população brasileira. Impedir que a Instituição investigue crimes, principalmente aqueles praticados por policiais, é, de fato, um anseio da população brasileira? Essa pergunta, por certo, será bem respondida pelos inúmeros parlamentares efetivamente comprometidos com a realização do interesse público, não com pequeninos interesses corporativos.
 
Por fim, releva observar que a PEC nº 37-A, de 2011, incorre em grave incoerência sistêmica. Afronta não só a possibilidade de as CPIs eventualmente apurarem a prática de infrações penais (CR/1988, art. 58, § 3º) e o Ministério Público exercer suas atribuições institucionais, como são as de instaurar processos administrativos (CR/1988, art. 129, VI) e promover o controle externo da atividade policial, como, também, mostra-se nitidamente inconstitucional por afrontar os direitos e garantias individuais, mais especificamente o limite material de reforma consagrado no art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir” (...) “os direitos e garantias individuais”.
 
Não é necessário um aguçado espírito científico para se constatar que a proteção aos direitos fundamentais, como a vida e a integridade física, não é alcançada, apenas, com a sua contemplação no texto constitucional. É necessário um plus. É preciso que o Poder Público ofereça os mecanismos necessários à sua projeção na realidade social e à recomposição da ordem constitucional sempre que seja identificada a violação desses direitos. Não haveria sentido, por exemplo, em assegurar (1) o direito de acesso à Justiça se o Poder Público não contratasse juízes e construísse tribunais; (2) o direito à vida, se não oferecesse assistência material aos desvalidos e aos desassistidos etc. É nesse contexto que se inserem as “garantias institucionais”.
 
As “Institutionelle Garantien”, largamente estudadas no direito germânico, há muito aportaram no direito pátrio, sendo comum a sua referência por autores como Emerson Garcia (Ministério Público…, 2008, p. 46-47) e Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional, 2006, p 357). Devem ser incluídas sob essa epígrafe a proteção e as atribuições que a Constituição confere a certas instituições em razão de sua importância para a sociedade e para a preservação dos direitos fundamentais subjacentes a ela. Se o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o fato de o Ministério Público ser o titular da ação (CR/1988, art. 129, I) e realizar o controle externo da atividade policial (CR/1988, art. 129, VII) evidenciam a existência do poder implícito de promover investigações penais, afigura-se evidente que qualquer proposta que eliminar essa garantia institucional terá reflexos diretos no nível de satisfação dos direitos fundamentais, dentre eles a segurança pública, importando em verdadeiro retrocesso social.
 
Acresça-se que, por ocasião do 8º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, foi aprovada uma carta de princípios recomendando, aos Estados integrantes da ONU, a observância dos princípios ali estatuídos com o fim de maximizar as garantias e as potencialidades da atividade ministerial no combate ao crime. O item 15 dessa Carta está assim redigido: “[o]s magistrados do Ministério Público obrigam-se em especial a encetar investigações criminais no caso de delitos cometidos por agentes do Estado, nomeadamente atos de corrupção, de abuso de poder, de violações graves dos direitos do homem e outras infrações reconhecidas pelo direito internacional e, quando a lei ou a pratica nacionais a isso os autoriza, a iniciar procedimento criminal por tais infrações”. Não bastasse a incoerência sistêmica no âmbito da ordem interna, a PEC nº 37-A, de 2011, também avilta a ordem internacional.
 
Em conclusão dessas breves considerações, que expõem os vícios que atingem a PEC nº 37-A, de 2011, espera a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) seja ela rejeitada e, ao final, arquivada.
 
César Bechara Nader Mattar Jr.
Presidente CONAMP

14 de dezembro de 2012

Dia Nacional do Ministério Público*

O Decreto n.º 4 de 19 de novembro de 1889 é a fonte do nosso pavilhão nacional. Na bandeira brasileira encontra-se a máxima política positivista “Ordem e Progresso”, fruto da lição comteana (Augusto Comte, 1798-1857) “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”, em busca de uma comunidade justa, fraterna e progressista.

Seguindo essa linha, o saudoso Ulysses Silveira Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, integrante do grupo de 559 parlamentares, que durante quase dois anos (608 dias) de intenso debate, depois de enfrentar 61.020 emendas parlamentares e 122 emendas populares, trouxe a lume a “Constituição Coragem”.

Assim, em 05 de outubro de 1988, foi inaugurada uma nova ordem jurídica constitucional na República Federativa do Brasil. Esse novo pacto político contemplou o Estado Democrático de Direito, recheado de direitos e garantias fundamentais individuais e sociais, com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando-se a pobreza e garantindo-se o desenvolvimento nacional, com a promoção do bem de todos.

Com olhos voltados a essa hercúlea tarefa, o Poder Constituinte presenteou a sociedade com o Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a quem incumbiu a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Constituição Federal foi muito feliz ao formatar o Ministério Público com as funções e prerrogativas de que goza atualmente. Não há dúvida de que, nas últimas décadas, a atuação ministerial tem sido destacada, dentre as instituições brasileiras, na defesa da probidade administrativa, dos direitos metaindividuais, da cidadania, dos hipossuficientes, das minorias, do combate ao crime, com olhos voltados à concretização da democracia e da ordem jurídica.

Vale dizer, o Ministério Público vem atuando incansavelmente na defesa da sociedade, contra o descaso, a omissão e a desídia no trato de seus direitos. Tem reivindicado o Brasil que a Constituição de 1988 prometeu. Nada mais que isso.

Na defesa do bom combate, o Ministério Público tem sido alvo de ataques por parte de setores políticos, econômicos e sociais poderosos. Mas isso tem razão de ser: enquanto seus membros miravam com suas ações a Senzala, não havia reclamações ou choromingos, mas quando passou a tratar das questões que realmente afligem o interesse da nação, incluindo no pólo passivo de sua atuação a Casa Grande, toda sorte de impropérios passou a ser lançada contra a instituição.

Não é por outra razão que o cumprimento do mandato republicano outorgado aos membros do Ministério Público vem gerando forte reação daqueles que discordam, no mais das vezes em causa própria, da democratização dos bancos dos réus e da revisão paradigmática de um ordenamento jurídico que há de ser conformado aos influxos principiológicos da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por outro lado, vivenciamos um período de reafirmação e de manutenção de conquistas hoje almejadas, legitimamente ou não, por outras categorias, que estão acabando por descuidar, num processo autofágico, do seu próprio fundamento existencial e colocando em xeque, a distribuição de competências e atribuições deferidas pelo legislador constituinte originário.

Obviamente que, como toda instituição composta por homens, o Ministério Público tem suas falhas, que já estão sendo corrigidas num processo constante de amadurecimento e pelo acionamento dos mecanismos de controle interno e externo. Mas a sociedade tem que se manter alerta para os atentados contra seu defensor, não permitindo que seja amordaçado, que se lhe retire ou transfira parte de suas atribuições constitucionais a outras instituições, que lhe desmoralize ou lhe enfraqueça, lembrando sempre que se trata de uma carreira de agentes vocacionados à defesa dos valores mais caros da nossa Constituição cidadã.

Segundo o artigo 82 da Lei n.º 8.625 de 1993, no dia 14 de dezembro comemora-se em todo o país o dia nacional do Ministério Público.

Algo que está acima de qualquer discussão é que o Ministério Público tem lutado incessantemente pelo implemento de uma sociedade mais justa nesta terrae brasilis. Mas nesse dia, 14 de dezembro, sua principal clientela, a comunidade, deve lembrar e enaltecer essa instituição, que defende seus interesses perante os três Poderes. Afinal, ao lado do Poder que legisla, executa e julga, há uma instituição que defende a criança, o adolescente, o idoso, o deficiente físico, o índio, o homem, a mulher, o consumidor, o meio ambiente e, por outro lado, combate o crime e os desmandos com o dinheiro público. Defende, enfim, a sociedade da ilegalidade e da injustiça.

Está sendo escrita a história. O Ministério Público vem atuando de forma incansável na defesa do corpo social, cumprindo a contento sua cara missão constitucional, em busca da concretização do lema “Ordem e Progresso” cravado na bandeira nacional.

Comemoremos, então, o dia nacional do Ministério Público, vigiando todos para que seus poderes e prerrogativas sejam mantidos incólumes e, se necessário, ampliados, com o objetivo de continuar sua dificílima labuta na defesa da sociedade, contra os poderosos de plantão.

Por Vinicius Gahyva Martins, Promotor de Justiça no Mato Grosso, Presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público e Secretário Geral da CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público; e César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça no Mato Grosso, Diretor de Defesa Institucional e Integração da Associação Mato-grossense do Ministério Público, Vice-Presidente da Confraria do Júri e Editor do Blogue www.promotordejustica.blogspot.com


(*) Texto já publicado neste blogue no dia 14/12/2011.

12 de dezembro de 2012

Artigos 309 e 310 do CTB: Perigo Concreto

 
DIREITO PENAL. CRIME DO ART. 310 DO CTB. EXIGÊNCIA DE PERIGO CONCRETO DE DANO.

Para a configuração do crime previsto no art. 310 do CTB, é exigida a demonstração de perigo concreto de dano. Segundo a jurisprudência do STJ, o delito descrito no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – conduzir veículo automotor sem habilitação – necessita da existência de perigo concreto para sua configuração. No mesmo sentido segue a posição do STF, que, inclusive, editou a Súm. n. 720 sobre o tema. O mesmo entendimento deve ser aplicado ao delito previsto no art. 310 do CTB – permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada. Assim, não basta a simples entrega do veículo a pessoa não habilitada para a caracterização do crime, fazendo-se necessária a demonstração de perigo concreto de dano decorrente de tal conduta. Precedentes citados do STF: HC 84.377-SP, DJ 27/8/2004; do STJ: Ag 1.141.187-MG, DJe 18/8/2009; REsp 331.104-SP, DJ 17/5/2004; HC 28.500-SP, DJ 4/9/2006, e HC 150.397-SP, DJe 31/5/2010. STJ - 6a T. - HC 118.310-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 18/10/2012.

11 de dezembro de 2012

Em defesa do Ministério Público



A Constituição Federal contemporânea concebeu o Ministério Público como defensor do ordenamento jurídico e promotor da justiça. Não é por outra razão que ele é fiscal dos três poderes e advogado da sociedade.
Isso significa dizer que sua missão está totalmente voltada para a tutela do corpo social, do regime democrático e dos princípios republicanos.
Para o cumprimento de suas graves finalidades, o Ministério Público foi dotado pela ordem jurídica constitucional e infraconstitucional destas grandes armas: as garantias e os instrumentos funcionais.
Neste pós-1988, a partir da promulgação da Constituição Federal, por força do cumprimento implacável e destemido de suas atribuições, a instituição do Ministério Público tem colecionado inimigos, em regra, aqueles que já se viram enredados na prática de ilícitos.
Parafraseando o intelectual britânico Tony Judt, “os membros do Ministério Público tem confrontado o poder, dizendo verdades inconvenientes”.
Com isso, o Ministério Público, além dos criminosos comuns e organizados, tem encurralado e negado rota de fuga para muitos agentes públicos e políticos, que trocam suas consciências por subornos em busca de enriquecimento ilícito ou perpetuação no poder.
Assim, num país em que os valores da democracia ainda se encontram verdes, onde muitos criminosos do colarinho branco insistem em confundir a coisa pública com a cosa nostra, é até compreensível que o Ministério Público sofra retaliações e ataques de toda ordem. Afinal, como ensinam os biólogos, animal oprimido, sem rota de fuga, não faz outra coisa senão investir contra o opressor.
Ameaçados seus empreendimentos delitivos, alguns salteadores da República, em causa própria ou de terceiros, têm se insurgido contra a instituição ministerial por meio de projetos legislativos visando a supressão de funções (vide PEC 37/2011 – extração do poder de investigação criminal) e garantias (vide PEC 505/2010 – extração da vitaliciedade), em busca da mitigação de seu poder e independência, para continuarem suas obras criminosas e serem contemplados com a impunidade.
Não há dúvida que esses ataques atingem, imediatamente, o Ministério Público e, mediatamente, a sociedade, já que esta verá reduzidos os poderes daquele, fato que comprometerá a defesa de seus direitos frente aos desmandos e descalabros perpetrados no país afora por criminosos do colarinho branco, que dizimam vidas a rajadas de caneta. 
Diante dessa dura realidade e neste momento de dúvidas e ansiedades sobre o futuro, apenas uma ação coordenada da sociedade civil, ao lado da imprensa e políticos, realmente comprometidos com os valores da República, será capaz de reverter esse quadro de perseguição ao Ministério Público (e à própria sociedade).
Só assim o Ministério Público manterá sua atual formatação, seus poderes e suas atribuições constitucionais e legais para que continue sendo a voz da sociedade junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário em prol de um país mais justo.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso e Editor do blogue “Promotor de Justiça”.

10 de dezembro de 2012

Ministério Público Estadual e Superior Tribunal de Justiça

 
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS. LEGITIMIDADE RECURSAL NO ÂMBITO DO STJ.

O Ministério Público estadual tem legitimidade recursal para atuar no STJ. O entendimento até então adotado pelo STJ era no sentido de conferir aos membros dos MPs dos estados a possibilidade de interpor recursos extraordinários e especiais nos tribunais superiores, restringindo, porém, ao procurador-geral da República (PGR) ou aos subprocuradores da República por ele designados a atribuição para oficiar junto aos tribunais superiores, com base na LC n. 75/1993 e no art. 61 do RISTJ. A nova orientação baseia-se no fato de que a CF estabelece como princípios institucionais do MP a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (art. 127, § 1º, da CF), organizando-o em dois segmentos: o MPU, que compreende o MPF, o MPT, o MPM e o MPDFT; e o MP dos estados (art. 128, I e II, da CF). O MP estadual não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à chefia do MPU, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o STJ. A própria CF, ao assentar que o PGR é o chefe do MPU, enquanto os MPs estaduais são chefiados pelos respectivos procuradores-gerais de justiça (PGJ) (art. 128, §§ 1º e 3º, da CF), sinaliza a inexistência dessa relação hierárquica. Assim, não permitir que o MP do estado interponha recursos em casos em que seja autor da ação que tramitou originariamente na Justiça estadual, ou mesmo ajuizar ações ou medidas originárias (mandado de segurança, reclamação constitucional, pedidos de suspensão de segurança ou de tutela antecipada) nos tribunais superiores, e nelas apresentar recursos subsequentes (embargos de declaração, agravo regimental ou recurso extraordinário), significa: (a) vedar ao MP estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP estadual e o MP federal, sendo que ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP estadual; (d) violar o princípio federativo; (e) desnaturar o jaez do STJ de tribunal federativo, uma vez que tolheria os meios processuais de se considerarem as ponderações jurídicas do MP estadual, inclusive como um modo de oxigenar a jurisprudência da Corte. Ressalte-se que, nesses casos, o MP estadual oficia como autor, enquanto o PGR oficia como fiscal da lei, papéis diferentes que não se confundem, nem se excluem reciprocamente. Esse novo entendimento não acarretará qualquer embaraço ao cumprimento das medidas legais de intimação dos MPs estaduais no âmbito do STJ, já que elas terão como destinatários, exclusivamente, os respectivos chefes dessas instituições nos estados. De igual modo, não se vislumbra qualquer dificuldade quanto ao local de onde deve se pronunciar oralmente o PGJ ou seu representante especialmente designado para tal ato, que tomará a tribuna reservada às partes, deixando inalterada a posição do membro do Parquet federal atuante no órgão julgador do STJ, o qual estará na qualidade de custos legis. Precedente citado do STF: RE 593.727-MG (questão de ordem). AgRg no AgRg no AREsp 194.892-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/10/2012.
 
Fonte: Informativo 507 do STJ

8 de dezembro de 2012

O Ministério Público como legitimado ordinário e sua capacidade postulatória

 
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal por unanimidade julgou procedente pedido veiculado em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Espírito Santo contra ato proferido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (MS 28028/ES, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 30/10/12).
 
Desse julgamento decorrem duas situações especialmente interessantes e que foram acertadamente compreendidas pelo Tribunal: o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a tutela, em nome próprio, de sua esfera jurídica e a aceitação da capacidade postulatória do Procurador-Geral de Justiça para subscrever o mandado de segurança.
 
O fato de o Ministério Público não possuir personalidade jurídica (na acepção tradicional) em nada interfere nesse particular. É inegável que ele possui personalidade judiciária e, principalmente, que se trata de ente com esfera e patrimônio jurídico próprios, o que o torna sujeito de direitos.
 
  Quando vai a juízo na defesa de situações jurídicas por ele titularizadas, como é o caso, a sua legitimação é ordinária. Sim, ordinária: nem sempre a atuação do MP dá-se na condição de legitimado extraordinário, como se supõe indevidamente. Esse é o primeiro ponto a ser destacado no julgamento em questão.
 
  O Ministério Público possui autonomia que lhe confere direitos e obrigações, decorrendo daí a capacidade postulatória em caso de ameaça ou violação de sua esfera jurídica. Em texto clássico, escrito há mais de cinquenta anos, Victor Nunes Leal tratou da personalidade judiciária das câmaras municipais e já afirmava que “sendo, entretanto, um órgão independente do prefeito no nosso regime de divisão de poderes (que projeta suas conseqüências na própria esfera municipal), sua competência privativa envolve, necessariamente, direitos, que não pertencem individualmente aos vereadores, mas a toda a corporação de que fazem parte. Se o prefeito, por exemplo, viola esses direitos, não se pode conceber que não haja no ordenamento jurídico positivo do país um processo pelo qual a câmara dos vereadores possa reivindicar suas prerrogativas”. (Personalidade judiciária das câmaras municipais. Problemas de Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 430). Não é por outra razão que já se preconizou que “a teoria dos sujeitos de direito precisa ser repensada, pois não se justifica, pelo exame do direito positivo, que não se reconheça capacidade jurídica a entes a que o ordenamento jurídico atribui aptidão para ter direitos e contrair obrigações, embora não lhes tenha sido atribuída personalidade jurídica”, com a possibilidade de haver processos envolvendo órgãos estatais de uma mesma pessoa jurídica e até de um órgão contra em face dessa mesma pessoa jurídica (DIDIER JR. Pressupostos Processuais e Condições da Ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 117 e 120).
 
Assim, pode o Ministério Público ajuizar ação visando, por exemplo, à salvaguarda do princípio da independência funcional, da autonomia administrativa ou do poder de requisição, como, aliás, já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (MS 5.370/DF).
 
O caso sob exame se amolda perfeitamente ao exposto e já havia sido apontado como exemplo abstrato dessa situação: outro exemplo que pode ser trazido à colação é o ajuizamento de ação perante o Supremo Tribunal Federal visando a impugnar ato emanado do Conselho Nacional do Ministério Público que exorbite seu balizamento constitucional e interfira indevidamente na autonomia dos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Com efeito, no caso de o Colegiado violar a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, o que está longe de ser uma lucubração abstrata, a impugnação do ato perante o Supremo tribunal Federal deve ser feita diretamente pela Instituição por meio de seu Procurador-Geral, sem a necessidade de intermediação por advogado. Não há nenhum motivo razoável que retire do Ministério Público a capacidade postulatória em situações desse jaez” (GODINHO. Robson. Notas acerca da capacidade postulatória do Ministério Público. Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial (segunda série). Didier Jr. (org.). Salvador: JusPodivm, 2010, p. 812/813).
 
A capacidade para ser parte é uma noção absoluta, não significando, porém, que o ente terá necessariamente legitimidade para a causa e capacidade postulatória. No que se refere ao Ministério Público, é inequívoca sua capacidade para ser parte, restando verificar se nas hipóteses concretas estará presente sua legitimidade para agir e, inexoravelmente, sua capacidade postulatória.
 
Essa afirmação, a nosso ver, não comporta contraposição séria quando se refere à defesa de direitos individuais indisponíveis, sociais e às prerrogativas institucionais. Entretanto, por ser o Ministério Público um ente dotado de autonomia administrativa, há uma gama de direitos e obrigações atrelados à Instituição que são dissociados tanto de suas atividades finalísticas quanto de suas prerrogativas, o que certamente ensejará peculiaridades processuais outras que escapam à finalidade deste texto, cujo propósito é apenas o de afirmar o acerto teórico de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
 

4 de dezembro de 2012

Lançamento: "A Defesa da Vida no Tribunal do Júri"

 
Livro: A Defesa da Vida no Tribunal do Júri
 
Autor: César Danilo Ribeiro de Novais
 
Data: 07/12/2012
 
Horário: 10h30m
 
Local: Procuradoria-Geral de Justiça
 
Rua Quatro - Centro Político Administrativo - Cuiabá/MT

3 de dezembro de 2012

Querem calar o Ministério Público

 
 
Proposta em curso na Câmara dos Deputados ameaça tirar poder de investigação de promotores e procuradores em casos criminais. Supremo Tribunal Federal também vai deliberar sobre o tema
 
No ano em que o Brasil comemora a vitória dos valores republicanos com o fim de uma era de impunidade de políticos corruptos, um grupo de deputados federais e de policiais faz avançar sem barulho na Câmara uma proposta que, se aprovada, reduzirá a atuação de uma das instituições que mais contribuem para a democracia no combate à corrupção e ao crime organizado: o Ministério Público. “É o típico exemplo do retrocesso institucional brasileiro: quando a gente avança em um aspecto vem a política, que mistura questões corporativas com questões republicanas”, afirma Lenio Luiz Streck, procurador de Justiça no Rio Grande do Sul e professor de Direito Constitucional da Unisinos.
 
Sob a rubrica de PEC-37/2011, a proposta prevê um remendo ao texto da Constituição Federal, proibindo que promotores e procuradores conduzam investigações na esfera criminal. A PEC define como competência "privativa" da polícia as investigações criminais ao acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição. O texto passaria a ter a seguinte redação: "A apuração das infrações penais (...) incumbe privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal." O texto foi aprovado em comissão especial na semana passada e agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e para duas votações no Plenário da Casa. Em seguida, vai ao Senado.
 
A legislação brasileira confere à polícia a tarefa de apurar infrações penais, mas em momento algum afirma que essa atribuição é exclusiva. No caso do Ministério Público, a Constituição não lhe dá explicitamente essa prerrogativa, mas tampouco lhe proíbe. É nesse vácuo da legislação que esse grupo de parlamentares e policiais tenta agora agir. Oficialmente, o autor da propositura é o deputado Lourival Mendes, do minúsculo PT do B do Maranhão. Parlamentar de primeiro mandato, o delegado de carreira maranhense encampa os interesses das polícias Civil e Federal, que reivindicam o monopólio das investigações criminais.
 
As tintas da PEC foram dadas por entidades de classe da polícia. “Ou reagíamos ou seríamos sufocados e destruídos pelo Ministério Público”, justifica Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Na visão dele, o MP tomou contornos de um “megapoder”. “Eles têm uma necessidade insaciável de acumular poder. Usurpam funções da polícia judiciária sem ter essa previsão constitucional. O pessoal brinca que eles pediram para tirar das cédulas de real a inscrição ‘Deus seja louvado’ porque não querem concorrência.” Prossegue Ribeiro: “O MP não quer investigar o atacadão. Ele quer o filé mignon. O que dá trabalho passa para os bestas da polícia judiciária ficarem enxugando gelo."
 
No Supremo Tribunal Federal, está desde junho na gaveta do ministro Luiz Fux o processo que pode pôr fim à polêmica sobre os limites de investigação do Ministério Público e esclarecer de uma vez por todas as regras de atuação conjunta entre a instituição e autoridades policiais – talvez antes mesmo da votação no Congresso da malfadada PEC. Em agosto de 2009, a corte já havia decidido que o veredicto sobre um recurso do ex-prefeito de Ipanema (MG), exatamente este nas mãos de Fux, serviria de base para a solução dos questionamentos judiciais sobre a proibição de promotores e procuradores comandarem investigações. Mas o processo ainda não foi concluído.
 
Diante de uma corte de onze ministros com quatro diferentes correntes de interpretação sobre o tema, Luiz Fux paralisou a análise do caso. Para o magistrado, o tribunal, mais do que impor ou não limites ao trabalho ao MP, precisa estabelecer a abrangência da decisão, ou seja, se ela interferirá ou não nas milhares de investigações chefiadas por procuradores e promotores em andamento.
 
Mesmo com o julgamento em aberto, o STF discute, entre outros pontos, a possibilidade de o MP conduzir investigações apenas se os próprios integrantes da instituição estiverem sob suspeita, se agentes policiais forem o alvo da apuração ou ainda se houver clara omissão da polícia em determinado caso. Na corte, também existe a corrente de pensamento, da qual fazem parte Gilmar Mendes e Celso de Mello, segundo a qual o MP pode conduzir apurações de crimes contra a administração pública, não apenas atuar de forma complementar à polícia. Há ainda aqueles que garantem a autonomia completa de investigação do MP, como Joaquim Barbosa, ou o tolhimento total das atividades investigativas da instituição, como Marco Aurélio Mello.
 
As conflitantes interpretações dos ministros têm impacto direto, por exemplo, nas investigações que levaram o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, a ser apontado como o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, em 2002. Um habeas corpus em favor do empresário pedindo a anulação das investigações realizadas pelo MP tem sido julgado em conjunto com o recurso.
 
O assassinato de Celso Daniel, que assombra até hoje o Partido dos Trabalhadores, aliás, é uma das principais vitrines da atuação autônoma do Ministério Público, para quem a morte brutal não se resumiu a um crime comum, conforme concluiu a polícia. Há uma década, o MP enfrenta uma batalha para provar que a morte de Celso Daniel tem contornos que vão muito além de um sequestro equivocado seguido de morte. Neste mês, reportagem de VEJA trouxe o caso à tona: o publicitário Marcos Valério de Souza, operador do mensalão, revelou em depoimento à Procuradoria-Geral da República que Ronan Maria Pinto, um empresário ligado ao antigo prefeito, estava chantageando o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para não envolver seu nome e o do ex-presidente Lula na morte de Celso Daniel.
 
É evidente que a atuação de promotores e procuradores também incorre em erros, especialmente devido à inexperiência e ao deslumbramento com os holofotes de alguns membros da instituição, movidos pela sanha acusatória – daí a série de denúncias apresentadas com base em recortes de jornais, por exemplo. Porém, apurações comandadas pelo Ministério Público contribuíram para desmontar dezenas de casos de corrupção nos últimos tempos. Foi assim com a Máfia dos Fiscais, em São Paulo, e com as denúncias de desvios envolvendo o ex-prefeito Paulo Maluf.
 
O MP também investigou personagens como o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, e o ex-senador Luiz Estevão, pivôs do desvio de milhões do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) paulista, e o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que sangrou os cofres públicos no caso do Banco Marka. Foi o MP quem descobriu e denunciou os horrores praticados pelo médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão por ter abusado de 56 pacientes em sua clínica – ele está foragido desde o ano passado. Assim como a descoberta e desarticulação do “esquadrão da morte” no Espírito Santo. A lista é grande e, recentemente, inclui o mais célebre caso envolvendo agentes políticos, o mensalão, cujas condenações representam um marco para o Judiciário do país.
 
“No cotidiano, polícia e MP cooperam para as investigações”, afirma Alexandre Camanho de Assis, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “A PEC-37/2011 cria uma confrontação artificial, forjada por setores minoritários e radicais da polícia. Todas as últimas operações bem-sucedidas o foram por força da cooperação entre a polícia e o Ministério Público.” Assis lembra que, se hoje a impunidade campeia o Brasil, muito pior seria sem a atuação dos promotores e procuradores. “A corrupção está ligada a altos cargos públicos e ao exercício do poder e da manipulação da máquina pública. Se essa investigação é entregue exclusivamente para a polícia, fica muito mais fácil sabotar, calar, retardar ou inviabilizar uma investigação. O Ministério Público é uma magistratura vitalícia e que não se sujeita a nada, a não ser a lei e à sociedade.”
 
Exemplo internacional de retrocesso - Na última quinta-feira, durante a cerimônia de posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tocou no assunto e apontou a restrição dos poderes do MP como “um dos maiores atentados que se pode conceber ao estado democrático de direito”. E alertou: “Apenas três países do mundo vedam a investigação do MP. Convém que nos unamos a esse restritíssimo grupo?”. Gurgel se referia a Quênia, a Indonésia e Uganda. “Por que o Brasil tem de dar exemplos negativos para o mundo?”, questiona o procurador gaúcho Lenio Luiz Streck.
 
Em países como Alemanha, Espanha, Itália e Estados Unidos, o MP tem um papel preponderante na investigação criminal e no controle da polícia. Na Itália, o trabalho de investigação dos promotores desmantelou a Máfia italiana com a chamada Operação Mãos Limpas. “O que faz diferença nesses países é que há tem um predador forte, o Ministério Público”, afirma Streck. Nos Estados Unidos, o sistema é misto. A promotoria comanda investigações e os policiais trabalham orientados pela promotoria.
 
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece expressamente que o Ministério Público deve dispor de um grupo de investigadores e ser encorajado a fazer investigações independentes contra acusações de execuções sumárias. A entidade recomenda que, se necessário, a legislação do país seja modificada para facilitar essa tarefa dos promotores e procuradores. “Atribuir à polícia a exclusividade para a investigação criminal é ir na contramão da jurisprudência, do avanço histórico da proteção da cidadania e dos tratados internacionais assinados pelo Brasil quanto ao combate à criminalidade”, afirma a procuradora da República em São Paulo Janice Ascari.
 
Num ano que termina com ares de progresso do Judiciário brasileiro, resta a pergunta: a quem interessa tolher a atuação de promotores e procuradores no combate à corrupção e ao crime organizado? Podem até surgirem interessados. Mas à democracia, certamente, não.
 

Atuação

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)