A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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30 de maio de 2012

Suprema indecência


Ainda que se compre pelo valor de face a inverossímil alegação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, de que promoveu o encontro do ministro e ex-presidente da Corte Gilmar Mendes com o ex-presidente Lula, a pedido deste, porque "gostava muito dele e o ministro sempre o havia tratado muito bem", o acatamento da solicitação foi um grave lapso moral. O seu ex-chefe (Jobim foi ministro da Defesa entre 2007 e 2011) que encontrasse outra via para transmitir a tardia gratidão ao magistrado.

Gilmar, por sua vez, errou ao aceitar a reunião. Ministros da Suprema Corte, tendo numerosos compromissos derivados de sua condição, não raro se encontram com outras autoridades, políticos, empresários e figurões em geral. Nada haveria de repreensível se, numa dessas ocasiões, Lula o abordasse para lhe dizer o que, segundo Jobim, teria querido dizer. Mas se então ouvisse do ex-presidente as palavras que lhe foram atribuídas pela revista Veja na reunião de 26 de abril no escritório de Jobim, teria de se retirar imediatamente.

Afinal, mesmo que o seu ex-colega não lhe tivesse adiantado o assunto sobre o qual Lula queria conversar, o ministro tinha tudo para adivinhar que se trataria do julgamento do mensalão, previsto para começar em agosto. Em qualquer país, raros são os que recusam convites para um tête-à-tête com um ex-chefe de Estado. Mas, por todos os motivos concebíveis, Mendes deveria ter sido uma daquelas exceções. Depois, tendo sido como foi noticiado o diálogo entre eles, não se entende por que o ministro levou tanto tempo para fazer chegar a história à imprensa.

Se ficou perplexo "com o comportamento e as insinuações despropositadas" de Lula, como afirma, deveria dar-lhes sem demora a merecida resposta pública. Bastaria a enormidade do acontecido. Se o escândalo do mensalão não tem precedentes, tampouco se tem notícia de um ex-presidente da República procurar um membro do Supremo Tribunal para dizer-lhe que considera "inconveniente" o julgamento próximo de uma ação que o alcança politicamente. A inoportunidade - teria alegado Lula - viria da coincidência com a campanha para as eleições municipais deste ano.

Não podendo remeter às calendas o julgamento de um processo aberto há sete anos contra a cúpula do PT, além de outros companheiros e seus sócios na "organização criminosa" de que fala a denúncia do Ministério Público, Lula quer empurrar o desfecho para depois da aposentadoria de dois ministros, o atual presidente Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso, que tenderiam a votar pela condenação dos réus mais notórios. Tivesse Lula ficado nisso, já teria superado as próprias façanhas em matéria de indecências políticas.

Mas, além disso, ele não só teria ofendido o relator Joaquim Barbosa, chamando-o de "complexado"; teria avisado que incumbiria o ex-ministro Sepúlveda Pertence de "cuidar" da ministra Carmem Lúcia para que ajude no adiamento; e contado que pediu ao ministro José Dias Toffoli que não se declarasse impedido por ter sido assessor jurídico da Casa Civil, ao tempo de José Dirceu; como praticamente chantageou o interlocutor, ao oferecer-lhe proteção na CPI do Cachoeira, que teria se gabado de controlar. Proteção, no caso, contra alguma tentativa de convocá-lo a explicar as suas relações com o senador Demóstenes Torres, parceiro do contraventor.

Quando Mendes disse que elas sempre se deram nos limites institucionais, Lula teria perguntado algo como: "E a viagem a Berlim?". Os dois, de fato estiveram na capital alemã, onde mora a filha do ministro, e a viagem teria sido paga por Cachoeira - o que Mendes negou veementemente, e batendo na perna de Lula desafiou: "Vá fundo na CPI!". A revelação do ultraje levou os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello a condenar o ex-presidente da República nos termos mais duros, compatíveis com o extremo a que levou o seu despudor - algo "inimaginável", estarreceu-se Marco Aurélio. O seu colega, decano da Corte, criticou o "grave desconhecimento (de Lula) das instituições republicanas". Se ele ainda fosse presidente, resumiu com exatidão, "esse comportamento seria passível de impeachment".

Fonte: Jornal "O Estado de S. Paulo" de 30/05/2012.

Um comentário:

Vellker disse...

Este texto do jornal "O Estado de São Paulo" que sempre se proclamou "arauto da democracia" junto com os outros órgãos da nossa nefasta imprensa, tanto paulista como carioca, vem apenas demonstrar de forma inconteste a que ponto de degeneração política chegamos.

Em grande parte foram esses mesmos auto-proclamados "heróis da imprensa democrática" que ajudaram a empurrar o Brasil para o chiqueiro político, jurídico e social onde hoje ele se debate, sob risos da comunidade internacional.

Embalados numa sensação de impunidade depois da entrega do poder pelos militares em 1985, os grupamentos político e jurídico do Brasil iniciaram desde então a criação de legislação em proveito próprio que além de afundar o Brasil no lamaçal de corrupção e crimes comuns que hoje debilita gravemente o país como nação, serviu também para levantar a voz de organizações estrangeiras que já questionam abertamente a capacidade das estruturas políticas e jurídicas nacionais em ter qualquer legitimidade em efetivamente conduzir o Brasil como nação.

E o pior de tudo, visto esse incidente com os três amigos mencionados no caso todo, é que isso já começa a ser visto como verdade.

Seguindo o verdadeiro manual de corrupção chamado pelo seu mentor de "constituição cidadã" foram as chamadas autoridades, ano a ano, se embrenhando numa briga por mais poder e fortuna pessoal, usando suas corporações como escritórios de planos, negócios e entreguismo das riquezas nacionais a estrangeiros, sempre leniente e complacentes com estes, desvirtuando completamente seus emblemas nacionais, que um dia pretenderam que representasse a defesa do que se chama de nação brasileira.

Esse jornal, como aliás o resto da imprensa brasileira nada mais faz do que tentar posar de "denunciante em defesa das instituições", as quais ajudou a perverter quando os tempos eram outros e os denunciados eram "heróis democráticos".

Falta pouco para a imprensa brasileira, sempre de olho em seus negócios, começar a elogiar tropas e polícias estrangeiras como "guardiões da democracia do Brasil".

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