A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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29 de maio de 2012

O Ministério Público pode e deve investigar

Antes de mais nada, esclareça-se que, com a defesa dos poderes investigatórios do MP, não se pretende usurpar as funções da Polícia, nem colocar o Ministério Público como presidente do inquérito policial.

O que se pretende – isso sim – é fornecer à sociedade uma alternativa investigatória a mais, de inestimável valor – como tem ocorrido nos últimos anos – para a apuração de crimes praticados pelos poderosos, pelos corruptos e pelos corruptores, pelos malversadores do dinheiro público, pelos chefes e integrantes do crime organizado e por todos aqueles que, até um tempo atrás, gozavam de total impunidade, julgando-se acima da lei, cidadãos “intocáveis” que escarneciam do povo brasileiro e da Justiça.

O MP possui a garantia constitucional da inamovibilidade, predicado esse que, infelizmente, não é dado à Polícia. Por isso mesmo, pode ele, com independência e sem receio de “canetadas” que o removam aos confins mais afastados dos Estados ou do País, investigar as condutas de indivíduos que ostentem poder político, econômico ou de qualquer outra ordem.

Analisemos o tema à luz da Constituição. Permite ela que o MP investigue?

Sim, sem dúvida. O art. 129 da CF enumera as “funções institucionais” do MP. Possui nove incisos, entre os quais merecem destaque o de nº I (“promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”), o de nº VI (que lhe permite realizar “procedimentos administrativos”), e o último, de nº IX, que lhe permite “EXERCER OUTRAS FUNÇÕES QUE LHE FOREM CONFERIDAS, DESDE QUE COMPATÍVEIS COM SUA FINALIDADE, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (grifo nosso).

O inc. IX do art. 129 mostra, com límpida clareza, que o rol de atribuições dos outros oito incisos não é taxativo, não esgota o leque de atribuições do MP. Pergunta-se: a investigação criminal não estaria incluída nessas outras atribuições, permitidas pelo dito inc. IX?

É claro que essa investigação é compatível com as finalidades do MP, principalmente com a do inc. I, que deu a essa nobre instituição a titularidade exclusiva da ação penal pública. Como única instituição estatal que pode processar em juízo os suspeitos das práticas criminosas, o MP pode e deve munir-se de elementos de prova para bem produzir a acusação pública no juízo criminal.

Por que cargas d’água, então, não pode ele preparar, por seus próprios meios, sem depender de ninguém, os elementos de prova com os quais instrui sua petição inicial, como, aliás, fazem todos os advogados que, em nome de seus clientes, ingressam com processos em juízo? A se proibir o MP de investigar, estar-se-á colocando o parquet em situação inferior à dos advogados, pois estes podem escolher, por conta própria, elementos de prova que embasem suas petições iniciais, mas o Ministério Público ficará com as mãos amarradas, dependendo da produção de provas realizada por outra instituição – a Polícia -, que não lhe é hierarquicamente inferior, como se fosse um mero espectador do processo penal, obrigado a aceitar, muita vez a contragosto, o material probatório vindo das repartições policiais. Isso, por sinal, tornaria o inquérito policial indispensável, contrariando a lei, a doutrina e a jurisprudência, que SEMPRE consideraram o inquérito policial dispensável para a formação da convicção do MP.

No art. 144, a Constituição cuida da segurança pública, e, ao tratar da Polícia Federal, estabelece, no inc. IV de seu §1º, que a ela incumbe “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. É evidente que a Carta Magna deu à Polícia Federal a exclusividade da função de polícia judiciária (elaboração de inquéritos policiais), para que outras instituições policiais, principalmente as polícias civis dos Estados, não investiguem crimes de competência federal. Isso é reforçado pelo §4º do mesmo artigo, segundo o qual às Polícias Civis dos Estados “incumbem, ressalvada a competência da União (grifo nosso), as funções de polícia judiciária (...)”. Com clareza solar, o art. 144 da CF não conferiu às Polícias a exclusividade das investigações criminais, mas tão somente a exclusividade da realização de inquéritos policiais.

Outras entidades, públicas e até privadas, também podem investigar e investigam, no Brasil: a ABIN, a Controladoria Geral da União, o TCU, o COAF, o DRCI, a CVM, o Banco Central, o IBAMA, a SEAE, a SDE, o CADE, a SENAD, as Agências Reguladoras, os Serviços Reservados das Forças Armadas e das PMs, as CPIs federais, estaduais e municipais, o STF, o STJ, os cinco TRFs, os TJs dos Estados, a Receita Federal, os TCEs e TCMs, os juízes das falências, nos “inquéritos judiciais”, os Juízes Corregedores dos Presídios e das Policias Judiciárias em todas as MILHARES de comarcas do País, as seguradoras, os detetives profissionais, a imprensa investigativa, os advogados (alguns escritórios têm até departamentos de investigações) etc.etc.etc...mas...só o Ministério Público não pode investigar??

E a legislação, o que diz?

O art. 47 do Código de Processo Penal dispõe que, se o MP “julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los”. Isso não é investigar? Não pode o MP reunir todos esses documentos num procedimento investigatório criminal?

O Código Eleitoral, no §2º do art. 356, prevê expressamente investigação, pelo MP, de crimes eleitorais, para o embasamento de sua denúncia. A Lei Orgânica do MP, no art. 26, I, c, permite que o MP, no inquérito civil e em outros procedimentos, promova “inspeções e diligências investigatórias”. O Estatuto do MP da União, no inc. V de seu art. 8º, confere ao MPU o poder de “promover inspeções e diligências investigatórias”, e o inc. VII do mesmo artigo edita que o MPU pode “expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar” (grifo nosso). O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 201, VI, b, outorga ao MP o direito de “promover inspeções e diligências investigatórias” nos crimes praticados contra menores de 18 anos. O STF, por sinal, em 14/10/03, no HC 82.865, relator MINISTRO NELSON JOBIM, decidiu que “O Ministério Público pode denunciar com base em sindicância própria, instaurada para apurar a existência de ilícito penal, com base no art. 201, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Por fim, o recentíssimo Estatuto do Idoso, no art. 74, V, b, prevê que o MP possa “promover inspeções e diligências investigatórias” nos crimes perpetrados contra maiores de 60 anos.

Não fosse a investigação criminal efetuada pelo MP, muitos casos de extrema gravidade, como o do Esquadrão da Morte, o de Santo André, o do Fórum Trabalhista de São Paulo, o da “máfia dos fiscais” da prefeitura paulistana, o de certo deputado federal pelo Acre, o do Bar Bodega – no qual o MP descobriu os verdadeiros autores do latrocínio -, os de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, o das contas bancárias no Exterior, além de inúmeros outros pelo Brasil afora, não teriam chegado aos resultados positivos alcançados ou em pleno andamento.

Se o MP for proibido de investigar, o Brasil retrocederá décadas no combate à criminalidade, transformando-se no paraíso da impunidade e igualando-se a países subdesenvolvidos nos quais o crime campeia à vontade.

Os países de “primeiro mundo” (como a Alemanha, a França, Portugal, a Itália, os EUA etc.) permitem que o Ministério Público investigue por conta própria, sem prejuízo das investigações policiais.

Num momento delicado como este em que vivemos, com o crime violento e organizado se alastrando pelo território nacional, não devemos cercear ou restringir as atividades investigatórias, mas, ao contrário, incentivá-las.

O MP Federal e os de vários Estados da Federação já regulamentaram seus procedimentos investigatórios criminais, formalizando-os de maneira clara e que leva em conta tanto os interesses da sociedade como a proteção dos direitos e garantias individuais dos investigados.

Afinal de contas: que tem medo da investigação criminal pelo Ministério Público?

Por Carlos Frederico Coelho Nogueira, Procurador de Justiça aposentado (MPSP) e Professor de Processo Penal.

Via APMP

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)