A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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3 de janeiro de 2012

Sistema Punitivo


O sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê retribuição na medida certa. A sociedade tem uma sensação difusa de impunidade. Mas as estatísticas de encarceramento são as mais elevadas desde sempre: passaram de 140 mil em meados da década de 90 a mais de 500 mil na atualidade. O número de presos no Brasil só é inferior, em termos absolutos, aos da China e dos Estados Unidos. Temos uma justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela. O sistema punitivo tem como porta de entrada o inquérito policial, passa pelo Ministério Público, pela Magistratura e tem como porta de saída o sistema penitenciário. Seus maiores problemas estão na entrada e na saída. A atividade policial é frequentemente vista como uma atividade menor, menos importante do que a de promotores e juízes. Trata-se de um erro grave. Uma polícia mal treinada, mal equipada e mal remunerada, sujeita a uma vida de riscos, vizinha de porta do crime, é um convite à violência e à corrupção. Nesse contexto, menos de 8% dos homicídios no Brasil são elucidados. E são cerca de 50.000 por ano, número de mortes superior ao de países em envolvidos em conflitos armados. Já o sistema penitenciário é tão degradado e degradante que juízes e tribunais, com um mínimo de visão humanista, apegam-se a qualquer filigrana jurídica para não mandar qualquer pessoa não-violenta para suas entranhas, realimentando o sentimento de impunidade.

Em suma: o sistema punitivo brasileiro é uma combinação de truculência, impunidade e degradação.

Recuperar o sistema punitivo envolve a combinação de providências óbvias com algumas soluções criativas. É preciso, dentre outras prioridades, dar dignidade à polícia: status social, qualificação educacional, remuneração adequada, treinamento, equipamento e uma cultura capaz de conciliar eficiência com respeito aos direitos humanos.

Vale dizer: capacitação, recursos e uma filosofia de trabalho. Precisamos, igualmente, recolocar em discussão a ideia da proibição de venda de armas de fogo, derrotada no plebiscito de 2005, vítima de contingências do momento político. No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, como também pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilização ampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável. Por igual, crimes de colarinho branco e todas as demais formas de criminalidade não violenta devem ter instituições prisionais separadas, mais baratas e de menor segurança, financiadas com as sanções pecuniárias elevadas a serem aplicadas, sobretudo, à criminalidade econômico-financeira.

Também aqui, quem fugir ou violar as regras vai para o sistema. E, sobretudo, precisamos organizar um grande evento multidisciplinar de reflexão sobre o sistema punitivo brasileiro: quanto de direito penal, para quem, com quais objetivos. O sistema punitivo brasileiro está desarrumado filosófica, normativa e administrativamente. Precisamos de um exercício de pensamento criativo, de energia construtiva.

Por Luís Roberto Barroso, na XXI Conferência Nacional dos Advogados, que ocorreu em novembro deste ano na cidade de Cuiritiba. Clicando aqui, você tem acesso à palestra integral do autor (“Democracia, Desenvolvimento e Dignidade da Pessoa Humana: Uma Agenda para os Próximos Dez Anos).

2 comentários:

Vellker disse...

Outro discurso bem parecido com porta-aviões boliviano ou seja, bonito mas não funciona. Em toda sua análise não menciona o autor que o sistema punitivo brasileiro, descrito como uma combinação de truculência, impunidade e degradação nada mais é do que o reflexo do que é o sistema político brasileiro. Afinal o sistema político é que criou o sistema penintenciário.

Ainda por cima, com a inocência de uma criança, ou talvez um pensamento contrário, ele ainda fala em criar mecanismos que propiciem a prisão domiciliar em larga escala. Logo teremos pedófilos, traficantes, estupradores e assassinos dos piores tipos em prisão domiciliar. Que progresso. Tráfico, estupro e assassinato em domicílio para maior comodidade dos bandidos e com auxílio reclusão para garantir o bem estar dos degenerados.

E de novo, como é tão comum aos membros da OAB, que parecem hipnotizados para falarem isso, continuar o desarmamento do cidadão de bem, enquanto que os bandidos usam as mais modernas armas e que aliás não são compradas em lojas. Desde que o desarmamento começou em 1997 tudo o que é crime violento cresceu, progrediu e prosperou e se organizou em bandos. Hoje grupos armados assaltam condomímios no sudeste, modernos cangaceiros invadem cidades do nordeste em grupos armados e fazem o que querem e tudo o que os advogados sabem dizer é: desarmem o cidadão.

Não dá para saber mais a favor de quem eles estão falando.

Unknown disse...

É questão de serenidade, como diz o autor.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)