A má sociologia produziu entre nós um discurso intelectual predominante sobre a violência. Seria produto, principalmente, de causas macrossociais. Como a pobreza e a falta de acesso a bens e serviços trazidos pela civilização.
Inexistiria portanto uma maldade "não social". A perversidade seria resultado do meio, das circunstâncias, do ambiente. É o pensamento trazido pelo extenso fio condutor iniciado lá atrás com a teoria do bom selvagem.
A coisa é conveniente, pois permite transferir a responsabilidade de modo seletivo.
Se o rico comete um crime, a culpa é dele mesmo. Como no caso do Porsche em altíssima velocidade no Itaim, em São Paulo. Mas se o criminoso é pobre, a culpa é da sociedade. Melhor dizendo, da elite.
Esse arcabouço intelectual apresenta alguns problemas. O primeiro é não bater com a realidade.
O mapa da pobreza não é o mapa do crime e da violência. Um exemplo? O Nordeste urbano foi nossa região cuja economia mais cresceu, onde mais se distribuiu renda nos anos recentes. E foi também onde mais aumentou a criminalidade.
Outro problema é a teoria oferecer um alicerce quase afetivo à condescendência com o crime. Esta seria, talvez, uma forma primitiva de rebelião contra a injustiça. E portanto deveria ter reconhecido o vetor progressista.
Tudo isso é bem complicado, especialmente por exigir generalização. O Código Penal ainda não prevê, por exemplo, aplicação de pena maior para o homicida conforme o valor do contracheque. Então a condescendência com uns tende a universalizar-se.
E bons advogados (eles apenas fazem seu trabalho) serão perfeitamente capazes de usar, em benefício de quem pode pagar, os mecanismos teoricamente destinados a proteger quem não pode.
Convenhamos, tem algo bem errado nisso.
Quem entende do assunto garante: o problema não está na leveza das penas, mas na alta probabilidade de o criminoso escapar da punição. Recolho a opinião e a respeito.
Entretanto, teorias à parte, matar alguém no Brasil acaba saindo relativamente barato para quem matou.
Há as exceções, quando a comoção popular ultrapassa certas fronteiras e constrange as autoridades.
Como no caso dos Nardoni. Mas não é a rotina.
Qual seria uma pena razoável para o professor assassino de Brasília? Vamos deixar de lado a pena de morte, cujo debate traz questões filosóficas impossíveis de encaminhar hoje neste espaço de maneira minimamente razoável.
Mas, digam uma coisa. Algo justifica não aplicar neste caso pelo menos a prisão perpétua? Não seria vingança, mas equilíbrio. A perda da filha, por exemplo, será perpétua para o pai humilde cujo sonho era ter uma advogada na família.
É uma polêmica difícil. Assim como a da idade na qual alguém finalmente pode ser responsabilizado pelos atos. A tal maioridade penal. Por que diferir o tratamento de alguém de 17 anos e 364 dias e outro alguém só dois dias mais velho?
Sempre é possível extrapolar o raciocínio ao absurdo, e daí objetar que, sendo assim, uma criancinha deveria receber o mesmo julgamento de um adulto plenamente formado.
Mas é diletantismo. Na prática, as quadrilhas têm seus próprios "menores" encarregados de aproveitar as brechas da lei.
Um debate infindável.
Mas enquanto se discute, segue a vida. Há necessidade imperiosa de produzir uma nova moldura jurídico-social capaz de reduzir a probabilidade de alguém ser vítima de um ato criminoso.
Penas mais severas, menos atalhos jurídicos para escapar, mais bandidos presos. Não é tão difícil assim. Falta apenas quem não se deixe intimidar e esteja disposto a carregar a bandeira.
Fonte: "Nas Entrelinhas" - Jornal "Correio Braziliense" de 04/10/2011.
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