A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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1 de julho de 2011

O Supremo pede desculpas?


Análise à luz dos casos Abdelmassih, Strauss-Kahn e Pimenta Neves

O sol brilhou na janela de um luxuoso quarto, refletindo o azul de um mar tranqüilo em algum lugar paradisíaco deste mundo afora. É nesse cenário onde, provavelmente, o Dr. Roger Abdelmassih desperta para degustar o sabor delicioso da liberdade a lhe provocar um imenso sorriso de satisfação, talvez na mesma intensidade do gozo que fruía ao estuprar suas pacientes. Mas nada lhe deve dar mais prazer do que rir do Judiciário, que o condenou a 278 anos de cadeia, mas o deixou livre no tempo suficiente para fugir. A completar a total felicidade, a Justiça desbloqueou seus bens, garantindo-lhe uma vida de prazeres sem fim. Quando a prisão de Roger foi restabelecida, já era tarde. Por muito menos, não foi assim nos Estados Unidos.

Dominique Strauss-Kahn era o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. Estava em Nova York preparando-se para retornar à França. Dominique deixa o hotel e se dirige ao aeroporto. Embarca na primeira classe, pede um uísque. Ele não vai degustar a bebida. Após 180 minutos em que havia deixado o hotel, Monsieur Strauss-Kahn é retirado do avião, algemado e preso sob a acusação de ter molestado uma camareira. A liberdade provisória lhe é concedida sob condições: 6 milhões de dólares em garantias; empresa de segurança responsável em vigiá-lo; tornozeleira eletrônica para acompanhar seus passos.

O Dr. Roger foi condenado por crimes sexuais cometidos contra 39 pessoas anestesiadas, indefesas. A não bastar o horror dessa história, na sua luxuosa clínica de reprodução humana, o médico misturava material genético, de maneira irresponsável e amoral, para alcançar a popularidade vinda do recorde de fertilizações. O DNA dos pacientes se espalhou, sem lenço nem documento, nos corpos e almas daquelas mulheres que, enlouquecidas de amor e esperança, lutavam pelo sonho de ser mãe. Hoje, milhares de crianças, cujo nascimento se deu por intervenção do especialista, têm dúvidas sobre quem são os seus pais biológicos. É um triste momento para a nação ver como o poder público protege os filhos deste país.

A história da humanidade mudou desde que os gritos da Revolução Francesa ecoaram no mundo ocidental. Uma nova ordem emergiu, na qual o poder deve satisfações ao cidadão. Se o Supremo revogou a liminar, ela fora concedida corretamente? A Justiça falhou ao aplicar a lei tardiamente e sem eficácia? Cabe indenização pelo mau funcionamento do serviço público? O Juiz que não desempenha satisfatoriamente o seu trabalho pode ser afastado sem remuneração? O que aconteceria a Dominique Strauss-Kahn se estivesse no Brasil? Qual seria o destino de Abdelmassih se tivesse cometido, nos Estados Unidos, as barbaridades que fez aqui? O valor da mulher brasileira é inferior à dignidade da americana? O Judiciário deve dar explicações ao contribuinte que paga as altas contas de sua manutenção?

No recente julgamento do jornalista Pimenta Neves, a ministra Ellen Gracie disse que era extremamente difícil explicar, no exterior, como um réu confesso de assassinato estava solto havia 11 anos, aguardando o trânsito em julgado de sua condenação. Mas não seria ao povo brasileiro que o Judiciário deveria dar explicações? Parece que não. Numa inversão de valores, o Supremo se preocupa em pedir desculpas apenas no estrangeiro; ao subserviente povo brasileiro cabe apenas pagar a conta. Calado.

Por Cássio Roberto dos Santos Andrade, Procurador do Estado; professor da graduação e pós-graduação do UNi-BH.

Fonte: Jus Navegandi

Um comentário:

Vellker disse...

Roger Abdelmassih nada mais fez do que exercer seus direitos, no caso os direitos que assistem à parcela rica e influente da sociedade brasileira, cujos membros, exatamente pelas leis tácitas desse ordenamento social e jurídico perverso podem se dar ao luxo de fugir da justiça e com a ajuda dela, pois quando ela olha para um desses poderosos com problemas, é leniente e no mais das vezes cúmplice.

Fosse Roger Abdelmassih apenas um enfermeiro da clínica onde os estupros ocorreram, sem posses, sem nome tradicional, sem amigos influentes e vivendo de um magro salário, já estaria atrás das grades cumprindo seus 278 anos de prisão.

A mesma alta sociedade que fica indignada, agora aos brados deveria procurar entre seus amigos de clube de campo quem foi que ajudou esse criminoso a fugir. Ou acham que ele fez tudo sozinho?

E essa sociedade só fica indignada quando é atingida e ao buscar reparação, ora essa, passam-lhe a perna jurídica que ela mesma costuma passar nos outros. Que coisa, quem a atingiu também frequentava o clube de campo.

Agora quando algum membro dessa sociedade comete algum crime ou atropela alguém na rua, aí o judiciário faz o que é certo, dá Habeas-Corpus, protela o julgamento, permite a liberdade depois da condenação e em certos casos até mesmo deixa de reconhecer o crime, favorecendo o criminoso. Ou já esqueceram da promotora que deixou de reconhecer que o filho de um ex-ministro tinha atropelado e matado um pedreiro em 1996? Ah, aí a justiça está certa. Quem tem mais dinheiro pesa mais na balança, é só escolher a balança certa.

A juíza Ellen Gracie nem deveria ficar constrangida na frente de seus amigos juízes da Europa e dos Estados Unidos. Ela deveria dizer com toda naturalidade, que sim, o ordenamento jurídico brasileiro é assim mesmo, perverso e injusto e daí? Qual é o problema?

Azar dos seus pares americanos e europeus, que sejam magistrados ou milionários, são destituídos dos seus cargos, tem seus bens confiscados e são enfiados na cadeia por dezenas de anos, com direito apenas a amargarem dia a dia a punição pelo crime que cometeram.

Querem sossego? Naturalizem-se brasileiros, entrem para o clube de campo e aproveitem as delícias que agora Roger Abdelmassih desfruta.

Não percam tempo, façam como Cesare Battisti, que entre a prisão perpétua na Itália e o clube de campo jurídico do Brasil, preferiu as praias ensolaradas do STF.

É isso que a juíza Ellen Gracie deveria dizer com toda tranquilidade para seus amigos dos tribunais no exterior.

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