A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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4 de maio de 2011

Problemas do PLC 111/2008 (altera prisão processual)


O PL restringe excessivamente os casos de cabimento da prisão processual, inspirado em visão demasiado paternalista pró-réu na ação penal. O requisito da pena máxima superior a quatro anos (art. 313, inciso I) deixa grande quantidade de crimes de fora da possibilidade de ensejar a prisão preventiva. Os réus poderão continuar a delinquir livremente e não poderão ser presos por isso. Integrantes de quadrilha, por exemplo, não poderão ser presos preventivamente por esse delito, pois sua pena máxima é de três anos. Tampouco poderão ser presos os autores de furtos simples e contrabando (pena máxima de quatro anos), ainda que se trate de criminosos habituais. O projeto não considera o Ministério Público responsável pela garantia da legalidade, pois não prevê comunicação da prisão ao órgão (como fazem as leis federais que tratam do MP – Lei Complementar n.º 75/93 e Lei n.º 8.625/93), mas apenas ao juiz e à defensoria pública ou ao advogado do preso (art. 306, § 1.º). O mesmo art. 306, § 1.º, exige a remessa do auto de prisão em flagrante, sempre que o preso não indicar advogado, à defensoria pública (DP). A norma é inconstitucional, pois a comunicação à DP deveria ocorrer apenas no caso de réus pobres, para cuja defesa a Constituição criou a defensoria (art. 134). Pelo projeto, a DP precisaria analisar autos de prisão de réus de classe média e alta, se não tiverem advogado constituído. Isso desvia a defensoria de sua missão constitucional, que ela não consegue cumprir por falta de recursos humanos. O projeto descumpre o princípio acusatório, que a Constituição prevê no art. 129, I. O art. 311 do CPP manteria a possibilidade de prisão preventiva de ofício, ou seja, mesmo sem (ou até contra) a provocação do autor da ação penal, que é o Ministério Público. Isso é lesivo à defesa dos direitos fundamentais, que, contraditoriamente, a exposição de motivos do PL afirmar querer proteger. O mesmo se diga da possibilidade de prisão a partir de representação da polícia, que não deve ter capacidade postulatória, pois não é parte na relação processual penal. Entre as “medidas cautelares diversas da prisão”, o art. 319, inc. IV, prevê autêntica piada. Estabelece que, no caso de indícios de o réu pretender fugir, o juiz poderá decretar a “proibição de ausentar-se da comarca para evitar fuga”. Ora, se há elementos para fazer crer que o réu pretende fugir, alguém poderá imaginar que essa inócua proibição terá alguma efetividade? O caso seria de prisão preventiva para garantir aplicação da lei penal. Já no inc. V do art. 319,que trata do “recolhimento domiciliar”, o PL cria mecanismo mais suave do que a prisão domiciliar do art. 317, cujos requisitos são mais restritos. Na verdade, como os Estados e a União não possuem meios de fiscalizar esse recolhimento, trata-se de mera ficção que o legislador resolveu criar, a fim de enganar os ingênuos e os desavisados, para gozo dos acusados. Por fim (embora haja outros problemas), o art. 319, VII, estabelece que, se o réu obstruir o andamento do processo ou descumprir ordem judicial, apenas deverá o juiz fixar fiança. Em outras palavras, quem tiver disponibilidade econômica poderá ignorar as decisões judiciais e livremente atrapalhar o processo, desde que pague as fianças que lhe forem fixadas. O projeto, portanto, consagra a desmoralização do Poder Judiciário. Melhor seria para o país se a presidente da República vetasse integralmente essa infeliz iniciativa.

Por Wellington Cabral Saraiva, Procurador Regional da República.

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Clique aqui para ler artigo do Desembargador Fausto De Sanctis cuidando do mesmo tema.

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