A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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22 de maio de 2011

Parresía - a Coragem de dizer a Verdade


Não são raras as ocasiões em que preferimos nos abster de dizer a verdade. Também não são infundadas as razões pelas quais optamos por proceder assim. De fato, se ousarmos manifestar o que pensamos, tornaremo-nos, no mínimo, indesejáveis e, se considerarmos que uma das excelências humanas está justamente na capacidade de convívio, no cultivo de aprazíveis relações, nada mais coerente.

Parresía é o termo em grego para designar a coragem de se dizer a verdade, expor tudo, de se falar com franqueza. O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), em sua obra "O governo de si e dos outros", tratará desta antiqüíssima noção e seu uso político desde os primórdios da politéia (constituição) e da democracia na Grécia.

A palavra certa, proferida no momento adequado (kairós - tempo oportuno) pode revelar injustiças, impor lucidez e também ferir. Metralhadora ou flecha certeira, dispará-las pode aniquilar moralmente um (a) poderoso (a).

Estar convicto é fundamental. Se tratar-se de mero atrevimento, irresponsável, o dano pode ser irreversível, sobretudo se houver platéia. Mesmo que se tente remediar, a ardilosidade de se ofender em público e se retratar em particular é expediente inaceitável.

A parresía é uma virtude e seu emprego pode se dar tanto na esfera pública quanto na privada. Algumas características lhe são peculiares: uma delas é a de que o destemido que confrontar o poder com a verdade esteja em condição subalterna a seu interlocutor. Não há parresía quando um pai repreende um filho, um professor contesta seu aluno ou o patrão adverte o funcionário.

Há de se ter muita intimidade e confiança para que, sem magoar, sejamos autênticos. Quando a verdade é proferida sem malícia, não se guarda rancores. É delicado sermos parrésicos na vida privada e, salvo raras exceções, até dispensável.

Embora estejamos cônscios de que evitar o confronto, abstendo-se de uma corajosa franqueza implica numa fatura onde se discrimina hipocrisia, falsidade, fingimento e mentira, sobretudo no âmbito das relações familiares e de amizade, quem teria coragem de dizer assim, na lata, que o filho é um ingrato, os progenitores do cônjuge são inconvenientes ou maledicentes? Que o cunhado é um inútil e a cunhada lhe parece dissimulada, invejosa ou que, após a plástica, sua amiga a faz lembrar Sartre?

Ser parresiasta (parrésico ou Parresiázesthai) não é ser irônico, crítico, persuadir ou desafiar proferindo ofensas e insultos gratuitos. Isso é mera opinião (dóxa), não necessariamente uma opinião verdadeira (dóxa alethés).

Mais que uma recusa à mentira, à bajulação, peculiar da parresía é haver um alto preço a ser pago. Por isso, será no âmbito da vida profissional e cívica que optar por dizer a verdade pode acarretar implicações de alcance imprevisíveis: retaliações, demissões, exílio e até mesmo a morte.

Na vida privada em desavença (império de "futrica de comadres", território de desocupadas aves de rapina), as conseqüências de dizer a verdade podem ser relativamente mensuráveis e, dependendo do caso, mesmo que desconfortável, o máximo que pode acontecer é o rompimento de relações notadamente desarmoniosas e inautênticas, algo capaz de revelar-se até benéfico à saúde psíquica.

É no dizer público que a parresía é mais parresía. Foucault afirma que "as diferentes maneiras de dizer a verdade podem aparecer como formas" e analisa quatro delas: estratégia de demonstração, de persuasão, de ensino e de discussão.

Embora possa utilizar elementos de demonstração, a parresía não é uma maneira de demonstrar: "não é a demonstração nem a estrutura racional do discurso que vão definir a parresía".

Quanto à retórica, diz ele: "a parresía como técnica, como procedimento, como maneira de dizer as coisas, pode e muitas vezes deve efetivamente utilizar os recursos da retórica (...) a parresía se define fundamentalmente, essencialmente e primeiramente como o dizer-a-verdade, enquanto a retórica é uma maneira, uma arte ou uma técnica de dispor os elementos do discurso a fim de persuadir." Sem dúvida, a retórica não se ocupa com o fato do discurso ser ou não verdadeiro e isso é essencial à parresía.

Sobre ser uma maneira de ensinar, uma pedagogia, Foucault também refuta dizendo haver: "(...) toda uma brutalidade, toda uma violência, todo um lado abrupto da parresía, totalmente diferente do que pode ser um procedimento pedagógico. O parresiasta, aquele que diz a verdade dessa forma, pois bem, ele lança a verdade na cara daquele com quem dialoga ou a quem se dirige (...)".

E complementa dizendo que "(...) quem diz a verdade lança a verdade na cara desse interlocutor de maneira tão cortante e tão definitiva, que o outro em frente não pode fazer mais que calar-se, ou sufocar de furor (...)".

Seria a parresía uma maneira de discutir? Pertenceria à Erística? Éris é a deusa da discórdia (disputa, querela) e esse termo compreende "uma arte da controvérsia e do debate, desenvolvido principalmente pela Escola de Mégara (séc. V-IV)". Não. O parresiasta não tem por télos (finalidade) discutir, mas dizer: "Há, de um lado, um dos interlocutores que diz a verdade, e que se preocupa, no fundo, com dizer a verdade o mais depressa, o mais alto, o mais claro possível; e depois, em face, o outro que não responde, ou que responde por outra coisa que não são discursos".

Michel Foucault afirma que a parresía é uma certa maneira de se dizer a verdade, mas que esta maneira não pertence à erística (arte de discutir), nem à pedagogia (arte de ensinar), nem à retórica (arte da persuasão) nem tampouco a uma arte da demonstração: "Não a encontramos no que poderíamos chamar de estratégias discursivas".

Pode-se servir da parresía para emitir lições, aforismos, réplicas, opiniões, juízos etc., mas o que mais a caracteriza, onde há verdadeiramente parresía, é quando não se fica impune ao pronunciá-la.

Ele diz crer que, se quisermos analisar a parresía, não devemos nos ater ao "lado da estrutura interna do discurso, nem do lado da finalidade que o discurso verdadeiro procura atingir o interlocutor, mas do lado do locutor, ou antes, do lado do risco que o dizer-a-verdade abre para o próprio interlocutor".

Arriscado, proferir a verdade é encontrar a fúria: "é abrir para quem diz a verdade um certo espaço de risco, é abrir um perigo em que a própria existência do locutor vai estar em jogo." De fato, é se expor pelo que o Homem mais preza: liberdade. Corajosos, Parresiázesthai estão dispostos a morrer por ela.

Por Luciene Félix, Professora de Filosofia e Mitologia Grega da Escola Superior de Direito Constitucional.

Fonte: Jornal Carta Forense, 4 de abril de 2011.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem não se recorda, dos meninos descalços e sem camisa que a mídia apresentou ao mundo, como sendo os responsáveis pelo aumento da criminalidade e violência no Rio de Janeiro?

Será que a população e os policiais não percebem, que as vitimas deste sistema enganoso, estão sendo jogados umas contra as outras, para acobertar e defender os verdadeiros bandidos, comandantes do crime organizado que esta enraizado no País!

Esta história é antiga: Os verdadeiros responsáveis pelo aumento da violência e criminalidade; são aqueles que para se elegerem, prometem milhões empregos, prometem casas populares, prometeram justiça social e justa distribuição de renda; mas depois de eleitos começam a extorquir a sociedade com as mais altas taxas tributarias, com intuito de aumentar suas mordomias, e passam a acobertar e dar guarida e defender bandidos do exterior, ou aqueles que antes criticavam para se eleger!

Desde o descobrimento somos enganados, feito os índios, que trocaram suas terras por badulaque!

Por isso querem a população desinformada e inculta! Desta forma, se torna mais fácil tosquiá-los feito cordeiros, e os empurrar para os currais eleitorais!

Por isso as cadeias estão superlotadas de gente pobre e analfabeta! Ou seja dos três P, pobres p..tas e pretos!
Até parece que só estes são os bandidos!
Mas não é bem assim, acordem; estas são as vitimas do sistema, e estão sendo usadas, ou seja, estão sendo empurradas para trás das grades, para dar lucro a canalhas que nos prometem justiça e segurança!
Não é possível aceitar que cada preso, daqueles que estão embolados em pequenos cubículos, custe quatro mil e quinhentos reais aos cofres públicos, pois nem uma faculdade em período integral custa tanto! Agora vai me dizer, que a cadeia é mais instrutiva que uma faculdade?

Além do mais, sabemos, que muitos pais de familia trabalham de sol a sol, para ganhar salários de quinhentos e poucos reais, e com este valor tão irrisório, são obrigados a se manter e sustentar suas familias!

Pode não ser justo, mas é a pura verdade, e vive entalada, pois os canalhas pagam a a mídia vendida e aos pelegos para esconde-la e distorce-la!

Eis que continuam usando nossos impostos para nos enganar, ludibriar e escravizar!

E enquanto houver a lei de imunidade para acoberta-los, para eles, o crime compensara!
Pois nunca serão punidos, ou devolverão um centavo do que desviam, superfaturam, ou roubam!
Eu ia me esquecendo:
Ainda continuarão a rir, da minha e da sua cara eleitor!

Abra sua boca a favor do mudo, pelo direito de todos que perecem!
Provérbios Rei Lemuel!

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)