O maior crime do maluco que matou 12 crianças e feriu 18 no Rio de Janeiro foi o de ter injetado realidade no faz-de-conta nacional.
Por Josias de Souza, jornalista da Folha de São Paulo.
A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incubindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (CF, art. 127)
É o agente do Ministério Público que se esmera na titânica luta em busca do bem comum, não dando tréguas àqueles que se desviam dos ditames constitucionais e legais, com os olhos sempre voltados à concretização da Justiça.
César Danilo Ribeiro de Novais - Promotor de Justiça do Tribunal do Júri.
O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)
“Com a reconstrução da ordem constitucional, emergiu o MP sob o signo da legitimidade democrática. Ampliaram-se-lhe as atribuições; dilatou-se-lhe a competência; reformularam-se-lhe os meios necessários à consecução de sua destinação constitucional; atendeu-se, finalmente, a antiga reivindicação da própria sociedade civil. Posto que o MP não constitui órgão ancilar do governo, instituiu o legislador constituinte um sistema de garantias destinado a proteger o membro da instituição e a própria instituição, cuja atuação autônoma configura a confiança de respeito aos direitos, individuais e coletivos, e a certeza de submissão dos Poderes à lei.” (Min. Celso de Mello, STF - RTJ 147/161)
As opiniões aqui veiculadas não espelham o pensamento do Ministério Público, senão dos autores que subscrevem os textos.
Um comentário:
A realidade é triste, mas nem é mais chocante. Sucederam-se tantos genocídios no Brasil sob uma névoa de complacência do Estado e da tão falada classe média que agora um jornalista escreve como que tocado pelo poder de um segundo raio, que em plena tarde ensolarada no jardim das alegrias dessa sua amada classe média inesperadamente explodiu e o feriu.
Pior ainda os noticiários, repetindo à exaustão as cenas filmadas pelas câmeras de televisão e por um cinegrafista amador, que pareceu em todos os ângulos mais preocupado em filmar tudo do que em ajudar alguém. Dá audiência enquanto que repórteres com uma expressão adequadamente comovida para o momento falam sobre o acontecido. E um partido político ainda aproveita o momento para veicular seu programa partidário. Não deveria tê-lo adiado em respeito às vítimas? Mas o tiroteio ia dar audiência, então porque não juntar o útil ao desagradável mas quem tem milhões de eleitores assistindo? Primeiro nossa mensagem, depois entram os mortos.
É do meio dessa sociedade que surgiu um desequilibrado, que a rigor nem culpa teve. Por tudo o que foi visto até agora agiu em estado de total alucinação e de completa loucura. Se sobrevivesse seria juridicamente inimputável, tendo como prisão um manicômio. O mesmo que aconteceu com o atirador do shopping de São Paulo, que levou aos noticiários uma primeira visão de que a loucura está sim, dentro da classe média e muito bem cuidada. Esse foi o primeiro raio que atingiu o mesmo jornalista nos seus comentários da época.
Loucura mesmo é a dessa sociedade que permitiu a impunidade para os menores que incendiaram o índio Galdino em 1997, quando os magistrados aceitaram a tese da defesa de que os menores, da classe média, é claro, queriam "apenas brincar" jogando álcool sobre o índio que dormia. Loucura de verdade é uma promotora desqualificar o atropelamento de um pedreiro pelo filho de um ex-ministro em 1996 alegando que a vítima já estava morta ao ser arremessada a mais de 15 metros e portanto o "réu" não era culpado por ter fugido sem prestar socorro, já que a vítima estava morta. Loucura é manter um sistema que deixa um réu confesso do assassinato com testemunhas de uma ex-namorada solto depois de condenado a 19 anos de prisão. Loucura é achar que leis que permitem aos alunos matarem e espancarem professores no Brasil inteiro está certa. Como os professores são assassinados e espancados um de cada vez ao invés de 12 de uma vez só, então a comoção nem sequer existe. Mal aparece no noticiário. Não dá audiência mesmo.
Lógico que sentimos pelas crianças mortas, pelo sofrimento das famílias e pelas cenas de horror, mas isso é apenas o brotar dos espinhos no jardim dessa mesma classe média, que ela tão laboriosamente semeou nos últimos 20 anos, aceitando um código moral tácito, consensual, de que no fim de contas "eu só pago uma cesta básica" e se for preso. Se conseguir fugir, nem isso.
Finalmente a classe média brasileira tem a sua Columbine. Estamos progredindo.
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