A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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8 de dezembro de 2010

Discurso Apocalíptico



Tom Jobim e Newton Mendonça, num dos pontos altos da Bossa Nova, compuseram a música Samba de uma nota só: “Eis aqui este sambinha / Feito numa nota só / Outras notas vão entrar / Mas a base é uma só…”

Nos últimos anos, a temática do encontro estadual do Ministério Público de Mato Grosso tem sido o samba de uma nota só. O discurso apocalíptico: “O MP é isso; o MP é aquilo; O MP tem feito isso; o MP não tem feito aquilo; O MP sofre de crise disso; o MP está moribundo…”

É técnica nazista a de imputar seus crimes ou defeitos aos inimigos para, assim, neutralizá-los.

É isso que vem ocorrendo neste país no que toca aos ataques contra a instituição do Ministério Público. Após o advento da Carta Magna, vieram as derrocadas do Executivo (v.g. impeachment de Fernando Collor), do Legislativo (v.g. máfia dos anões do orçamento) e do Judiciário (v.g. “operação Themis”). Naturalmente, agora, a bola da vez é o Ministério Público, um dos poucos refúgios institucionais da reserva moral neste país.

É fato que a Constituição Federal outorgou uma “carta branca” para o Ministério Público defender a sociedade, com olhos voltados à concretude do ordenamento juíridico e em busca de justiça social. É fato, outrossim, que essa instituição tem feito muito nesses vinte anos da nova ordem constitucional em prol da sociedade, cumprindo a contento com seus poderes-deveres. Vale dizer, o Ministério Público vem atuando incansavelmente na defesa da sociedade. Todavia, é fato também que a tarefa dessa instituição é infindável, uma espécie de unendliche Aufgabe, propagada por Kant, já que aqui no Brasil vigora o descaso, a omissão e a desídia do Estado para com os direitos da sociedade.

Mas uma coisa é certa: enquanto membros do Ministério Público tinham como alvo de suas ações a Senzala (“três pês”), não havia reclamações ou choromingos, mas depois que tal se distendeu, açambarcando a Casa Grande (“colarinho branco”), toda sorte de impropérios tem sido lançada contra a instituição.

Como toda instituição formada por seres humanos, o Ministério Público apresenta falhas, obviamente. Aliás, se até entre os apóstolos, escolhidos por Jesus, houve a maçã podre (Judas), seria muito pretensioso almejar uma instituição composta por santos. Assim, há falhas que devem ser corrigidas o quanto antes.

O que não se pode admitir é a generalização. Ao contrário do que pregam alguns, no oceano Ministério Público brasileiro, sem dúvida, não há ilhas de excelência senão de mediocridade. Ou seja, a excelência é a regra e a mediocridade é exceção. Não é recomendável julgar o todo pelas partes. Bem por isso, Aristóteles ensinou que a generalização é o primeiro caminho para a injustiça.

No entanto, o mais preocupante desse discurso apocalíptico é que ele passou do exterior para o interior, isto é, o “discurso nazista” foi acolhido por alguns setores do Ministério Público (v.g. CNMP e CONAMP), que não tiveram qualquer resistência em divulgá-lo como se epidemia fosse. A teoria do labelling approach, surgida na década de 60 do século passado nos Estados Unidos, mutatis mutandis, parece ter se concretizado no âmbito do Ministério Público, pois alguns membros têm aceito esse etiquetamento de instituição ineficaz, fadada ao fracasso e que está com os dias contados.

É momento de mudança do discurso. É momento do resgate da ideia de Ministério Público como “cobrador” dos direitos da sociedade, doa a quem doer, e que os excessos eventualmente cometidos por alguns de seus membros sejam tolhidos, exemplarmente, por quem de direito.

Com efeito, deve-se abandonar esse discurso apocalíptico e fatalista de uma nota só, uma vez que o Ministério Público é forte e deve assim ser mantido para que seja utilizado no que tiver que ser feito com toda a sua força, nessa luta hercúlea de transformar, com justiça, a realidade social brasileira.

Afinal, parafraseando o poeta amazonenese Thiago de Mello, o Ministério Público não é melhor nem pior que as outras instituições, mas igual; todavia, melhor é a sua causa: a defesa da sociedade.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça em Mato Grosso e editor do blogue http://www.promotordejustica.blogspot.com/

Um comentário:

CONSIDERANDO BEM... disse...

Realmente não está fácil... e em breve estaremos condenados por fazermos cumprir a lei...num país que ninguém cumpre! Nós somos os violões. Como na extraordinária obra O Alienista, de Machado de Assis, se todos são loucos e nós somos normais, logo nós somos os loucos! Tudo isso na visão dos fatalistas que você menciona! Força!

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)