A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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10 de novembro de 2010

A mentira no Júri



A “mentira” como uma técnica específica de defesa

Há uma representação social (que circula de uma forma muito forte no campo jurídico) de que a “mentira é uma estratégia amplamente usada pelos réus e seus advogados, ou seja, uma estratégia de defesa (seja “autodefesa” ou “defesa técnica”). E eu me perguntava, e o promotor? Quais são as representações que são produzidas e reproduzidas acerca dessa importante personagem das práticas judiciárias?

Conversei com promotores, advogados, defensores públicos, juízes de direito e jurados acerca do que esses atores sociais pensavam do promotor. E de todas as representações que circulam no campo jurídico sobre os promotores constatei as seguintes: a) acusadores sistemáticos; b) defensores do interesse público; c) advogados da sociedade; d) pessoas pagas pelo Estado para acusar os réus. Em nenhum momento ouvi alguma pessoa me falar que os promotores mentem. Mas o questionamento acerca de réus e advogados fazia aflorar, no discurso dos meus interlocutores, a prática da “mentira”.

Ficou claro para mim que a utilização da “mentira” era uma parte fundamental da identidade social e do desempenho cênico de réus e advogados. Há uma expectativa de que esses atores sociais utilizem essa técnica de defesa. E mais, a “mentira” é uma prática que, no âmbito do campo jurídico, não produz indignação moral. Ela se constitui num habitus conhecido e reconhecido como constitutivo do desempenho do papel de determinados atores desse campo social. A sua presença na liturgia judiciária é uma manifestação ritual. A mentira ritual é um elemento importante do ritual judiciário.

Diferentemente do direito norte-americano, onde existe o crime de perjúrio, no direito brasileiro não se pune, criminalmente, e de nenhuma outra forma, a “mentira” dos réus. E isso é conseqüência, segundo o discurso jurídico brasileiro, do “princípio da não auto-incriminação”, ou seja, o réu não é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Durante entrevista, o advogado A disse:

“Eu faço júri sem hipocrisia. É claro que eventualmente eu pego um processo fechado (totalmente desfavorável para a defesa); aí, nesse caso, eu conto uma estória da carochinha para ver se cola”.

Fonte: FIGUEIRA, Luiz Eduardo. O Ritual Judiciário do Tribunal do Júri. Porto Alegre: SAFE, 2007, p. 69.

Obs.: Clique aqui e leia a monografia que deu origem ao livro em testilha.

2 comentários:

Vellker disse...

É exatamente por esse tipo de ordenamento jurídico que o Brasil veio a conhecer esses chamados operadores de Direito que de direitos, no sentido de correção, não tem nada. Pior ainda, atuando tanto na advocacia como na magistratura para onde se alçam eventualmente, deixaram a Justiça caída nesse abismo jurídico onde a mentira disputa espaço com a verdade, levando a melhor na maioria das vezes.

Entronizado pelo verdadeiro balcão de negócios que foi a constituinte de 1988, foi colocada em nossa estrutura jurídica essa prática de que mentir vale sim. Os resultados estão à vista de todos. Presos que aproveitam a famosa "saidinha" para matar, roubar e estuprar e que de vez em quando são pegos em flagrante. E como conseguiram isso? Mentindo, afinal como diz o advogado A no final do seu depoimento, "conta-se" uma estória da carochinha e pronto.

E os que forem pegos tocam a mentir de novo, afinal ninguém tem que produzir prova contra ninguém. Enquanto isso um pai se defronta com a verdade de que sua filha foi estuprada e morta por um criminoso dessa forma. Um filho tem que enfrentar a verdade da morte de seu pai em um assalto por outro criminoso que aproveitou essa brecha e de novo toca o culpado a mentir para se proteger.

Se os fóruns do Brasil fossem divididos em duas alas, uma onde os indiciamentos e julgamentos seguissem o ordenamento normal do judiciário brasileiro e outra onde os mesmos indiciamentos e julgamentos seguissem o ordenamento normal do judiciário americano, em questão de pouco tempo a ala brasileira fecharia por absoluta falta de procura.

Só não muda para melhor porque muita, mas muita gente mesmo faz fortunas com esse sistema do quanto pior, melhor.

E fazendo um exercício de imaginação para o futuro, já com o Capitão Nascimento do Tropa de Elite ninguém vai inventar estória da carochinha.

Anônimo disse...

É a "doutrina pinóquio". No Brasil, mentir é essencial. Você é punido se falar a verdade; mas se mentir... É premiado. Ainda ficam estes "doutores" e "livres-docentes" pregando a quatro ventos que ninguém é obrigado a falar a verdade perante uma autoridade pública (policiais, juízes, fiscais etc.). Somos uma sociedade hipócrita de gente mitômana. Leandro

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)