A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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7 de junho de 2010

Quem mantém o tráfico é o usuário



Sei que o combate às drogas é um assunto polêmico e realmente de difícil solução. Sei também que as pessoas que se empenham nesse combate estão de boa-fé e convencidas das posições que defendem.

Um dos pontos mais difíceis de abordar é a repressão ao usuário de drogas, que é visto não como um contraventor, mas como uma vítima da dependência química.

De fato, não teria sentido tratar o viciado, que não consegue livrar-se da droga, do mesmo modo que o traficante, que se vale disso para ganhar dinheiro. Não obstante, me pergunto se todos os que consomem drogas são efetivamente dependentes, sem condição de livrar-se delas.

Já abordei aqui este assunto, quando usei do seguinte argumento: assim como a maioria dos consumidores de bebidas alcoólicas não é constituída de alcoólatras, também a maioria dos consumidores de drogas as consome socialmente.

Em grande parte, é gente de classe média alta e até mesmo executivos. Não podem ser vistos pelas autoridades do mesmo modo que os consumidores patológicos.

Este é um aspecto importante a ser considerado no combate às drogas, uma vez que o consumidor é o fator decisivo para a manutenção ou extinção do tráfico: não haverá comércio de drogas se não houver quem as compre. Sem consumidor, não há produção nem mercado.

Insisto neste ponto porque, como disse acima -e todos o sabem- será impossível extinguir o tráfico (e mesmo reduzi-lo drasticamente) se o número de consumidores se mantiver alto. E o fato é que o consumo de drogas cresce de ano para ano.

Se se admite, portanto, que é o consumidor quem garante a existência e expansão do tráfico, não resta dúvida de que é nele -no consumidor- que reside a chave do problema.

Atualmente, prepondera o combate direto ao tráfico, de que resulta uma verdadeira guerra, travada, quase sempre, nos subúrbios e nas comunidades pobres, que enfrentam grandes dificuldades para se manter e a suas famílias, e pagam alto preço pelas consequências dessa guerra.

E ao que tudo indica, com poucos resultados positivos. O tráfico continua a se expandir, envolvendo em suas malhas jovens cada vez mais jovens e até mesmo crianças cooptadas em suas escolas.

Paremos para refletir: se é o consumidor que mantém o comércio de drogas, não é evidente que o modo efetivo de combatê-lo é reduzir progressivamente o número de consumidores?

O erro cometido até aqui -se não me equivoco- terá sido reprimir tanto o traficante quanto o usuário de drogas, sem distinguir entre estes os que se drogam por necessidade patológica e os que o fazem socialmente. Mas, de qualquer maneira, a simples repressão, tanto ao usuário quanto ao traficante não resolverá o problema.

Por estar convencido disso, proponho que se encare essa questão a partir do consumidor, ou seja, impedindo que o número destes continue a crescer e, mais que isso, tentar reduzi-lo progressivamente.

Talvez as pessoas, que ainda não refletiram seriamente sobre o problema, tenham dificuldade de considerá-lo em sua verdadeira dimensão.

Sem exagero, a droga, como fenômeno mundial, pode ameaçar a própria civilização, já que se vale da juventude, isto é, daqueles que amanhã terão a sociedade em suas mãos.

Afora isso, a simples destruição de uma vida ou de uma família já justificaria todo o esforço possível para resolver tal problema. Por essa razão mesmo, acredito que o objetivo principal da luta a ser travada é manter os jovens e as crianças fora do alcance do traficante.

Estou convencido de que só uma operação em larga escala, que envolva não apenas as famílias, mas também a escola e os órgãos do Estado, poderá deter o avanço da droga. Não se trata de simplesmente promover uma campanha de esclarecimento, acreditando que isso seria suficiente. Não o seria.

Trata-se, a meu ver, de um trabalho permanente a ser desenvolvido por todos os setores da sociedade, devidamente organizado e mantido, evidentemente, pelo governo, com a participação da sociedade.

Um trabalho de reeducação e esclarecimento em caráter permanente, visando o futuro, mas implantado depois de muita reflexão e cuidadosamente elaborado. Tarefa para os novos governantes.

Por Ferreira Gullar, escritor, in jornal "A Folha de S. Paulo" de 30/05/2010.

4 comentários:

Anônimo disse...

A droga ñ é uma contravenção penal, ela é um problema social. Você acha que quem mantem o tráfico operando são os usuarios? Me desculpe e com todo o respeito, isso é um disparate. Existe bem antes muito dinheiro envolvido nisso, ou você acha que o usuario nasceu primeiro e é causa do nascimento do trafico? E antes do grande consumo de drogas, como os traficantes arrumavam investimento. E um cara que planta em sua casa, também financia o trafico? Quem financia o trafico é a lei que proibe as pessoas de plantarem em sua casa, pq serão enquadradas no trafico, assim continuando a pegar na mão dos traficantes
Quem financia o trafico é o estado, quem financia o alcool é a sociedade: que é a verdadeira causa desse sentimento da sociedade que deseja sempre fugir dos problemas da sociedade. E adivinha para onde eles vão fugir?

O trafico sempre vai existir, quanto maior a oferta, maior será a demanda. O trafico se alimenta da sua propria repressão, parace contraditorio, mas é fato.
Ñ adianta corta os frutos podres, sendo que a raiz continuará a crescer.
Hugo d Perpetuo

Vellker disse...

De toda forma continuam os comentários sobre o tratamento a ser dado aos chamados dependentes químicos com essa orientação: coniventes e lenientes, quando não cúmplices.

Sendo boa parte dos que comentam isso sob as luzes da imprensa os chamados intelectuais ou figuras públicas, podemos entender porque com tais intelectuais e tais figuras públicas não só o Brasil se afundou na ignorância mas também tráfico de drogas.

Esses intelectuais e figuras públicas vem de uma camada privilegiada da população, a saber a classe média alta ou rica, que ergueram através desses comentaristas enfiados em editorias de jornais e consultórios onde são entrevistados, uma verdadeira muralha de leniência exatamente para proteger seus filhos, mais conhecidos como "filhinhos de papai".

Alguns comentaristas são francamente a favor da liberação das drogas. Até mesmo um ex-presidente, desesperado pelo ostracismo político, apela a esse expediente para ter a atenção de algum jornalista, já que os tempos em que os jornais lhe pediam algum tempo em sua agenda são passados. Agora ele é que pede alguns minutos a algum jornalista iniciante.

Com esse bizarro circo de animais sociais, os traficantes não poderiam ter melhor retaguarda dos que se dizem preocupados com o tráfico e suas consequências, mas propõem uma só ação: não fazer nada, mas camuflando essa inação cúmplice com bonitas palavras.

Viciado? Drogado? Ah não. A mamãe ou papai que estão no Country Club ou na faculdade dando aula, quando são constrangidos a falar da última cena que seu filho ou sua filha aprontaram no clube, na faculdade e na rua na frente dos vizinhos usa essa bonita designação : dependente químico. É mais elegante, tem mais sonoridade, é mais palatável, não estraga o jantar e os convidados se condoem de forma socialmente adequada enquanto se servem de um fino prato.

Viciados ou drogados são os pobres que andam caídos na rua ou enfiados dentro de casas abandonadas. Bem, se o filho deles estava no mesmo lugar, sem dúvida deve ter sido um engano no endereço que procuravam.

Seus filhos não. Está certo, saíram dirigindo alucinados depois de consumirem drogas, provocaram acidentes onde mataram e mutilaram pessoas, enfrentaram policiais a pontapés, mas ora, foi só um acidente, um desentendimento do momento com os policiais truculentos. Quanto aos mortos e feridos e famílias desfeitas, a previdência social dará um jeito e aí servem a sobremesa.

As drogas ameaçam a civilização, é verdade, mas se seus filhos também já foram pegos passando drogas no clube, na rua e na faculdade, sem dúvida foi maledicência de desafetos, um ardil da polícia e denúncia inepta do cruel promotor, que ousa atentar contra o berço dos seus eternos "filhinhos". Enquanto isso os comovidos convidados terminam a sobremesa.

Enquanto apreciam a vista da janela do apartamento, veem o risco de balas traçantes no céu, ouvem o barulho de tiros em mais um confronto da polícia com os traficantes, mas calma o vidro da janela é blindado, veem jovens com roupas de grife comprando drogas perto da praia e ao ligarem a televisão veem mais um intelectual com esse discurso leniente, no verdade uma cortina de fumaça, um muro de tijolos gramaticais para ocultar toda essa falta de vergonha e proteger não só aos "filhinhos" do clube, mas também proteger-se, a verdade é essa, mas dita em palavras bonitas, até mesmo anestésicas.

Os convidados terminam o vinho e agradecem pelo jantar que estava delicioso. Entram em seus carros a prova de balas e voltam para casa. Seus filhos ainda não chegaram. Logo saberão que estão chegando pelo barulho da briga com o zelador, um telefonema da delegacia ou do necrotério.

Ou supremo horror, da redação de algum jornal. Pronto, está arruinada a próxima foto na coluna social.

Dependente químico, isso pode falar sim. Drogado não. Estraga o jantar e a foto na coluna social.

Anônimo disse...

Antes de discutir a origem do problema, devemos discutir como solucioná-lo. Pouco importa quem veio antes, se fora o ovo ou a galinha, o que me importa é o crescente número de usuários de drogas, o de traficantes, as mortes em razão do mesmo, a organização e o aparato criminoso que envolve o tráfico, isso sim é o que me interessa.
O combate ao tráfico de drogas é algo que deveria ser promovido dentro das escolas, com muita, mas muita educação. São atitudes que devem acontecer em conjunto, através da união entre Estado combativo e uma sociedade fiscalizadora. No entanto, atualmente a sociedade prefere permanecer alheia aos seus problemas, do que procurar uma forma de solucioná-los.
São recorrentes os casos de alunos utilizando drogas dentro das dependências de escolas e universidades, sem discriminar públicas ou particulares, a droga está tão prostituída que não precisamos mais ir atrás dela, trazem-na até nós.
Agora vamos pensar, e se fosse permitido plantar a maconha em casa; quantas pessoas não iriam fumar e dirigir? Com sinceridade, não quero morrer porque um imprudente fumou maconha em casa, depois teve a infeliz idéia de dirigir, e bateu no meu carro.
E o dia que falatr maconha em casa, o que esse individuo vai fazer, me assaltar para comprar mais? Também não quero isso.
E se esse mesmo individuo possuir uma arma em casa, e um belo dia ele estiver usando a sua droga em casa, e eu sua vizinha fizer algo que lhe deixe muito irritado, será que ele exitará em pegar a arma? Não quero correr esse risco.
Se lhe pareceram esdruxulos os exemplos que lhe citei, não se engane, os valores se perderam, hoje se mata por muitissimo menos.
Lara M. Nedel.

Anônimo disse...

Vellker vc usa o debate sobre o tráfico de drogas para exibir sua posição ideológica socialista, discriminando a "classe média alta" com comentários sobre vinho e vidro blindado hehehe chega a ser engraçado o distúrbio q seu comentário foi capaz de causar no assunto. Vc simplismente não conseguiu expor que na sua opnião que a culpa é dos ricos sem tentar ridicularizá-los com comentários que estes sim, sao ridículos...
"Seus filhos não. Está certo, saíram dirigindo alucinados depois de consumirem drogas, provocaram acidentes onde mataram e mutilaram pessoas, enfrentaram policiais a pontapés"
Enquanto os pobres mutilam com facas e armas e enfrentam os policias com paus e pedras... Vai negar?
A culpa nao é dos pobres meu amigo, nem dos ricos... Todas as classes consomem e prejudicam a sociedade da mesma forma...

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)