
É verdade que o presente é a única realidade prática, mas também é verdade que é nesse instante que se inserem o passado e o futuro. Na dimensão temporal atual, o passado recebe o nome de memória e o futuro tem vários pseudônimos, como sonho, desejo, medo e esperança.
O futuro não é algo que vai existir. O futuro existe agora. Aliás, o futuro só existe no presente, pois, quando no futuro, o futuro virar presente, ele deixará de ser futuro. Parece óbvio, mas escapa da percepção cotidiana da maioria das pessoas. E escapa também o fato de que o futuro virará presente e, quando isso acontecer, ele será melhor ou pior, a depender das providências tomadas no presente, neste exato momento.
Em outras palavras, só vivemos no presente, mas estamos fortemente conectados ao passado, que nos ensina, e ao futuro, que nos motiva. Viver é estar atado a essa tríade temporal, doce ou amarga, dependendo da consciência de cada um. Fazer as pazes com o tempo é a verdadeira sabedoria. Só que “a sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas”, também disse Proust.
Sim, a sabedoria é uma maneira de ver as coisas, mas isso exige intenção, disposição e coragem. O problema é que desenvolvemos essas três qualidades em épocas diferentes de nossa vida, por isso a maturidade às vezes tarda, depende do tempo.
O mesmo tempo que exige maturidade para ser bem escolhido e controlado, em outras palavras, para ser muito bem vivido.
2 comentários:
Gostei muito desta postagem,
gostaria de repostar em meu blog.
Caso não se incomode!
Muito bom isso aqui,
estou seguindo desde já.
A propósito:
"O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de uma artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é (...) "
Lavoura arcaica, Raduan Nassar, Companhia das Letras, 1989, págs. 51-3.
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