A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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26 de agosto de 2009

Ministério Público e Comunidade


O Ministério Público discute, há muito, mudanças em sua forma tradicional de atuação com a finalidade de alcançar resultados relevantes para a sociedade, nas múltiplas frentes de trabalho em que está inserido. Essa questão permeia todos os cenários de discussão interna, ora em face da relevância do trabalho; da atuação qualificada na atividade judiciária ou mesmo da impossibilidade em se fazer frente às demandas geradas a partir do envolvimento social da instituição.

Os integrantes do Ministério Público Nacional se esforçam para desempenhar a missão de essencialidade à função jurisdicional do estado, prevista no marco constitucional vigente, mormente quando confrontada com os reais interesses sociais. Apesar de alguns discursos isolados em contrário, temos tido êxito nessa empreitada mas somos, ao mesmo tempo, conscientes que significativa parcela da população brasileira reclama maior eficiência dos órgãos públicos.

Entre nós, todavia, soa estranho que nem sempre a energia desprendida revela-se produtiva em resultados almejados por essa sociedade. Tal dificuldade decorre, preponderantemente, da forma de enfrentamento das questões, via de regra, sem uma análise criteriosa dos fenômenos e da insciência em gestão pública, traço comum a muitos de nossos componentes.

Assim, vivemos uma enorme angustia face a não obtenção de respostas efetivas para as demandas que encaminhamos ao Judiciário, nas iniciativas judiciais ou nas discussões extrajudiciais levadas ao Executivo, Legislativo e a setores da sociedade em geral.

Por isso, é curial o desencadeamento de estratégias para mudança do paradigma de uma instituição que se conforma com uma atuação meramente propositiva para alcançar, de vez o papel de órgão integrado ao cenário de resolutividade das mazelas sociais. Esse é o desafio. A atuação planificada é, em essência, o fio condutor de medidas para a busca de resultados socialmente impactantes.

O planejamento do trabalho das Procuradorias e Promotorias é o sustentáculo do Planejamento Estratégico Institucional, sopesados, obviamente, as opções políticas do corpo dirigente. E não há como falar em planejamento sem diagnóstico e nem deste sem conhecimento dos obstáculos para viabilização de qualquer projeto.

Assim, como ponto de partida para essa análise é preponderante o rompimento da política de aliança que sempre tornou-nos coniventes com medidas que dificultam o acesso à Justiça; contribuem para alargar o fosso entre Sociedade e Estado e não define o tratamento de prioridades conforme enseja essa sociedade, resultando em morosidade na prestação jurisdicional e a supremacia de institutos despenalizadores, pelo advento da inércia estatal.

É simples, para ser direto. Por lei e por hábito, as ocorrências criminais que são levadas à apreciação do Judiciário são tratadas de forma rigorosamente idênticas. Os mesmos manuais indicam a individualização da pena tão-somente na finalização do sumário, com a admissão de procedência ou não da acusação ou em critérios de não privação da liberdade por muito tempo, em não havendo trânsito em julgado da matéria.

Por isso, os homicídios ou outros crimes que causam maior impacto na comunidade submetem-se a tratamento idêntico ao crime ainda que grave, mas que não tem repercussão nenhuma no seio social. Falo especificamente de tratamento gerencial de processos, com a definição de regras para sua finalização; de critérios de condução para torná-los mais céleres, etc.

Não há como romper essa barreira sem profundas mudanças no atuar dos agentes. As mudanças precisam contar com o respaldo da comunidade para serem executadas com sucesso, exigindo de nossos integrantes a interação social para conhecer as suas demandas e prioridades e ao mesmo tempo, informá-las sobre o seu trabalho (dele, membro do Ministério Público), determinando, a partir dessa interlocução os rumos a serem traçados na atuação.

O Promotor de Justiça moderno deve conhecer amiúde a sua área de atuação – se criminal, todas as nuances relacionadas à incidência das condutas reprováveis socialmente e, com esse diagnóstico, encetar medidas capazes de modificar a situação evidenciada, em espaço de tempo definido em consonância com as reais condições de trabalho da Promotoria. Para isso é necessário, também, a promoção de discussão frequente com o Poder Judiciário sobre o tratamento das demandas.

Na defesa dos interesses metaindividuais, área onde possuímos uma razoável experiência, graças ao esforço desencadeado por inúmeros abnegados, mister se faz a eleição das prioridades para que as funções não restem amesquinhadas e reflitam resultados verdadeiramente importantes para o conjunto da sociedade. De novo, a parceria com o Judiciário deve importar, necessariamente, os objetivos do conjunto da sociedade.

Nesse contexto, a atuação individualizada de um Promotor de Justiça, não responde minimamente ao programa institucional. É até possível que se destaque esse ou aquele trabalho mas, certamente não se terá a prática transformadora que justifique a nossa importância.

Venho disseminando, ainda que timidamente, a necessidade de se retomar a discussão sobre as peculiaridades internas do Ministério Público; repensar a estrutura organizacional (atribuições dos órgãos de execução e definição das coordenações estaduais nas áreas de atuação), reconhecendo as Promotorias de Justiça como instâncias de gerenciamento do trabalho na unidade geográfica delimitada pela Comarca.

Para tanto, aos poucos afastamo-nos definitivamente da tradicional figura do Promotor de Justiça agindo, via de regra, sozinho e percorrendo, não raro, várias comarcas para “falar em processos judiciais”.

Para que esse “novo” seja incorporado ao dia a dia de nossa atuação é indispensável um atuar diverso daquele tradicional. Apesar da complexidade que a questão pode apresentar, é, na verdade, muito simples. Basta avaliar os reais resultados (na visão do interesse da sociedade) alcançados e mapear o trabalho futuro. Trata-se, portanto, de mera produção e interpretação de dados.

Como já dito, em todos os Estados de Federação vem sendo sedimentado o entendimento sobre a imperiosa necessidade de atuação planejada do Ministério Público. As instituições estão envolvidas em processos para definição de planejamento estratégico; discussão dos pontos positivos alcançados com as experiências já desenvolvidas e, sobretudo, avaliação das razões de insucesso de algumas iniciativas de atuação planificada.

Ao tratar de estratégia de atuação, não é possível descurar que um ponto preponderante é o diagnóstico do ambiente externo, pano de fundo para delineamento dos rumos a serem seguidos no desenvolvimento de qualquer missão. O trabalho planejado permite a minimização dos recursos necessários à sua consecução, ao mesmo tempo em que permite a maximização dos resultados obtidos. Sobre isso não há qualquer nota divergente em nosso meio.

A operacionalização deste novo modo de agir tem dispendido, em alguns Ministérios Públicos um esforço substancial, com resultados insatisfatórios. Em regra, o tema planejamento é visto como algo desencadeado pelo gabinete do Procurador-Geral, envolvendo os demais setores da instituição que passam a concebê-lo como um projeto específico, sujeito aos mesmos critérios das demais iniciativas em desenvolvimento. Enfim, a longevidade dos planos institucionais podem ser menores ou maiores, de acordo com o programa de trabalho do PGJ.

A doutrina administrativista aponta como método de gestão científica a priorização de medidas que relevem a obtenção de resultados, sendo indispensável, para tanto, a definição de metas, a eleição dos meios para alcançá-las, a execução acompanhada paulatinamente, permitindo a redefinição de rumos e ao final, a avaliação dos reais resultados obtidos para que o planejamento do próximo período não contenha os mesmos erros já detectados no passado.

Nesse modelo de gestão, as metas institucionais devem guardar coerência com as metas políticas e com a demanda da sociedade, estabelecida sobre resultados que atinjam, efetivamente, as suas necessidades.

Por isso, no exercício da função de Corregedor-Geral, delegação do Colégio de Procuradores da instituição, venho desafiando as nossas estruturas para o desenvolvimento de um trabalho planejado e, para tanto, é indispensável que se proceda a uma avaliação em nossos métodos tradicionais de atuação.

Como meio para o alcance dessas metas e, desincumbido de orientação do Conselho Nacional do Ministério Público, programamos para o corrente e para o próximo ano, a realização de audiências públicas em nossas correições ordinárias, ocasião em que a sociedade, diretamente ou pelos seus representantes, poderá sugerir, questionar ou criticar o trabalho de nossos integrantes, viabilizando a atuação da instituição de forma mais coerente com os reais interesses da sociedade. Isso é diagnóstico para que o planejamento seja traçado em bases reais.

Vale frisar que essas audiências não se concretizam dentro do formato tradicional das audiências proporcionadas pelo Corregedor, quando das visitas às Comarcas, restritas, em regra, a representantes do Poder Judiciário, da Segurança Pública e da OAB. Esses encontros, ainda que não marcados por traços de grandiosidade, compõem-se de dois momentos. No primeiro, os Promotores de Justiça fazem um resumo do trabalho desenvolvido no último ano e no segundo a sociedade pode questionar, indagar sobre procedimentos e relatar suas angústias, mormente em face do que chamamos defesa da coletividade.

Ao mesmo tempo, as Corregedorias dos Ministérios Públicos querem externar que não são apenas órgãos de aplicação de sanção funcional e sim, de correção de rumos da atuação, de modo a responder, com eficiência, a essa enorme confiança que a sociedade deposita em nossos integrantes. É a contribuição do órgão correcional do Ministério Público para firmar, de vez, essa indispensável parceria com a sociedade.

Por Edmilson da Costa Pereira, Procurador de Justiça e atual Corregedor-Geral do Ministério Público de Mato Grosso.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)