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12 de junho de 2009

Processo Penal Proporcional


O Princípio da Proporcionalidade no Processo Penal

O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito. Tem caráter formal, pois é um princípio formal metodizante. Ele impõe a justificabilidade metódica das intervenções em direitos fundamentais.

De modo geral, as doutrinas estrangeira e nacional têm firmado o princípio da proporcionalidade em sentido amplo como subdividido em subprincípios: princípio da adequação ou da idoneidade, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

O princípio da adequação ou da idoneidade (Grundsatz der Geeignetheit, em alemão, ou idoneità del provvedimento, em italiano) tem tido várias denominações alemãs ao longo de sua história, como Geeignetheit (adequação, idoneidade), Tauglichkeit (aptidão), Zweckmäßigkeit ("apropriabilidade", utilidade), Zweckgemäßheit (utilidade) e Zwecktauglichkeit (aptidão do fim). Também denominado, em português, princípio da pertinência ou da aptidão.

No direito processual penal brasileiro, a adequação deve ser aferida em relação aos fins imediatos e mediatos da persecução criminal.

O princípio da adequação diz respeito à aptidão ou adequação que determinado meio deve ter para alcançar o "fim legítimo pretendido", ou seja os fins da persecução criminal. Por exemplo, a prisão preventiva do réu (meio), no caso concreto, é apta a impedir a interferência do réu no depoimento de testemunhas (fim imediato da persecução criminal - demonstrar a existência ou inexistência da infração penal e sua autoria)?

A adequação pode ser aferida também em relação a fins mediatos especiais da persecução criminal. Um inquérito policial ou processo penal por crime contra o meio ambiente pode ilustrar essa aplicação.

O meio ambiente, enquanto bem jurídico constitucional, no caso, é fim mediato especial. Problematizando: a realização do fim imediato promove a realização do fim mediato especial (ou específico)? Por exemplo, a prisão provisória de um "técnico de meio ambiente", por um eventual crime ambiental de menor gravidade, poderia entrar em conflito com a proteção do bem constitucional meio ambiente, se ele fosse o único "agente de proteção do meio ambiente" da localidade. A realização do fim imediato da persecução criminal não contribuiria, no caso, por hipótese, para o fim mediato, de nível constitucional, com o que se exigiria uma argumentação reforçada para que houvesse a prisão e uma carga argumentativa favorável à manutenção da liberdade. Desse modo, a questão poderia ser tratada na perspectiva processual, sem necessariamente afetar a matéria penal, ou seja, a persecução criminal poderia continuar, chegando mesmo a uma sentença penal condenatória transitada em julgada.

O princípio da necessidade (Grundsatz der Erforderlichkeit ou Grundsatz der Notwendigkeit) é também conhecido como princípio da "intervenção mínima" (Grundsatz des Interventionsminimum), do "meio mais brando/suave/benigno/mitigado/moderado" (Grundsatz des mildesten Mittels), da "menor intervenção possível" (Grundsatz des geringstmöglichen Eingriffs), da "exigibilidade" (Grundsatz der Erforderlichkeit), da "subsidiariedade" (Grundsatz der Subsidiarität) ou do "meio mais moderado" (Grundsatz des schonendsten Mittels).

O princípio da necessidade se refere à utilização do meio que menos interfira em um direito fundamental, sem entrar na questão da adequação entre meios e fins. Por exemplo, se podemos conseguir as provas por meio de provas testemunhais, por que violar a intimidade do réu com uma interceptação telefônica? Por que decretar prisão preventiva, com fundamento na conveniência da instrução criminal, supondo que o réu destruiria documentos comprometedores, se bastam a busca e a apreensão para resguardá-los?

O subprincípio ou princípio da proporcionalidade em sentido estrito (Grundsatz der Verhältnismäßigkeit im engeren Sinne ou Grundsatz der Verhältnismäßigkeit i.e.S.) também tem sido denominado Proportionalität (proporcionalidade) e, impropriamente, Übermaßverbot (proibição ou vedação de excesso) em alemão. Entendemos que o princípio da proporcionalidade não se confunde com o princípio da proibição ou vedação de excesso (Übermaßverbot), nem com o princípio da vedação de deficiência ou vedação da proteção deficiente (Untermaßverbot).

O princípio da proporcionalidade, no sentido abrangente dos três subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu), também é denominado princípio da proporcionalidade em sentido amplo (Grundsatz der Verhältnismäßigkeit im weiteren Sinne ou Grundsatz der Verhältnismäßigkeit i.w.S.). Geralmente, quando se quer referir especificamente ao subprincípio, costuma-se acrescentar a expressão stricto sensu ou em sentido estrito.

Bernal Pulido apresenta sua definição quanto a intervenções legislativas: "Conforme o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a importância da intervenção no direito fundamental deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido pela intervenção legislativa" (BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculante para o legislador. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2003, p. 757 e 759, em nossa tradução livre).

Mutatis mutandis, isso se aplica às intervenções judiciais e administrativas e respectivos fins. Desse modo, aplica-se aos meios de intervenção do direito processual penal (prisão provisória, liberdade provisória, interceptação telefônica, notificação para depor, quebra de sigilo telefônico etc.) e aos respectivos fins da persecução criminal (demonstrar a existência ou inexistência do fato delitivo e sua autoria, formar a convicção da entidade decisora como o juiz, obter sentença definitiva transitada em julgado sobre o fato delitivo e sua autoria, preservar a segurança pública etc.).

No princípio da proporcionalidade em sentido estrito (ou subprincípio da proporcionalidade), temos:

a) o que colide: de um lado, direitos fundamentais afetados e, de outro, "princípios" (objetivos, princípios, direitos, deveres, garantias, interesses e bens constitucionais);

b) método de resolução da colisão: a ponderação;

c) valor dos entes colidentes: os pesos argumentativos presuntivos, que demandam a apresentação de contra-argumentos para os argumentos ou razões favorecidos com as presunções;

d) circunstâncias da colisão e da ponderação: circunstâncias do caso concreto;

e) resultado da colisão e da ponderação: "relação de precedência condicionada" às circunstâncias do caso concreto, mediante a qual as condições ou circunstâncias sob as quais um "princípio" precede a outro constituem o suposto de fato de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio prevalecente.

Por aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, mesmo estando presentes, por exemplo, os "requisitos" ou pressupostos legais lato sensu para decretação da prisão preventiva, ela pode deixar de ser decretada pelo juiz.

Por exemplo, na perspectiva da integralidade dos direitos fundamentais, seria o caso também de uma prisão provisória, por crime de pouca gravidade, que levasse à prisão uma pessoa muito idosa, a qual tivesse pequena expectativa de vida, pois isto se oporia ao dever de o Estado amparar as pessoas idosas, defendendo seu bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (art. 230, CR). No caso concreto, segundo os elementos probatórios disponíveis, a maior importância da afetação negativa do direito fundamental social afetável superaria a menor importância da realização da finalidade punitiva da intervenção em seu direito fundamental, inclusive em razão do caráter provisório da prisão. Diante disso, o juiz não decretaria a prisão provisória e, conforme o caso, poderia utilizar uma medida cautelar alternativa, como visto acima. Isso não significa que, no caso concreto, não poderia ocorrer uma outra situação em que estivesse justificada a prisão provisória de uma pessoa idosa com pequena expectativa de vida, mas as razões teriam que ser suficientemente fortes para vencer as razões que preservam seus direitos fundamentais nessa hipótese.

Uma das aplicações mais operativas do princípio da proporcionalidade consiste na possibilidade de medidas cautelares alternativas e mitigadas no direito processual penal, independentemente de nova lei (vide FEITOZA PACHECO, Denilson. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. Vide também: FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2009).

Enfim, o princípio da proporcionalidade tem ampla aplicabilidade ao direito processual penal.

Por Denilson Pacheco Feitoza, Procurador de Justiça em Minas Gerais, Mestre e Doutor em Direito (UFMG) .

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